Foi um nome crucial para a ressurreição da relojoaria mecânica e hoje em dia engloba uma estrutura integrada de primeiro plano na indústria do setor. Das grandes complicações às complexidades fantasiosas e do neo-classicismo à contemporaneidade, a Franck Muller destaca-se em todas as áreas técnicas e estéticas.
Em Genthod
O cenário é impressionante. Em Genthod, nos arredores de Genebra e com uma vista privilegiada sobre o lago Léman, está localizado um pequeno reino relojoeiro de sugestiva designação e que hoje em dia representa um foco muito mais relevante do que se pensa na indústria relojoeira. Trata-se de Watchland e serve de quartel-geral à Franck Muller — a marca que ostenta o nome do seu fundador e que foi fundamental para o renascimento da relojoaria mecânica no início da década de 90. Porque foi Franck Muller que transformou um objeto concebido para dar as horas em algo de sensual. Franck Muller fez com que a relojoaria tradicional se tornasse… sexy.

A génese da Franck Muller remonta ao início da carreira do próprio Francesco ‘Franck’ Muller, um jovem mestre saído da Escola de Relojoaria de Genebra numa altura em que praticamente ninguém estava interessado em seguir uma atividade que parecia anacrónica e condenada à extinção. Herdou a inspiração latina da mãe italiana e o rigor do pai suíço — e desde cedo revelou-se um menino-prodígio suficientemente ousado para dar novos contornos ao tempo, não só através de todo o tipo de mecanismos complicados mas também graças a uma estética inovadora. Começou em 1983 com a criação de peças únicas e encomendas especiais de colecionadores privados; em 1992, fundou a sua própria marca com o lema ‘Master of Complications’… e a relojoaria nunca mais foi a mesma.

O enorme sucesso das criações com a sua assinatura rapidamente provocou uma saudável crise de crescimento que forçou a transferência do centro de Genebra para um novo poiso com margem para crescimento; com o apoio do sócio e investidor Vartan Sirmakes, a Franck Muller estabeleceu uma nova sede administrativa e de produção num palacete do século XIX, mesmo à saída de Genthod. Nascia o projeto Watchland e a evolução tem sido contínua desde então.
O reino encantado de Watchland


Em 1998, iniciaram-se os trabalhos de estabelecimento de dois novos edifícios que respeitam o estilo arquitetónico neogótico do palacete e que aumentaram a área de Watchland para 22 mil metros quadrados. Logo depois, passou para 44 mil metros quadrados e seguidamente foi adquirido um terreno adjacente que passou o total para 140 mil no início do presente século. Hoje em dia, a área total do complexo é ainda maior e os últimos desenvolvimentos até incluíram a criação de um espaço subterrâneo onde funciona uma manufatura chocolateira.

Mas, mais importante, Watchland representa atualmente uma autonomia técnica e industrial que é invejável no contexto da indústria relojoeira suíça — e que pede meças aos grandes grupos aglutinadores do setor (Richemont, LVMH, Swatch Group). Entretanto, foi adquirida uma outra propriedade na vizinhança onde a Franck Muller passou a organizar a ‘sua’ própria feira anual: a WPHH (World Presentation of Haute Horlogerie), que conta também com outras marcas que lhe são próximas, como a Cvstos e a Bakes & Strauss.

Watchland é mesmo uma ‘terra dos relógios’ — que no início permitiu ao agora retirado mestre genebrino e ao seu sócio concretizarem a ambição de criar um posto que pudesse homenagear a alta-relojoaria e o savoir-faire suíço, ligando o ideal estético dos seus relógios à beleza do correspondente local de fabrico. E o local é mesmo fascinante — não só pela paisagem exterior, como pelo fervilhar criativo dentro dos ateliers. A produção é integrada, com os relógios a serem manufaturados in-house praticamente de A a Z. Watchland congrega toda a parte criativa (técnica e design), confeção de protótipos, o fabrico completo das caixas e mostradores, e ainda todo o processo de assemblagem e assistência pós-venda.

