Cuervo y Sobriños: cronografia caliente

Dois novos cronógrafos da linha Historiador recuperam tempos históricos do automobilismo através de muita cor e estilo rétro. Exatamente as características que têm distinguido a Cuervo y Sobriños no atual contexto relojoeiro.


Artigo originalmente publicado no número 81 da Espiral do Tempo (inverno 2022) com texto adaptado e atualizado com mais imagens


História: a loja Cuervo y Sobriños em Havana | © Cuervo y Sobriños

O desporto motorizado sempre serviu de fonte de inspiração para a indústria relojoeira. Afinal de contas, existe uma afinidade mecânica entre os dois universos e as marcas de relógios mais antigas responderam de imediato às necessidades de instrumentação nos primórdios do automóvel, gerando-se em muitos casos uma ligação que permaneceu visível nos tabliers durante décadas e que nos últimos cinquenta anos foi reforçada com parcerias institucionais. Para além dessas parcerias, tantas vezes consagrada com patrocínios desportivos, há também uma inesgotável fonte de inspiração que vai desde as corridas lendárias até ao uso das cores como fator de distinção.

O histórico Antonino Farina, primeiro campeão de Fórmula 1 e cujo fato de corrida inspirou o mostrador do cronógrafo comemorativo
O histórico Antonino ‘Nino’ Farina, primeiro campeão de Fórmula 1 e cujo fato de corrida inspirou o mostrador do cronógrafo comemorativo | © Cuervo y Sobriños
A Cuervo y Sobriños é official timekeeper das corridas Classic Endurance; na imagem, o CEO Massimo Rossi e o distribuidor em Portugal João Saraiva | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Os relógios associados aos desportos motorizados sempre foram os mais coloridos e mesmo os mais vanguardistas. A alta tecnologia da Fórmula 1 ou das principais disciplinas de resistência inspirou muitas marcas relojoeiras e até levou ao nascimento de algumas; depois há os mitos associados a corridas lendárias (algumas delas ressuscitadas) e os cada vez mais populares campeonatos dedicados a bólides retro (com múltiplas categorias). A Cuervo y Sobriños é o relógio oficial do campeonato de Classic Endurance e o seu CEO, Massimo Rossi, esteve duas vezes em Portugal em 2022 para acompanhar corridas no circuito de Portimão e no autódromo do Estoril; com ele trouxe dois interessantes cronógrafos que pudemos então descobrir sob embargo e que estão agora a ser divulgados: o Historiador Gran Prémio de Cuba ‘1957’, que recorda uma corrida muito especial, e o Historiador Giuseppe ‘Nino’ Farina, que homenageia o primeiro campeão mundial de Fórmula 1. Ambos com um perfil idêntico e combinações de cores pouco usuais, mas de distinta motorização.

protótipo fotografado na corrida de Classic Endurance em Portimão
Protótipo fotografado na corrida de Classic Endurance em Portimão | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo
Um dos pilotos patrocinados pela Cuervo y Sobriños e a etapa do Autódromo do Estoril | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

De Havana para o mundo

A Cuervo y Sobriños é a mais caliente das marcas suíças, precisamente devido às suas raízes latinas — e é assim mesmo que se apresenta, recorrendo ao mote «Swiss Manufacture, Latin Heritage» para afirmar a sua dicotomia. Massimo Rossi, o CEO, diz mesmo que tem «alma latina e coração helvético»: os movimentos escolhidos são sempre de origem suíça, sejam eles calibres contemporâneos ou históricos recuperados para edições especiais, e o estilo é bem diferente do que é habitual ver-se nas marcas suíças mais tradicionais. Mas o nome Cuervo y Sobriños é mesmo de origem cubana e a companhia foi fundada em 1882, quando Ramón Fernández Cuervo — um imigrante vindo da região montanhosa das Astúrias, no norte de Espanha — passou a ter a companhia dos seus sobrinhos na gestão da sua reputada joalharia/relojoaria, que então tinha transitado da Calle de la Amistad para a Calle del Teniente Rey, em Havana; passou posteriormente para a Calle de la Muralia e para a Calle San Rafael y Aguila, atravessando o período dourado da história cubana até aos anos 50, quando a capital do país era a mais luxuosa cidade das Caraíbas e uma das mais animadas de todo o continente americano. 

Ramón Férnandez Cuervo e os sobrinhos
O fundador Ramón Férnandez Cuervo e sobrinhos | © Cuervo y Sobriños
O Historiador 'Nino' Farina é o mais recente lançamento de uma casa fundada em Cuba e que tem sede na Suíça
Fundada em Havana, mas manufaturada na Suíça e com sede nas margens do Capolago, perto da fronteira com a Itália | © Cuervo y Sobriños

A boutique da Cuervo y Sobriños vendia as mais renomadas marcas de relógios, tinha a sua marca própria e era visitada por ilustres personalidades como Enbrico Caruso, Winston Churchill, Albert Einstein, Clark Gable, Ernest Hemingway e Pablo Neruda. Depois veio a revolução de Fidel Castro e Che Guevara; a empresa foi nacionalizada e chegou a produzir relógios para o exército cubano que interveio na guerra civil angolana, mas a marca Cuervo y Sobriños acabou por entrar em hibernação — um pouco como sucedeu à A. Lange & Söhne quando ficou sob o regime comunista da Alemanha de Leste, no pós-Segunda Guerra Mundial. Só que alguns modelos históricos despertaram a curiosidade de colecionadores e os empresários italianos Marzio Villa e Luca Musumeci ressuscitaram o nome em 1997. E ainda bem, porque fazia falta uma marca com salero no contexto relojoeiro. Em 2005, desenvolveu um calibre cronográfico próprio adaptado (CYS 2450); em 2008, inaugurou a sua emblemática sede nas margens do Capolago, no cantão de Ticino (na fronteira da Suíça com a Itália); e em 2009 reabriu a boutique em Havana, a par de um museu dedicado à história da firma. Em 2012, celebrou o 130.º aniversário com a linha Historiador, que se juntou à Prominente, Espléndidos e Torpedo; entretanto juntaram-se-lhes as gamas Pirata, Churchill, Vuelo e Buceador. 

