O apetite por relojoaria de qualidade não pára de crescer e, mesmo que o mercado convencional conheça um período de estagnação devido à conjuntura socioeconómica, o recurso ao mercado secundário é cada vez mais frequente. A plataforma Catawiki é um case study em plena ascensão e faz da luta contra a contrafação uma trave mestra da sua atividade.
Miguel Seabra, em Madrid
A explosão das redes sociais democratizou a aura da relojoaria de prestígio e nunca houve tanta apetência por relógios mecânicos desde os tempos em que os relógios eram exclusivamente mecânicos — ou seja, desde o início da década de 70, antes da invasão e consequente proliferação dos relógios baratos de quartzo. As redes sociais vieram potenciar a fama das manufaturas tradicionais e dar reconhecimento a marcas de nicho, mas o mercado convencional atravessa atualmente um período de estagnação e mesmo de retração devido à atual conjuntura económica mundial. No entanto, o mercado secundário continua a florescer e a ganhar adeptos. E a ganhar novas plataformas, como é o caso da Catawiki.

Tem-se dito que o crescimento vertiginoso do mercado secundário vale atualmente mais de metade do volume de negócio do mercado convencional, o que é deveras significativo. Várias plataformas têm nascido para satisfazer essa procura por modelos novos mais difíceis de encontrar e algumas especialidades vintage ou peças que saíram das coleções. O interesse não se restringe aos relógios, como se pode constatar no caso específico da Catawiki, que nasceu em 2008 enquanto comunidade online para colecionadores e se expandiu para organizar leilões semanais nas múltiplas categorias atualmente abrangidas — não só relógios, mas também arte, joalharia, marroquinaria, viaturas clássicas, filatelia, numismática e outros setores do colecionismo.
O peculiar nome tem precisamente a ver com a origem da companhia. Foi fundada por dois holandeses — René Schoenmakers, um colecionador, e Marco Jansen, um empreendedor — e começou por ser um compêndio de catálogos de colecionadores; a associação dos termos ‘catálogo’ e ‘wikipedia’ deu Catawiki, que entretanto se transformou numa plataforma multilingue (inglês, francês, alemão, espanhol, italiano, chinês) assaz abrangente, com uma equipa de mais de 250 especialistas a assegurar e certificar a proveniência/autenticidade dos artigos num sistema de pagamentos que protege tanto o vendedor como o comprador.

Atualmente, a Catawiki é considerada o principal Marketplace online dedicado à compra e venda de objetos especiais. Mais de 100.000 objetos são colocados em leilão todos os meses — sendo que cada um deles é revisto e selecionado pelas centenas de especialistas internos. A Catawiki está disponível em mais de 50 países em todo o mundo e conta com mais de 1 milhão de licitações todas as semanas. Fomos a Madrid conhecer melhor a empresa e conversar com um dos especialistas da plataforma em relojoaria. Aqui ficam alguns aspetos relevantes da reportagem.
Certificação essencial
Joaquin Fernandez Cebrian, oriundo de uma família ligada à joalharia e antigo colecionador, é responsável pelo departamento de relógios de prestígio da Catawiki — uma secção acima dos 1.500 euros mais dedicada à relojoaria fina e às marcas mais cobiçadas, como a Rolex, a Patek Philippe e a Audemars Piguet. No seu conjunto, a categoria dos relógios foi a que maior volume de negócio (18%) gerou na Catawiki em 2024. O fluxo de vendedores e compradores tem crescido gradualmente e há cada vez mais marcas comercializadas na plataforma.
Numa análise que fizemos online à atividade da plataforma e ao feedback da clientela, há consumidores a destacar a facilidade de navegação na plataforma. Quanto ao processo de compra, a proliferação do negócio implica uma redobrada atenção no que diz respeito ao controlo e à autenticidade dos relógios comercializados: a reputação é algo que leva tempo a construir mas que pode ficar arruinada num instante.

