Desde o início do ano passado que, em todas as últimas sextas-feiras de cada mês, um encontro secreto acontece. Sob o nome Dead Seconds Society, esse encontro tem lugar sempre num sítio diferente, mas o fio condutor é apenas um: a partilha da paixão por relógios. A propósito da edição 65 da Espiral do Tempo, dedicada ao tema ‘Sonhar’, resolvemos desafiar alguns dos membros deste ‘clube’ a revelarem-nos mais sobre o perfil que tem o relógio dos seus sonhos…
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«O Captain, my Captain!» – e estamos já nós a imaginar um Robin Williams efusivo e de braços no ar a recitar Walt Whitman com o entusiasmo que só um verdadeiro apaixonado por poesia o poderia fazer. E podemos até imaginar o falecido ator a recitar este tesouro da Literatura Americana com o Hamilton Watch Co. dourado de 1988 que usou no filme Dead Poets Society enquanto John Keating, um relógio de quartzo recentemente leiloado por 32.500 USD. Podemos imaginar tudo isto, sim. Até porque, mais do que Walt Whitman, a ideia deste artigo passa mesmo por relógios. A paixão por relógios.
A verdade é que, no início de 2018, nasceu em Portugal a Dead Seconds Society, uma espécie de clube secreto e descontraidamente restrito para partilha saudável do ‘bichinho’ por relógios. Com um nome, de espírito muito gentleman que une de forma genial o conceito de ‘segundos mortos’, enquanto complicação relojoeira por excelência, ao título de um dos filmes mais inspiradores de sempre, esta sociedade foi buscar inspiração à reconhecida RedBar Crew – uma as maiores comunidades offline de aficionados de relojoaria – e convida todos os seus membros para um encontro que acontece todas as últimas sextas-feiras de cada mês, sempre num lugar diferente. A iniciativa está aberta ao mundo, mas, como já dissemos, em Portugal é que ela tem vindo a acontecer. Primeiro em Lisboa e, desde setembro, também no Porto, com cada vez mais pessoas a aderir.
Na raiz dos encontros, não há qualquer preconceito no que diz respeito aos instrumentos do tempo em si. Nada sugere que seja preciso ser dono de um relógio ou de vários relógios de superior qualidade para participar; aliás, nem é necessário ter propriamente relógio. Porque a partilha, a aprendizagem, o conhecimento, a descoberta e o contacto com as pessoas que se identificam com esta espécie de vício são ponto assente. Há quem se encontre para beber um copo ao final do dia, há quem se encontre para conversar e, neste caso, junta-se tudo num só momento. Bebe-se um copo (ou dois…) e fala-se de relógios. Com entusiasmo e companheirismo, acima de tudo.
Temos conhecimento de que existem mais grupos em Portugal motivados pela partilha do gosto por relógios de pulso, mas parece-nos que a Dead Seconds Society prima também pelo conceito inovador no nosso país, pelo cruzamento de diversas gerações, de diversos níveis de interesse, pela presença de pessoas que se encontram nas mais variadas etapas na cadeia de colecionismo e pela ideia de cadência precisa que lhe está associada. Mas, também, por ser um ponto de encontro de portugueses que gostam e compram relógios e que vibram fervorosamente com a próxima aquisição.
Por tudo isto, e tendo em conta o fio condutor da edição de inverno de 2018 da Espiral do Tempo, pareceu-nos que poderia ser interessante perceber de que se fazem os sonhos de alguns dos membros que atualmente integram a Dead Seconds Society.
Sonhos relojoeiros, para sermos mais específicos.
Alexandre Figueiredo | Engenheiro Eletrotécnico
Num mundo repleto de relógios carregados de complicações e construídos a partir dos mais variados metais nobres ou altamente tecnológicos – e onde seria fácil eleger de entre os Greubel Forsey, Bovet e Maîtres du Temps e outros tantos virtuosos deste mundo – a minha escolha vai para a elegância e simplicidade de um relógio de parede que estava no escritório do meu pai. Em criança, passei muitas horas a olhar para ele ansiando por ouvir as badaladas a assinalar as meias e as horas completas. O meu ponto alto era o meio-dia, sempre inquisidor quanto à sua fiabilidade, e nisso nunca me dececionou! Ao meio-dia, lá estavam ‘elas’, as 12 gloriosas badaladas. Relembrar é viajar no tempo e o meu relógio de sonho será aquele relógio de parede no meu pulso.
