Uma lenda e um mito: as 24 Horas de Le Mans constituem a mais antiga corrida de endurance do mundo; a Rolex associa-se à lendária competição enquanto cronometrista oficial e oferece o mítico cronógrafo Daytona aos vencedores. A TAG Heuer, a Richard Mille e a Rebellion também se destacaram numa 87ª edição que teve um golpe de teatro (ou de bastidores?) a definir a equipa campeã e Filipe Albuquerque como melhor português.
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Já caiu o pano sobre mais uma edição das 24 Horas de Le Mans, a 87ª desde que a corrida começou a realizar-se numa pequena cidade no noroeste de França, em 1923. Aproveitando parcialmente estradas públicas para formar o circuito de La Sarthe, a lendária prova de endurance premeia desde sempre a resistência de máquinas e condutores – por oposição a outro tipo de competições automobilísticas mais curtas que privilegiavam a velocidade. E a essência da corrida permanece intacta e maratonesca: são mais de 5.000 km, dia fora e noite dentro, com arranque às 15 horas locais (14 em Portugal) e conclusão no domingo à mesma hora.
A Rolex, que se tem associado a competições automobilísticas de prestígio desde a década de 30, é cronometrista oficial (e title sponsor) tanto das 24 Horas de Le Mans como das 24 Horas de Daytona desde 1959. Os vencedores de ambas as corridas nas várias categorias recebem exemplares do Oyster Perpetual Cosmograph Daytona, o mítico cronógrafo de pulso da Rolex que tantos pilotos famosos envergaram e que se mantém como um dos relógios de produção regular mais cobiçados do mundo. E, no passado domingo e em Le Mans, foi o Toyota TS050-Hybrid nº8 de Sébastien Buemi, Kazuki Nakajima e Fernando Alonso a vencer o título principal – completando 5.246 quilómetros em 285 voltas, ficando aquém do recorde da Audi em 2010 (5.410,713 quilómetros em 397 voltas).
Foi a segunda vitória consecutiva do construtor japonês nas 24 horas de Le Mans, embora com um pequeno golpe de teatro pelo meio. Depois de várias horas de liderança do Toyota TS050-Hybrid nº7 de Mike Conway, Kamui Kobayashi e José Maria Lopez, um furo lento a uma hora do fim, um erro da equipa na leitura dos sensores e uma ida às boxes motivaram a alteração na liderança. Mas ganhou a Toyota Gazoo Racing na mesma, embora a troca de lugares desse pano para mangas. O terceiro lugar do pódio foi para o BR Engineering BR1-Aer nº11 da SMP Racing (Vitaly Petrov, Mikhail Aleshin e Stoffel Vandoorne), o quarto posto para o Rebellion R13–Gibson nº1 da Rebellion Racing (Neel Jani, André Lotterer e Bruno Senna) e a quinta posição para o Rebellion R13–Gibson nº3 (Thomas Laurent, Nathanaël Berthon e Gustavo Menezes).
Mas se os vencedores receberam um Rolex Daytona cada um, dois elementos do trio vencedor da Toyota Gazoo Racing celebraram com outra marca de relógios no pulso: a Richard Mille. Tanto Fernando Alonso como Sébastien Buemi usaram um RM 67-02 com as cores do respetivo país!
Um furo inconveniente
O terceiro elemento do trio campeão do Toyota TS050-Hybrid nº8, o piloto japonês Kazuki Nakajima, que teve a seu cargo o último turno de condução, chegou à liderança somente à entrada da 24ª e última hora de corrida – beneficiando do tal furo (houve quem falasse em ‘alegado furo’, apontando para uma decisão de bastidores) no outro Toyota que comandava destacado e que era conduzido pelo argentino José Maria Lopez. A direção da equipa enviou uma mensagem a sinalizar furo pelo ecrã e o piloto das Pampas, antigo campeão mundial de turismo (WTCC), dirigiu-se às boxes em ritmo lento… permitindo a ultrapassagem do seu colega de escuderia. Nakajima cortou a meta com 16,972 segundos de vantagem sobre López e ajudou o seu parceiro Fernando Alonso, o espanhol antigo campeão mundial de Formula 1, a somar mais um troféu maior no seu extraordinário currículo – a par do título no Campeonato Mundial de Resistência, alcançado pelo trio precisamente graças à vitória em Le Mans.
Relativamente aos portugueses, acabou por ser uma edição positiva para Filipe Albuquerque (Ligier-Gibson) – que alcançou o quarto lugar na LMP2, terminando na nona posição da geral juntamente com os britânicos Phil Hanson e Paul di Resta. Mas Pedro Lamy (Aston Martin) desistiu com o motor partido e António Félix da Costa (BMW M8) terminou em 11º na categoria LM GTE Pro, ficando em 31º da geral.
