EdT52 — A indústria automóvel está pejada de escuderias de prestígio que se tornaram poderosas marcas à escala global. Mas há uma marca que sobressai particularmente: a Ferrari continua a capturar o imaginário dos aficionados como nenhuma outra — e também o dos relojoeiros. Após várias associações nas últimas décadas, a parceria com a Hublot parece estar para durar.
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Originalmente publicado no número 52 da Espiral do Tempo.
Qualquer parceria bem-sucedida em qualquer ramo de negócio requer equilíbrio de modo a que nenhuma das partes seja ensombrada ou até canibalizada pela outra. E tem sido esse o desafio que todas as marcas relojoeiras que se associaram à Ferrari têm enfrentado: não se deixar engolir pelo mito do cavalinho rampante.
Das várias escuderias do universo automóvel que atingiram um estatuto de lenda, há duas que se destacam em particular — mas se a Rolls Royce assenta a sua reputação sobretudo na exclusividade, a Ferrari desenvolveu uma auréola mais global devido ao seu envolvimento nos populares desportos motorizados e a uma política expansionista alicerçada num marketing destinado a desenvolver o contacto com a sua legião de aficionados: os tifosi, da escuderia de Maranello, também conhecidos por Ferraristas, e que vão desde o adepto pouco endinheirado que sonha com um simples porta-chaves até ao bilionário que coleciona todos os bólides da marca.
Nas raízes da Formula 1
Hoje em dia, a Ferrari está transformada numa máquina de ganhar dinheiro com uma enorme fatia dos proventos a ser proporcionada por produtos que não são alimentados a gasolina, e até já existe um parque temático com o seu nome no Médio Oriente. Mas nem sempre foi assim: Enzo Ferrari foi durante muito tempo avesso a qualquer parceria que não tivesse a ver diretamente com o universo automóvel, e só quando o fundador recolheu às boxes celestiais em 1988 é que toda a parte lateral do negócio começou a ser verdadeiramente explorada. Incluindo a vertente relojoeira, atualmente desenvolvida numa associação com a Hublot.
A Heuer foi a primeira marca de relógios a surgir nas viaturas de Fórmula 1 da escuderia, mas não em virtude de uma qualquer perspetiva comercial: tratava-se de uma parceria técnica, e o logótipo evocava o estatuto de cronometrista oficial de uma companhia relojoeira que desenvolveu um sistema tão inovador que seria depois adotado pela própria entidade que regia o campeonato. É o próprio Jack Heuer a recordar que o Commendatore vetava quaisquer patrocínios que não tivessem diretamente a ver com a indústria automóvel. E a parceria foi profícua para ambas as partes, com alguns dos mais lendários pilotos a usarem no pulso cronógrafos Heuer — desde Clay Regazzoni a Niki Lauda, do Autavia ao emblemático Carrera em ouro.
Entretanto, a Heuer passou a ser TAG Heuer e em virtude dos seus novos donos transitou para a McLaren; por sua vez, a Ferrari desenvolveu nos anos 90 um modelo de negócio com a Girard-Perregaux, que tinha sido adquirida por um italiano que fora piloto de competição de marcas do grupo Fiat: Gino Macaluso. Foram concebidos vários relógios em edição limitada evocativos de viaturas Ferrari, em particular até à conclusão formal da parceria em 2006; entretanto, tinham existido e foram surgindo associações pontuais com marcas tais como a Cartier, a Omega e a Longines numa primeira fase e a Richard Mille e a Cabestan mais recentemente. Pelo meio surgiu um acordo ‘patriótico’ com a Panerai que durou entre 2006 e 2010 — mas nem os Paneristi queriam relógios com o símbolo Ferrari no mostrador, nem os Ferraristas se entusiasmaram muito por modelos demasiado parecidos com os Panerai e que não estavam ao mesmo nível de exclusividade dos carros. Sem esquecer que, durante todo esse tempo, a própria Ferrari foi desenvolvendo uma gama baixa de produtos de quartzo destinada ao ‘comum’ aficionado.
Teoria do Big Bang
A breve passagem da Hublot como cronometrista oficial da Fórmula 1 permitiu estreitar laços, e o guru Jean-Claude Biver não perdeu a oportunidade de provocar um Big Bang em 2011 com o anúncio do acordo com a mítica escuderia de Maranello — iniciado em 2012 e que deu à marca o estatuto de ‘relógio oficial’ e ‘cronometrista oficial’. O Big Bang Ferrari Magic Gold e o Big Bang Ferrari Titanium foram os primeiros dois modelos em edição limitada de uma linhagem que logo depois se alargou em 2013 com o Big Bang Ferrari Carbon Red Magic motorizado pelo movimento de manufatura Unico, com um vidro de safira avermelhado, e o Big Bang Ferrari All Black. Com a consolidação do sucesso da parceria, e para além de novos modelos Big Bang Ferrari (atualmente no catálogo: Titanium Carbon, Ceramic Carbon, King Gold, White Ceramic Carbon), veio algo de ainda mais extraordinário: o MP-05 ‘La Ferrari’, série muito exclusiva e inteiramente desenvolvida em tributo ao bólide de exceção designado ‘La Ferrari’.
E está à altura do carro: reserva de corda de 50 dias, 637 peças (maior autonomia e maior número de componentes num modelo Hublot) e uma complexa arquitetura que evoca as linhas do ‘La Ferrari’. Na parte superior, dispõe de um elemento feito de titânio e carbono, que revela a coroa da corda; a coroa de ajuste da hora está posicionada sob a caixa — e estão ambas completamente integradas no design. As horas e os minutos revelam-se à direita dos barriletes, com indicação proporcionada por um cilindro de alumínio anodizado preto; à esquerda, surge o cilindro que indica a reserva de marcha e as barras de reforço de cada lado, concebidas em alumínio vermelho anodizado, recordam a assinatura vermelha da Ferrari.
Desde que a associação foi oficializada, foram realizados mais de 130 eventos em conjunto — com a Ferrari como anfitriã da Hublot e a Hublot a receber a Ferrari. Novas sinergias paralelas foram criadas — incluindo um modelo Italia Independent idealizado por Lapo Elkann, um dos herdeiros do império Agnelli — e tanto Roberto Guadalupe (o CEO) como Jean-Claude Biver não poderiam estar mais satisfeitos: «A colaboração tem sido rica em partilha de sinergias e tem dado à Hublot um decisivo impulso estrada afora», referiu metaforicamente o patrão do polo relojoeiro do grupo LVMH em que se insere a marca.
O salto qualitativo da Hublot neste novo milénio esteve sempre diretamente ligado à exploração de novos materiais de ponta e ao estabelecimento de um visual técnico vanguardista, dois vetores muito caros à Formula 1. A linha Ferrari é pujante, poderosa, incontornável — mas a utilização do logótipo é sempre criteriosa e nunca esmagadora. E até o exigente Enzo Ferrari ficaria entusiasmado com a mecânica do ‘La Ferrari’ ou o cavalinho rampante discretamente posicionado às 9 horas nos modelos Big Bang Ferrari.
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