Terá de ter um mostrador simples e de cor clara, indicação das horas e dos minutos e, eventualmente, indicação de pequenos segundos. A caixa será circular de baixo perfil em ouro branco ou platina e dotado de repetição de minutos. Será um relógio de corda manual de uma execução técnica irrepreensível, discreto e elegante. É este o meu relógio de sonho. Agora que sou adulto, sonho de vez em quando em voltar a ser criança e este relógio é o meu bilhete para essa viagem. A repetição de minutos é para mim uma das mais nobres e exigentes complicações relojoeiras, cuja execução requer a mais elevada perícia técnica, apenas ao alcance de alguns. O meu relógio de sonho existe e recai para aquele que considero ser um dos relógios com a melhor qualidade de som que as mãos humanas alguma vez conseguiram criar: o Patrimony Ultra-Thin Minute Repeater Calibre 1731, com caixa em platina, da Vacheron Constantin.
Fernando Guerra | Fotógrafo de Arquitetura
O meu relógio de sonho é sempre o próximo. Não tenho paciência para fazer planos de anos, com poupanças até chegar ‘ao relógio’, por tradição muito caro, muito suíço, muito exclusivo, cheio de complicações que não me interessam. Não sou de planear o holy grail. Posso gostar do novo Bell & Ross Diver em bronze ou do novo 1858 Geosphere da Montblanc, mas gosto mais de me cruzar com uma raridade. Se sonho com alguma coisa, sonho apenas com essa próxima descoberta. E não tem de ser alta-relojoaria, mas apenas um relógio que me dê gozo e complemente o que tenho – seja novo ou antigo. Claro que tenho preferências, bem como marcas ou modelos que gostaria de ter, no entanto, ando numa fase de relógios tão diferentes que é difícil explicar a razão para ter comprado cada um. Mas o bom de brincar aos relógios e não aos automóveis – outra paixão que me ocupa o pouco tempo livre que tenho – é que os relógios são mais fáceis de estacionar na nossa vida.
Adicionar vai acontecendo, ao ritmo da surpresa e da minha carteira. Gosto de relógios que não estavam planeados, mas apareceram num dia. Seja através de amigo que vende ou de um anúncio com que me cruzo online. Gosto de fugir do mais óbvio e do sempre esgotado. Se o novo Rolex Pepsi (GMT Master II) tem uma lista de espera de dois anos fico bem com o Tudor Black Bay GMT. Esperar ou pagar premium por desejar aquilo que todos querem lança-me geralmente na direção oposta. Perco o interesse. Nada é assim tão importante. E este hobby é suposto ser apenas sobre divertimento e nunca sofrimento por não ter algo. No final do dia, são apenas relógios e há que relativizar. Tendo tempo para os comprar, deixo que o destino funcione. Detesto planear o que quer que seja. Até porque o meu gosto muda. E para planeamento certinho já me chega a agenda cheia de trabalhos e viagens.
Sobre o trabalho de Fernando Guerra: https://www.instagram.com/fernandogguerra/
João Fernandes | Engenheiro Informático
O meu relógio de sonho começa de fora para dentro e acaba de dentro para fora. Explico-me: o meu relógio de sonho é um relógio que me faz sonhar. Sonhar com alguém que faz ou fez parte da minha vida, sonhar com um momento que já passou ou que ainda não chegou, sonhar que um dia o mundo será um lugar melhor. É uma peça que me transporta para outro ponto no espaço-tempo. Começa, portanto, de fora para dentro, por ser mais do que um instrumento, por se transcender.