Filipe Albuquerque e Pedro Lamy conhecem bem Le Mans e são grandes aficionados da corrida. «Vamos constantemente acima dos 300 e fazer uma média de 280km/h por volta é de doidos; cada curva tem o seu truque e todas elas exigem respeito, as curvas Porsche feitas a 230km/h sem nenhuma escapatória intimidam todos os pilotos… mas também fazem crescer aquele bichinho de querer fazer cada vez mais rápido», disse-nos o piloto de Coimbra. Lamy não tem dúvidas: «Le Mans é a prova mais mediática e de maior dimensão a todos os níveis, incluindo público e duração – bate todas as outras de longe, é a mais emblemática».
O relógio dos campeões
O Oyster Perpetual Cosmograph Daytona tem sofrido ligeiras alterações ao longo dos tempos, desde o modelo em corda manual celebrizado por Paul Newman até à atual versão dotada de um mecanismo automático manufaturado pela Rolex.
Com a sua típica disposição tri-compax (três submostradores) horizontais e taquímetro na luneta preta em Cerachrom na sua mais recente versão, o Daytona é um cobiçado status symbol e um ícone da relojoaria frequentemente escolhido por desportistas de elite. Foi desenhado como instrumento para os pilotos de endurance; o ponteiro central de segundos do cronógrafo permite leituras até aos 1/8 de segundo, os dois totalizadores às 9 e às 3 horas medem tempos em incrementos de hora e de minutos, permitindo ao condutor planificar os tempos de corrida e a rapidez de condução para chegar à vitória. O taquímetro inscrito na luneta preta elaborada à base de cerâmica também permite calcular velocidade até 400 unidades por hora em quilómetros ou em milhas.
Como não podia deixar de ser, o imaginário das 24 Horas de Le Mans inspirou muitas marcas relojoeiras e a Maurice de Mauriac, marca de nicho sediada em Zurique, tem mesmo uma variante Le Mans na sua linha Modern Chronograph – que inclui as famosas racing stripes, vermelhas e azuis ou azul claro e laranja, em ambos os casos inspiradas nas lendárias edições que catapultaram a corrida para a condição de mito na década de 70, nos fatos de corrida da altura e no famoso Porsche 917 Gulf que dominou a época. A Gulf tem-se associado à TAG Heuer em várias edições limitadas que mostram essas mesmas cores com as caraterísticas listas no mostrador.
Mas a mais famosa associação relojoeira à lendária corrida foi catapultada pelo cinema e pelo carisma do ator americano Steve McQueen, que usou um Monaco no filme Le Mans de 1971. A sua imagem com o cronógrafo quadrilátero no pulso ainda hoje é usada e foi adequadamente no enquadramento das 24 Horas de Le Mans e com a presença de Chad McQueen, filho do King of Cool, que a TAG Heuer apresentou o segundo modelo de tributo às Bodas de Ouro do seu famoso cronógrafo, depois de o primeiro também ter sido desvelado no contexto perfeito do Grande Prémio do Mónaco. O ator, piloto e embaixador da marca Patrick Dempsey também esteve presente nessa apresentação e seguidamente participou na competição com a sua escuderia Dempsey Racing – patrocinada pela TAG Heuer.
E depois há o caso singular da escuderia que é, simultaneamente, uma marca relojoeira. A equipa suíça Rebellion Racing, que este ano tão bem esteve ao colocar dois carros no top 5, aproveitou para ter nos bólides a decoração psicadélica dos novos relógios Rebellion associados ao artista Tomyboy através do seu labéu RocketByz.
Graças à boa prestação dos Rebellion R13–Gibson, a escuderia Rebellion Racing conseguiu o quarto e o quinto lugares da classificação geral e a pintalgada cosmética néon dos seus carros só veio reforçar o lançamento da edição limitada a 20 exemplares do modelo Rebellion Re-Volt Limited Edition by RocketByz. Tomyboy, eleito artista internacional do ano, vincou a pertinência da associação a uma marca de relógios conhecida pelos seus exemplares iconoclastas e não deixou de sublinhar que “a criatividade é a maior rebelião que existe”.
O dilema de Filipe Albuquerque
Le Mans inspirou o mesmo tipo de corrida de endurance noutros locais que se transformaram em santuários para os aficionados do desporto motorizado, como as 24 Horas de Daytona ou as 24 Horas de Nurburgring, para além do circuito de provas denominado Le Mans Series. A Rolex também é cronometrista oficial das 24 Horas de Daytona desde 1959 e os vencedores de ambas as corridas recebem exemplares do Oyster Perpetual Cosmograph Daytona. E Filipe Albuquerque já foi recompensado com dois (2013 e 2018) em Daytona – se vencesse outro agora em Le Mans teria sido bom sinal… mesmo que não o pudesse usar, tal como não pode usar os dois (um em aço, outro em aço/ouro) que já ganhou em Daytona: é piloto vinculado à TAG Heuer!
Tal como Fernando Alonso e Sébastien Buemi não poderão usar publicamente os Daytonas que receberam pelo triunfo na classificação geral da 87ª edição de Le Mans: são embaixadores da Richard Mille. Não se pode ter sorte em tudo…
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