No pulso: o novo Historiador ‘Nino’ Farina | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo
Cronógrafo Historiador Vuelo no capot de um Porsche no Autódromo do Estoril | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Especial de corrida 

O papel de um historiador consiste em redescobrir o passado e analisar os fatores que influenciariam uma determinada era. O doutor Eusebio Leal Spangler é o historiador oficial de Havana, sendo fundamental na reconstrução histórica do percurso da marca e na reconstrução propriamente dita da boutique na capital cubana, em 2009. Foi em sua homenagem que a Cuervo y Sobriños lançou a linha Historiador, que atualmente é a mais distinta da coleção e que se carateriza pelas emblemáticas asas em forma de gota. Os dois mais recentes cronógrafos da marca inserem-se precisamente na linha Historiador e personificam uma corrida lendária e um mítico piloto. Com uma original paleta cromática que os diferencia dos relógios coloridos que atualmente se veem no mercado — numa fase pós-pandemia em que as cores até têm contribuído para uma perspetiva mais feliz, após o cinzentismo do confinamento. 

Especial de corrida: o Historiador Gran Prémio de Cuba ‘1957’ | © Cuervo y Sobriños
O verso personalizado do novo cronógrafo Historiador Gran Prémio de Cuba ‘1957’ | © Cuervo y Sobriños

O Historiador Gran Prémio de Cuba ‘1957’ ostenta um mostrador tricompax vermelho mate com dois submostradores creme para os registos cronográficos (horas e minutos) e um submostrador ton sur ton para os pequenos segundos, acompanhados de um perímetro a preto que inclui a escala taquimétrica. O protótipo original tinha os submostradores creme às 3 e 9 horas, mas a simetria foi abandonada em detrimento de uma legibilidade funcional associada à indicação dos tempos cronometrados. Equipado com o Calibre CYS 8101 (a base é o SW 7750), está limitado a 162 exemplares — 162 eram as milhas da edição inaugural da corrida, em 1957, ganha pelo eterno Juan Manuel Fangio no seu Maserati 300S. A partir daí, a instabilidade política e algumas trágicas mortes caraterizaram as duas edições seguintes, em 1958 e 1960, até à extinção do Gran Prémio de Cuba. A memória de tão espetacular corrida é agora recuperada através de um belo relógio, pleno de cor e emoção. 

poster do Grande Prémio de Cuba
Cartaz original do Grande Prémio de Cuba | © Cuervo y Sobriños

Tanto o Gran Prémio de Cuba ‘1957’ como o ‘Nino’ Farina são dois belos exemplares da linha Historiador com muita história por trás — e também muito salero, o que é de saudar face ao tradicional conservadorismo helvético. 

Tanto o Gran Prémio de Cuba ‘1957’ como o ‘Nino’ Farina são dois belos exemplares da linha Historiador com muita história por trás
Gran Prémio de Cuba ‘1957’ e ‘Nino’ Farina: dois belos cronógrafos da linha Historiador com muita história por trás | © Cuervo y Sobriños

Quanto ao Historiador ‘Nino’ Farina (limitado a 50 exemplares) apresenta uma conjugação de cores ainda mais inesperada no seu mostrador de configuração bicompax: um azul claro galvanizado com submostradores contrastantes em castanho e minuteria de igual tonalidade. Tem a mesma caixa de 42mm de diâmetro por 12 de espessura e botões ‘pistão’ do Gran Prémio de Cuba ‘1957’, mas com o Calibre CYS 8119 (de base Dubois-Dépraz 2025) de corda automática. Presta tributo ao dottore Giuseppe Emilio Antonino ‘Nino’ Farina, que ganhou a edição inaugural do campeonato do Mundo de Fórmula 1 num Alfetta 158 — à frente do colega de equipa Juan Manuel Fangio. Viria a perder a vida num trágico acidente fora das pistas; a sua extrema paixão pelas corridas foi truncada pela Segunda Guerra Mundial, numa idade em que estaria no apogeu das suas faculdades… 

As cores e o estilo original do Historiador ‘Nino’ Farina| © Cuervo y Sobriños

Ambos os cronógrafos exalam um perfume vintage condizente com a respetiva inspiração, mostrando em simultâneo uma faceta moderna: é que a arquitetura das típicas asas de gota dos anos 40 e 50 é executada de modo contemporâneo, apresentando-as mais robustas e estilizadas. De qual-quer das formas, tanto o Gran Prémio de Cuba ‘1957’ como o ‘Nino’ Farina são dois belos exemplares da linha Historiador com muita história por trás — e também muita latinidade, o que é de saudar face ao tradicional conservadorismo helvético. 

Pormenores racing e deliciosa assimetria no mostrador do Gran Prémio de Cuba ‘1957’ | © Cuervo y Sobriños

Espiral do Tempo 81

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