Acredito que raro é o apaixonado colecionador que tem como sua peça mais valiosa a mais cara. Como engenheiro, gosto de problemas e de soluções, e, por essa minha faceta, faço o caminho inverso, vou de dentro para fora, ligo-me ao movimento. Gosto de me imaginar no lugar do criador, de tentar desconstruir o seu pensamento, de admirar a arte e o engenho de outro ser humano. Não existem problemas de primeira e de segunda, o que conta é a atenção ao detalhe e a execução. Há, no entanto, de forma indiscutível, algo de profundamente belo e fascinante nas grandes complicações, no que a técnica permite criar quando não existem restrições. O fascínio pela altíssima relojoaria serve como um farol que me faz apreciar movimentos mais comuns. Na intersecção dos dois caminhos, encontra-se a aparência do relógio. Valorizo a simplicidade, o detalhe escondido, o contar de uma história, a transmissão de um propósito.
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Se com o meu relógio de sonho terei de continuar a sonhar, o mais próximo que estou dele é através do Omega Speedmaster que tenho no pulso enquanto escrevo este texto, um dos muitos 145.022-71 que foram produzidos. Fala-me da minha mãe, que o comprou em 1971; fala-me do meu pai, a quem a minha mãe o ofereceu; e fala-me de mim, que o tenho desde que fiz 18 anos. Fala-me de um tempo em que o avanço tecnológico era mais importante que o controlo fronteiriço. Relembra-me, metaforicamente, que, na minha própria vida, devo sempre apontar para as estrelas. É claramente um tool watch e proclama-o abertamente, sendo hoje o resultado de um processo de refinamento histórico, que levou alterações subtis nos seus mecanismos e na sua aparência. São mais de 60 anos de evolução que podem ser traçados sem levantar a caneta. É uma solução atestada pelo tempo.
Lourenço Salgueiro |Designer, Fundador do fórum Dez Dez e do podcast A Hora Certa
A escolha de um relógio de sonho é uma proeza que muitos gostariam de certamente concretizar. Mas não é algo que eu consiga fazer facilmente. Após alguma ponderação (quase em jeito de retiro espiritual), sinto que ainda estou apenas no início da minha viagem por este mundo, e, como tal, há muito ainda por descobrir e aprender e, fundamentalmente, para conseguir chegar a uma conclusão mais realista a esta pergunta. A minha primeira paixão foram os divers e cronógrafos em geral. Sempre me fascinaram os chamados tool watches: relógios desenhados, desenvolvidos e construídos com um propósito específico, que não mera joalharia de pulso. Talvez o facto de o meu pai me ter oferecido um dos primeiros Swatch Scuba 200m (um Coming Tide SDJ100) quando tinha oito anos — e explicado os porquês do bisel rotativo etc. — tenha contribuído para isso… Já lá vão uns anos, e, claro, que os meus gostos se têm apurado e amadurecido. Mas, apesar de conseguir facilmente dizer o que não gosto, para efeitos deste exercício, decidi fazer uma tentativa de análise sobre os aspetos que sei que realmente gosto em relógios. Quero começar por indicar uma época, pois penso que o momento em que um relógio é concebido tem enorme influência no seu resultado final. Como tal, os relógios produzidos nos anos 50-70 — considerada por muitos, incluindo eu, como a idade de ouro dos tool watches —, são os que mais me atraem nos dias de hoje e servem de grande inspiração para esta resposta. Portanto, seguindo um pouco os princípios de base que governam este tipo de relógios, diria que tem de ser robusto e versátil, pois não faz o meu género ser dado a preciosidades de pulso, com as quais todo o cuidado é pouco. Como um ‘diver’, além de robusto, tem de ter uma boa resistência à água, embora dispense mais que os 200 metros. Se não for apenas para mostrar as horas, provavelmente seria algo com uma função extra, como um cronógrafo. Também gosto de uma complicação GMT, mas, no dia a dia, é-me mais útil a anterior. A caixa, bem construída, tem de ter uma forma relativamente tradicional (mais de formato redondo), em aço não muito polido, ou, para ser diferente, até em titânio. Não deve ser excessivamente grande e, idealmente, não é algo que dê muito nas vistas. Embora goste do ritual de dar corda manualmente, neste caso, o mecanismo seria automático, e com uma certa qualidade na construção. Não preciso de decorações supérfluas, mas sim de robustez e duração de vida. Quanto à precisão, vivo bem com alguma ‘descontração’ nesse departamento…
Passe pelo Fórum Dez Dez e ouça também os podcasts A Hora Certa.
