Chopard Alpine Eagle: o elo que faltava

Na sequência de um projeto familiar de quase cinco anos, a Chopard surpreendeu com o lançamento de uma estilizada coleção em aço que vem completar a sua oferta relojoeira e que recupera um conceito integrado de há quatro décadas. A nova linha Alpine Eagle insere-se na tipologia dos relógios desportivos de luxo e reforça um aparente contraciclo que promete mudar o paradigma dos últimos anos. Estivemos cm alguns exemplares em Lisboa e falámos com Karl-Fredrich Scheufele durante a apresentação na Dubai Watch Week.

Artigo originalmente publicado no número 69 da Espiral do Tempo  (edição inverno 2019) e aqui complementada com mais imagens.

Publicidade do St. Moritz no início da década de 80. © Chopard
Em 1980 a Chopard lançava um modelo estanque em aço, de design integrado e dedicado aos clientes que procuravam um relógio para alternar com as versões em ouro mais elegantes da marca. © Chopard

Na história dos relógios de pulso, sempre houve modelos mais desportivos do que outros — com a correspondente sofisticação inerente ao estatuto da marca que os produzia. Mas o conceito do relógio desportivo de luxo só surgiu verdadeiramente no início da década de 70, com o estabelecimento de robustos modelos em aço com um nível de acabamento mais próximo da alta-relojoaria e um elevado preço condizente. Foi seguindo essa tendência que surgiu, em 1980, o St. Moritz da Chopard: um modelo estanque em aço, de moderno design integrado e dedicado aos clientes da marca que procuravam um relógio de caraterísticas couraçadas para alternar com as versões em ouro mais elegantes da marca.

© Susana Gasalho / Espiral do Tempo
© Susana Gasalho / Espiral do Tempo

Praticamente quatro décadas depois, é interessante constatar que foi Karl-Friedrich Scheufele quem esteve por trás da criação desse modelo de rotura com o que a Chopard fazia na altura. E que foi mesmo o primeiro projeto relojoeiro do atual copresidente da Chopard, então um jovem de 22 anos que teve muito trabalho em persuadir o seu pai de que seria boa ideia abrir uma nova dimensão na coleção da marca. O sucesso comercial que se seguiu premiou a ousadia juvenil. Quarenta anos volvidos, a história familiar foi revisitada com a criação do Alpine Eagle. Não é bem caso para se aplicar a popular expressão francófona plus ça change, plus c’est la même chose — mas é sintomático o modo como o Alpine Eagle vem completar o círculo genealógico iniciado em 1980: desta vez foi Karl-Fritz Scheufele, filho de Karl-Friedrich, quem despoletou o processo com a cumplicidade do avô Karl.

Karl, Karl-Friderich & Karl-Fritz Scheufele. © Chopard
Karl, Karl-Friedrich e Karl-Fritz Scheufele: três gerações ligadas ao Alpine Eagle da Chopard. © Chopard

O denominador comum é, pois, o já reformado patriarca. Que resistiu um pouco à criação do St. Moritz de 1980 e que incentivou a criação do Alpine Eagle de 2019. Além dele, o jovem Karl-Fritz contou também com o apoio da tia Caroline Scheufele numa espécie de complot transgeracional destinado a convencer o pai, ultimamente demasiado ocupado com o desenvolvimento da coleção L.U.C e a afirmação do projeto Chronométrie Ferdinand Berthoud. Inicialmente cético, Karl-Friedrich acabou por aceitar a ideia; afinal de contas, viu no filho o seu próprio entusiasmo de há 40 anos e também se apercebeu de que a ressurreição do St. Moritz representaria o elo que faltava para completar o catálogo da Chopard, tão estratificado entre a sua dicotomia masculina (modelos L.U.C clássicos e a linha Mille Miglia rétro-desportiva) e a vertente feminina (com um maior acento na parte joalheira). Porque o novo Alpine Eagle vem não só fazer a ponte entre as duas principais linhas masculinas como estabelecer a ligação entre o catálogo de homem e o de senhora, sendo pensado como uma coleção abrangente.

