Em Basileia — À entrada para o fim-de-semana e ao cabo de três intensos dias, já é possível descortinar algumas tendências e salientar vários acontecimentos que marcaram o arranque de mais uma edição do maior certame relojoeiro mundial. Aqui ficam as primeiras notas da edição de 2016 de Baselworld, com algum humor e polémica à mistura.
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Há uma canção que hoje não me está a sair da cabeça. Não sei a letra toda, mas conheço razoavelmente o refrão:
É sexta-feira
Suei a semana inteira
No bolso não trago um tostão
Alguém me arranje emprego
bom bom bom bom
Já já já já…
Bom, não posso dizer que a letra se possa aplicar na totalidade — trago no bolso alguns francos suíços (poucos) e só o facto de me encontrar em Baselworld, sendo eu um jornalista especializado em relojoaria, significa que tenho um emprego «bom bom bom bom». A identificação prende-se mais com a parte inicial: é sexta-feira, suei a semana inteira. Porque Baselworld é mesmo uma gigantesca Babilónia de mil marcas e mil idiomas que nos suga a energia e nos deixa à toa, tal é a avalanche de produtos, personagens, entrevistas, apresentações e informação. De tal modo que se pode mesmo dizer que, em comparação com Baselworld, o já de si exigente Salão Internacional da Alta Relojoaria quase parece um Spa…
Tendo tido finalmente a possibilidade de parar um pouco e escrever uma primeira abordagem àquela que, historicamente, até poderá ser considerada a 100.ª edição, é possível descortinar algumas histórias e vários destaques — mas com a noção de que apenas 30% do que verdadeiramente interessa foi visto. O que torna simultaneamente os próximos quatro dias tão estimulantes quão antecipadamente extenuantes. No meio de quatro mil jornalistas de todo o mundo incluídos num total de 150 mil profissionais (que engloba também as marcas, representantes, distribuidores, clientes) de mais de 100 países que sobrelotam Basileia em geral e os 141 mil metros quadrados da feira em particular. Só as empresas do ramo relojoeiro e joalheiro, e todas as indústrias relacionadas, são 1.500. E, na conferência de imprensa oficial que acompanhou a abertura das portas na última quarta-feira, foi sublinhado o facto que a primeira edição do evento (apelidada de MuBa: Mustermesse Basel) remonta a 1917 — então com apenas 29 marcas suíças, contra as cerca de 1500 internacionais e mais de três centenas helvéticas que se exibem este ano.
Nessa conferência também foi referido que, perante a recessão quase planetária, a descida nas exportações dos relógios feitos na Suíça não foi tão grave como seria de esperar (apenas menos 3,3%), comparando 2015 a 2014. E, num plano mais conjuntural, foi quase irrelevante: é que foi afirmado que, em cinco anos, as exportações de relojoaria suíça haviam crescido 60% relativamente aos valores de 2010. Números que parecem muito (demasiado?) positivos — para afugentar arautos da desgraça que têm exorbitado a ameaça dos chamados smartwatches ou para dar confiança ao mercado? Mas, na relojoaria tradicional, não são os números que geram emoções nos aficionados. São os relógios propriamente ditos. E mais vale a pena passar a falar deles do que na economia que os rodeia. Aqui ficam algumas tendências que descortinamos nestes primeiros dias e que poderão muito bem manter-se válidas ao cabo dos sete dias de estadia:
Espera sebastiânica
Qual D. Sebastião, a remodelação completa do Cosmograph Daytona ainda se vai fazer esperar — possivelmente mais um par de anos, pelo menos. Todos os modelos das várias linhas da Rolex receberam caixas novas (com asas mais ‘gordas’) há muito e o Daytona tem sido a exceção de há cinco anos para trás. Havia indícios na comunicação da Rolex (teasers no Facebook e Instagram) que indiciavam a chegada de um novo Daytona, mas a novidade é apenas parcial: mantém-se a arquitetura da caixa e o tamanho que, desde os anos 90, parece hoje em dia algo pequeno (40 mm a puxar para os 39), mas as versões em aço estão agora acompanhadas de uma espetacular luneta negra em Cerachrom que dá decididamente um ar renovado ao famoso cronógrafo. Que será seguramente um enorme sucesso de vendas.