Rui Brito | Galerista
Entrei no mundo da alta-relojoaria há vinte e cinco anos. No início, tive dezenas de relógios porque queria descobrir mais sobre as marcas, os modelos, e, à medida das possibilidades, ia adquirindo uma nova peça. Comecei com um Breitling, segui para a IWC, a Girard- Perregaux, a Franck Muller, a Jaeger-LeCoultre e a Zenith. Com a exceção dos relojoeiros independentes, tive praticamente todas as marcas de topo da relojoaria. Quando faço um balanço, há três marcas que foram mais assíduas no meu pulso: a Patek Philippe, a Rolex e a IWC. Até que, em determinada altura, abdiquei de ter uma coleção extensa e optei antes por ter menos peças, mas peças com as quais me identificasse mais. Para mim, como para muita gente, um relógio é uma extensão da identidade ou é revelador de um estado de espírito. Nesse sentido, como trabalho em arte contemporânea, apesar de admirar peças vintage tão em voga, opto quase sempre por adquirir modelos atuais. Se, no início, tive um fascínio por grandes complicações técnicas, o calendário perpétuo ou a repetição de minutos, provavelmente por ter tido experiências menos boas com as máquinas complexas, hoje tenho preferência por mecanismos mais simples e fiáveis. Durante dez anos, usei quase diariamente um Patek Philippe Nautilus (Ref. 5712), e sonhava com o lançamento da versão com calendário perpétuo que foi, finalmente, apresentada em 2018, na variante em ouro branco. Mas, curiosamente, apesar de o considerar um relógio magnífico, já não sinto o mesmo apelo. Poderia ser eventualmente um sonho para mim se fosse lançado numa versão em aço.
Por viajar bastante, acabei por desenvolver uma paixão por relógios com função GMT, e são esses que tenho privilegiado nos últimos anos. Outra das condições é a precisão do mecanismo e, nesse aspeto, para mim a Rolex é imbatível. Em termos estéticos, a minha preferência vai quase sempre para relógios em aço ou titânio, com mostradores pretos e ausência de numeração. Há relógios que me provocam espanto e admiração, como o Chronomètre à Résonance ou o Tourbillon Souverain da F.P. Journe, mas sinto que ainda não estou preparado para eles. Também me acontece isso com alguns modelos da A. Lange & Söhne, em particular, os modelos ‘Lumen’. Neste momento, não consigo eleger um relógio de sonho, mas posso falar de um trio de sonho já concretizado. Refiro-me aos que tenho e que uso com regularidade. Em momentos mais formais, opto pelo Rolex Sky-Dweller, com duplo fuso horário e com um genial calendário anual; depois, tenho também o novo Rolex GMT Master-II em aço com bracelete jubileu (para mim, uma das mais confortáveis do mercado) que se adequa a qualquer ocasião. E, finalmente, uso o Tudor Black Bay GMT num registo mais descontraído, na versão com bracelete de tecido de estilo NATO, que me fez despertar a paixão por este tipo de braceletes, pelo ar distinto e pelo conforto que proporcionam.
Mais sobre a Galeria 111: https://www.instagram.com/galeria.111/
NOTA FINAL – Claro está que não vamos divulgar muitos detalhes sobre o que mais acontece na Dead Seconds Society. Porque perde a piada toda. Preferimos convidá-lo a inscrever-se e a deixá-lo roer as unhas de ansiedade pelo primeiro convite…
Visite o site oficial da Dead Seconds Society o seu perfil de Instagram para mais informações.
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