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As precupaçoes ambentais de Karl-Friedrich Scheufele bem patentes na apresenação durante a Dubai Watch Week. © Miguel Seabra/Espiral do tempo

«O St. Moritz fez parte da minha juventude e foi um projeto ao qual me dediquei muito. E quando há uma ligação emocional a algo, muitas vezes preferimos não revisitar o passado», recordou Karl-Friedrich Scheufele. «Quando me apresentaram o projeto do novo relógio, fiquei surpreendido. Houve logo uma conexão. Mas disse ao meu filho que a coisa poderia avançar na condição de que só seria lançado no mercado quando todos tivéssemos a certeza de que estaria 100% perfeito. Porque conheço bem todos os modelos de design integrado e sabia que cada detalhe teria de ser perfeito». O produto final comprova-o.

Mais do que um nome

Sendo claramente um descendente direto do St. Moritz, a primeira questão associada ao Alpine Eagle prende-se naturalmente com a escolha da diferente nomenclatura. Nos anos 80, o St. Moritz abriu caminho também para o Gstaad e o Monte Carlo — modelos que apresentavam igualmente uma conceção integrada entre a bracelete metálica e a caixa que tão em voga estava já desde a década de 70, além de apresentarem um nome evocativo de estâncias turísticas de luxo. O prestígio associado a esses nomes dos tempos áureos do jet-set europeu não perdeu lustre, mas a Chopard quis ir ainda mais longe no batismo da nova coleção: é certo que, por um lado, a designação St. Moritz se encontra protegida por um acordo vigente entre a edilidade local e o Grupo Swatch; mas, por outro, a ligação atual da família Scheufele a instituições conservacionistas é tão forte que se tornava quase imperativo aproveitar o élan mediático de um novo lançamento relojoeiro para chamar a atenção para causas ambientais.

A ligação atual da família Scheufele a instituições conservacionistas tornava quase imperativo aproveitar o élan mediático de um novo lançamento relojoeiro para chamar a atenção para causas ambientais. © Chopard
A ligação atual da família Scheufele a instituições conservacionistas tornava quase imperativo aproveitar o élan mediático de um novo lançamento relojoeiro para chamar a atenção para causas ambientais. © Chopard

A Chopard tem tido uma ação corporativa ecológica que vai desde os seus próprios processos industriais até à parceria com a Alp Initiative fundada por Aga Khan — e Karl-Friedrich Scheufele é mesmo membro fundador da Eagle Wings Foundation, destinada a preservar o ecossistema da águia alpina. E foi precisamente a íris da águia dos Alpes que serviu de inspiração ao padrão radial e texturado de mostradores com as cores azul Aletsch e cinzento Bernina tão presentes na mais relevante cordilheira montanhosa europeia, a par das variantes de madrepérola. Os hipnotizantes mostradores são complementados com índices e algarismos romanos aplicados em relevo e preenchidos com luminescência de última geração (Super LumiNova Grade x1). Até a cauda do ponteiro dos segundos apresenta uma conotação aquilina, evocando as penas da águia…

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A justaposição de diferentes tipos de tratamento de superfície, entre o polido e o escovado, dá ao Alpine Eagle uma sofisticação estética que é confirmada pelo lado funcional. © Chopard

Os detalhes do mostrador são descobertos numa segunda instância, porque o primeiro impacto visual é mesmo proporcionado pela força do design integrado e pela evidente predominância metálica na arquitetura do relógio ­ desde o metal mais democrático (o aço, numa nova variante Lucent A223 parcialmente reciclada e de dureza 40% superior ao aço normal com os seus 223 Vickers) até ao mais precioso (ouro ético Fairmined de 18 kt), passando pela combinação dos dois numa variante mista bicolor. Tanto o aço Lucent A223, uma liga exclusiva da Chopard na sequência de um desenvolvimento de quatro anos e com reflexos particularmente vivos devido à sua pureza/homogeneidade, como o ouro Fairmined são fundidos nos fornos próprios da Chopard, e consequentemente moldados nas instalações da marca para depois serem transformados em caixas e braceletes. No caso particular do aço Lucent A223, a aura fria e os reflexos mate emanados também evocam os glaciares e as texturas minerais montanhosas.