Uma questão de tamanho
Estou neste momento a escrever estas linhas com um crachá na lapela que diz ‘Size Matters’. Pois é, sempre se disse que ‘Não É o Tamanho Que Importa’ (numa espécie de contra-propaganda), mas a Moser tem usado e abusado desse lema para apresentar o seu novo modelo com data grande — na sequência de uma campanha iniciada com um sugestivo vídeo protagonizado por Laurent Piccioto (o patrão da relojoaria parisiense Chronopassion) e Suzanne Wong (a nossa colega que é a editora da revista Revolution, edição de Singapura). Mais uma vez, Edouard Meylan, o jovem CEO da marca, a revelar um salutar espírito iconoclasta face a uma indústria conservadora que ele tão bem conhece desde a mais tenra infância… afinal de contas, é filho de um antigo CEO da Audemars Piguet.
Entretanto, a Bulgari foi pelo caminho inverso — e anunciou o relógio com repetição de minutos mais fino do mercado. Pouco mais de 3 mm numa caixa que, tradicionalmente e para qualquer marca, precisava sempre de um pouco mais de volume para dar mais ressonância à complicação acústica. Mas a corrida para o ultra-plano juntamente com a Vacheron Constantin, a Piaget e a Jaeger-LeCoultre está, neste momento, favorável à Bulgari… se bem que a Vacheron Constantin e a Jaeger-LeCoultre nem se importem tanto com o assunto como a Piaget, auto-proclamada rainha dos fininhos.
Senhor orador
Às vezes o que diz parece saído diretamente da letra de canções dos Beatles, mas não há dúvida nenhuma de que, quando Jean-Claude Biver fala, o mundo relojoeiro está atento. Todas as suas conferências de imprensa são híper-lotadas, com as salas dos stands da Hublot ou da TAG Heuer a transbordar tanto que é necessário colocar ecrãs cá fora para que todos ouçam o ‘guru’. Na Hublot, exaltou o 10.º aniversário do Big Bang All Black. Na TAG Heuer, o Carrera Connected está na ordem do dia.
Versões maiores
Numa década em que a média dos tamanhos dos relógios baixou devido aos gostos e pulsos asiáticos (para além de que a febre dos modelos sobredimensionados verificada há dez anos se foi extinguindo), estão a ver-se subitamente em Baselworld alguns modelos a crescerem um pouco: o novo Black Bay em bronze da Tudor cresceu dois centímetros (de 41 para 43 mm) relativamente aos seus ‘irmãos’ (incluindo um novo modelo todo negro, sem esquecer que há também uma nova versão de 36 mm!); o Globemaster que a Omega apresentou no ano passado com 39 mm já tem variantes de 41 mm; o Oris Diver Sixty-Five também cresceu de 40 para 42 mm em várias versões desveladas nesta semana.
Versões bronzeadas
Estamos em ano olímpico e há aparentemente muitas marcas a quererem ganhar medalhas de bronze. Como a Tudor, com o seu novo Black Bay. Ou a Oris, com versões do seu Diver Sixty-Five. E até a Porsche Design, uma marca moderna com pendor para materiais e estéticas vanguardistas, escolheu esse metal para um novo modelo — o que é simultaneamente aliciante e contraditório, porque o bronze ganha patina e oferece um visual que se torna gradualmente mais antigo.
Azul é o new black
Quantas vezes se diz ou escreve que uma determinada cor que repentinamente surge com mais força é ‘o novo preto’ («the new black»)? Pois bem, o azul continua mesmo muito forte, com as marcas de todos os estratos sociais e modelos dos mais diversos desígnios a receberem adicionais versões com mostrador azul. E que, na maior parte dos casos, até é mais bonita! E eu a pensar que a febre do Avatar e dos Estrumpfes tinha passado há muito…
E por agora ficamos por aqui — há muito mais para correr nesta sexta-feira. Novo ponto da situação dentro de um par de dias…
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