Georges Méliès, Robert-Houdin, a relojoaria e o ilusionismo

Em 2011, no filme Hugo, Martin Scorsese contou-nos a história de um pequeno relojoeiro empenhado em consertar um autómato deixado pelo seu pai e transportou-nos até ao cinema fantástico de Georges Méliès – um mundo onde os sonhos se tornam realidade e que tem mais ligações com o mundo da relojoaria do que, à partida, se poderia pensar. Lembrámo-nos, hoje, de evocar essa história a propósito (mais uma vez) do Doodle que celebra os 112 anos do lançamento de À la conquête du pôle, realizado pelo ilusionista e cineasta francês.

O que é que relógios, autómatos, brinquedos, ilusionismo e cinema poderão ter em comum? À partida, parece que nada, mas, na galardoada longa-metragem Hugo (2011), de Martin Scorsese, estes elementos unem-se para nos transportar para um mundo de sonho que, afinal, está bem próximo da nossa realidade histórica.

Vale a pena revisitar o trailer oficial:

Hugo, um pequeno relojoeiro que, depois de perder o pai, passa a viver escondido numa estação de comboios, anseia consertar um autómato de caraterísticas muito especiais. Para o fazer, precisa de peças mecânicas e de uma chave em forma de coração. É com este objetivo que o jovem se vê envolvido numa fantástica aventura pelos primórdios do cinema e conhece Georges Méliès, personagem inspirada diretamente no ilustre realizador de filmes mudos e precursor dos efeitos especiais na sétima arte.

Aqui estão dois exemplos do fascinante trabalho de Georges Méliès ((1861-1938) – Voyage à travers l’impossible (1904) e a mais conhecida Le Voyage dans la lune (1902), que nos fica na memória graças à Lua com cara de poucos amigos que é atingida por um foguetão.

No que diz respeito ao filme em si, podemos, sem dúvida, afirmar que Hugo é uma homenagem fascinante a Georges Méliès e, hoje, 3 de maio, cabe à Google celebrar os 112 anos do lançamento de À la conquête du pôle (1912), realizado pelo cineasta francês.

E celebra como?

Com um Doodle interativo em 360º, o primeiro criado pela Google em realidade virtual, que, tal como aconteceu com o Doodle dedicado a John Harrison, nos leva ao encontro do mundo da relojoaria:

Na verdade, em Hugo, a componente de relojoaria surge de forma óbvia através do retrato dos relojoeiros, que, por serem peritos em mecanismos e engrenagens, também reparavam e construíam autómatos, entre muitos outros engenhos. Este talento poderia depois também ser reaproveitado e adaptado aos mais diversos campos, nomeadamente a campos menos óbvios como… o ilusionismo.

Se, no século XVIII, o relolojoeiro suíço Pierre Jaquet-Droz (1721 — 1790) e os seus filhos Henri-Louis Jaquet-Droz e Jean-Frédéric Leschot se distinguiam já pela construção de autómatos – uma herança frequentemente abordada pela Jaquet Droz e que vemos atualmente ser perpetuada de forma estonteante no atelier de François Junod  -,  mais tarde, nos finais do século XIX, inícios do século XX, os autómatos e androides, enquanto máquinas mecânicas que reproduziam movimentos automaticamente, encantaram e surpreenderam o público pela sua aproximação à realidade, tornando-se, muitas vezes, elementos cruciais para tornar mais impressionantes os truques de ilusionismo e de prestidigitação.

Autómato Pierrot escritor de François Junod. © Carlos Torres
Autómato Pierrot escritor de François Junod. © Carlos Torres

A este propósito, vale a pena recordar Jean Eugène-Robert Houdin (1805-1871), um francês filho de um relojoeiro do qual ele próprio refere nas suas Memórias que  “apesar de não ter a elevação dos Berthouds ou dos Breguets, (…) era reputado por ser muito talentoso na sua profisssão”.

Mas, apesar de não ter seguido as pisadas do seu pai enquanto relojoeiro, Robert-Houdin (não confundir com Harry Houdini, que viveu posteriormente)  acabou por aplicar o seu talento e gosto pela mecânica ao serviço de uma outra paixão: o ilusionismo. Na verdade, Robert-Houdin tornou-se ilusionista e é mesmo considerado, por muitos, o pai do ilusionismo moderno também muito graças aos autómatos realistas que construiu. O truque da árvore capaz de, num ápice, fazer nascer laranjas, tornou-se conhecido no mundo inteiro.

Eis um exemplo da sua representação:

Curiosamente, Georges Méliès, que também foi prestidigitador antes de se dedicar ao cinema, adquiriu, em 1888, o famoso teatro de Robert-Houdin e fez dele o seu estúdio de realização nos primeiros tempos de realização. No filme de Scorsese, o autómato que Hugo quer reparar surge como evocação da arte do ilusionista francês e é a ‘chave’ da ligação a Georges Méliès…

Já agora, importa dizer que no museu virtual da Google está disponível uma exposição sobre Georges Méliès. Além disso, o site oficial do Doodle revela-nos o modo como a obra de Méliès inspirou a animação que fez com que hoje o mundo inteiro redescubra a magia do cineasta francês.

Por aqui, deixamos os meandros do making of:

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