© Chopard
© Chopard

E depois há o nível de acabamento, tão importante para o posicionamento do Alpine Eagle perante a concorrência. A justaposição de diferentes tipos de tratamento de superfície, entre o polido e o escovado, dá-lhe uma sofisticação estética que é confirmada pelo lado funcional: a cuidada construção da bracelete permite uma excelente adaptação ao pulso e contribui para o conforto de utilização. A bracelete assume grande importância na tipologia do design integrado e é claramente protagonista no Alpine Eagle: em vez de incluir um elo central ‘apenas’ polido como sucedia no St. Moritz, apresenta uma construção verdadeiramente original com uma série de ‘lingotes’ centrais que se destacam em relevo e são presos através de parafusos no lado interior da pulseira.

«E foi precisamente a íris da águia dos Alpes que serviu de inspiração ao padrão radial e texturado de mostradores com as cores azul Aletsch e cinzenta Bernina tão presentes na mais relevante cordilheira montanhosa europeia, a par das variantes de madrepérola.»

Outra faceta relevante na tipologia específica do design integrado tem a ver com o papel da luneta na estética global. A luneta do Alpine Eagle é mais arredondada do que a do modelo original de 1980, mantendo os oito parafusos (dispostos em quatro pares nos pontos cardeais e alinhados para acompanhar a curvatura do mostrador) mas numa configuração distinta, e faz-se acompanhar por uma espécie de ‘orelhas’ que substituem lateralmente as reentrâncias da luneta do St. Moritz; a ‘orelha’ da direita protege a coroa, que está decorada com uma rosa dos ventos, e tem equivalência do lado oposto para que a simetria fique assegurada.

Nova geração de movimentos

Talvez haja futuramente variantes com braceletes em cauchu ou mesmo correias de pele; para já, todos os dez modelos Alpine Eagle apresentados são totalmente metálicos e executados em dois diâmetros que também abrangem pulsos masculinos mais estreitos ou pulsos femininos. Das dez referências estanques a 100 metros de profundidade, três são executadas no tamanho maior de 41 mm e acompanhadas do movimento automático com data 01.01-C (28.800 alternâncias/hora, 60 horas de reserva de corda); as restantes surgem na variante midsize de 36 mm, incluindo uma adornada com diamantes, motorizada pelo calibre automático 09.01-C (25.200 alternâncias/hora, autonomia de 42 horas).

CALIBRE 01.01.-C Um dos calibres automáticos que podemos encontrar nos novos Alpine Eagle e que pode ser visto através do fundo transparente. Neste caso, o movimento apresentado anima os modelos de 41 mm. © Chopard
Calibre 01.01.-C: um dos calibres automáticos que se podem encontrar nos novos Alpine Eagle e que pode ser visto através do fundo transparente; o movimento apresentado anima os modelos de 41 mm. © Chopard

Parcialmente visíveis através do fundo transparente da caixa em vidro de safira, os dois movimentos são fabricados no polo industrial Chopard Ébauches que está localizado em Fleurier, não muito longe da manufatura L.U.C; ambos ostentam o certificado de precisão cronométrica do COSC e a sua estreia contribui para o maior peso institucional da nova coleção Alpine Eagle, um produto refinado que exala a chancela da Chopard de A a Z — dos calibres às ligas utilizadas, passando pelos acabamentos e pela especificidade histórica com a tal conotação transgeracional – e que, ao mesmo tempo, pode apelar a um público diferente da habitual clientela Chopard.

© Susana Gasalho / Espiral do Tempo
© Susana Gasalho / Espiral do Tempo

Além disso, o Alpine Eagle surge numa conjuntura em que os aficionados procuram alternativas mais geométricas — com várias marcas a optarem por propostas que contrariam o absolutismo das caixas redondas e da tendência neo-vintage que caraterizou a relojoaria ao longo da última década. E também lança para a linha da frente Karl-Fritz Scheufele, que assim segue as pisadas do progenitor… que até há pouco tempo confessava não saber se a sua descendência estaria interessada em assumir futuramente os destinos da casa genebrina.

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