Relojoaria sensual
A relojoaria tradicional também foi muito afetada pela chamada Crise do Quartzo porque, entre as décadas de 70 e 80, perdeu algum apelo para as novas gerações de então. Era vista como algo do passado. As criações com a assinatura Franck Muller mudaram muito essa perspetiva na década de 90, com a sua estética tão diferente e a glorificação das complicações mecânicas.

O fundador ganhou fama ao afirmar-se como um verdadeiro anticonformista face ao marasmo da indústria relojoeira suíça: optou por fazer coisas que na altura não se faziam — porque tinha vontade de as fazer e porque ninguém as queria ou conseguia fazer. Foi contra o que estava pré-determinado e logo o catalogaram de enfant terrible ou mesmo louco, mas a verdade é que abriu alas para que toda uma geração de relojoeiros pudesse exprimir-se sem medo e que as gerações seguintes tivessem mais facilidade em colocar o seu próprio nome no mostrador. Desbravou novos caminhos nos formatos, nos tamanhos, nas cores e também na maneira de encarar o tempo.

O impacto inicialmente alcançado pela Franck Muller teve muito a ver com a voluptuosidade da caixa Cintrée Curvex e dos algarismos que acompanhavam a curvatura do mostrador, a par do fascínio provocado pelo epíteto ‘Master of Complications’. Os relógios foram imediatamente adotados por grandes vedetas da música como Elton John, da moda como Gianni Versace ou do desporto como Eusébio pela sua estética, mas entretanto também conquistavam um público esfomeado por turbilhões, calendários perpétuos e repetições de minutos — ou tudo junto, porque a marca foi-se afirmando com a criação anual de pelo menos um relógio supercomplicado (por vezes mesmo apresentado como ‘o mais complicado de sempre’). Como sucedeu com o Aeternitas Mega, em 2010. O Crazy Hours e o Master Banker também foram determinantes para a sua reputação.
As extensões Skafander e Curvex CX

A coleção atual contempla uma grande variedade de formas e também abrange modelos redondos (Round), retangulares (Long Island) e quadrados (Master Square) — mas o grande ex-libris da marca é o formato Cintrée Curvex, uma elaboração da clássica forma tonneau tão em voga no período Art Déco e que se tornou indissociável da Franck Muller. É a partir desse formato tonneau que se declinam a maior parte das linhas da marca, apresentadas até oito diferentes tamanhos através de uma caixa de grande complexidade onde três eixos curvos se reúnem num único ponto e encimada por um vidro convexo de igual complexidade.

A emblemática linha neoclássica Cintrée Curvex que foi, praticamente desde o início, o cartão de visita da marca passou a ser acompanhada desde 2013 por uma variante mais urbana e contemporânea denominada Vanguard; o espírito modernista e construção modular da nova linha rapidamente lhe permitiu tornar-se num campo experimental graças a uma alargada oferta de estilos e materiais. Mais recentemente juntaram-se-lhes as linhas Skafander de mergulho e Curvex CX, igualmente num formato tonneau de grande ergonomia e tridimensionalidade inspirado nos modelos Cintrée Curvex.

A linha Skafander é radical, constituída por modelos superdesportivos vocacionados para o mergulho profundo e a sua construção modular também permite impactantes conjugações de cores contrastantes.
Já a linha Curvex CX é uma modernização da linha Cintrée Curvex, mas com o vidro a revestir toda a parte superior do relógio até à correia — ou seja, não há uma luneta convencional a rodear o vidro. O resultado é um maior protagonismo para o mostrador.
Diga ‘33’… em português
Hoje em dia, a Franck Muller é a única marca que produz cem por cento das suas caixas e mostradores num mesmo local — para além da restante produção, incluindo uma boa parte mecânica.

No ano do seu 33.º aniversário, a marca genebrina pertencente a Vartan Sirmakes e com Nicholas Rudaz como CEO continua a produzir sonhos intemporais em Watchland. Com algum perfume português.

Há mesmo muitos portugueses e luso-descendentes a trabalhar nos diversos departamentos da marca em Watchland. Em Portugal, a marca está representada quase desde o seu início (Pedro Torres foi dos primeiros a acreditar no potencial de Franck Muller) e é conhecida pelas suas edições limitadas — desde uma série dedicada a Cristiano Ronaldo até variantes especialmente concebidas para o mercado nacional.