Como especialista, Joaquin Fernandez Cebrian tem a seu cargo a certificação; assume não só a função de assegurar a autenticidade, mas também de detetar alterações em peças verdadeiras (como a adição de diamantes) e os chamados Frankensteins (compostos por peças verdadeiras e falsas). «Um bom relógio é como um passaporte: sem o conjunto certo de provas, perde valor», refere. Ou seja, a caixa original, a garantia e os papeis associados (incluindo talão de compra e recibos das revisões) fazem com que um qualquer relógio possa ter a máxima cotação possível. E até nessa vertente é obrigatório estar alerta: cada vez há mais documentação e estojos falsificados com qualidade que torna muito difícil a sua distinção a olho nu. Os próprios hologramas podem ser falsificados.
Os modelos mais emblemáticos da Patek Philippe (sobretudo o Nautilus), da Audemars Piguet (os Royal Oaks) e da Rolex (quase todos da linha Professional) são os relógios de prestígio mais procurados, pelo que são igualmente os mais falsificados. E exigem um nível de controlo meticuloso que também passa pela abertura do relógio para análise ao movimento e verificação dos números de série que, por vezes, existem no calibre, no mostrador, na caixa e na bracelete.

A Catawiki é perentória no anunciar de alterações feitas a relógios verdadeiros, como a adição de diamantes — uma situação que é mais usual do que se possa pensar, sobretudo em modelos da Rolex que, modificados, deixam de ser aceites pela marca para serem feitas revisões… embora não se possa dizer que sejam falsos.
Tendências de contrafação
O trabalho dos especialistas da Catawiki em relojoaria permite estabelecer uma espécie de manual sobre as tendências de contrafação, incluindo dados nunca publicados sobre relógios bloqueados devido a dúvidas sobre a autenticidade e as técnicas mais comuns utilizadas pelos falsificadores.

Em 2024, centenas de relógios de luxo foram rejeitados pelos especialistas devido a dúvidas relacionadas com a autenticidade — tendo em conta a melhoria exponencial em todas as vertentes da contrafação, que chega a abranger o histórico das revisões. A gradual sofisticação das falsificações está também associada à impressão 3D, uso de inteligência artificial e investimento em microchips NFC. Somente uma inspeção mais atenta por parte de especialistas permite revelar falhas mais subtis, desde números de série clonados a acabamentos de movimento inconsistentes. Aqui ficam os truques mais comuns utilizados pelos falsificadores, segundo a Catawiki.
Números de séries clonados e gravações alteradas
Os relógios topo de gama são constituídos por dois componentes principais: a caixa (o invólucro exterior) e o movimento (o mecanismo interno). Ambos têm frequentemente números de série ou de referência únicos que devem corresponder ao modelo, ao ano de produção e às especificações da marca. Nos relógios falsificados, esses números são frequentemente copiados de peças genuínas, mas gravados em caixas diferentes ou emparelhados com movimentos incorretos. À primeira vista, o resultado pode parecer convincente, mas falhas subtis na profundidade da gravação, no tipo de letra, na colocação ou no formato do número de série denunciam-no frequentemente.

Ponteiros desalinhados e marcações não detalhadas
O mostrador é onde muitas contrafações falham. Inclui o logótipo da marca, os marcadores de horas, os submostradores e a janela da data, enquanto os ponteiros são as peças móveis. «Nas contrafações mais correntes, tais pormenores nunca estão corretos. As fontes estão muitas vezes ligeiramente desfasadas em tamanho ou espaçamento, os logótipos desalinhados e a luminescência aplicada de forma desigual», explica Maarten van Brakel, um dos principais especialistas da Catawiki. «Alguns submostradores são apenas decorativos e não funcionam de todo. Os próprios ponteiros podem ter a forma ou o comprimento incorreto, ou ter um acabamento não natural. Falhas que muitas vezes passam despercebidas a olhos não treinados».
Documentos falsificados e certificados falsos
Os cartões de garantia, folhetos e registos de assistência são cada vez mais falsificados, com design profissional. Alguns falsificadores reproduzem documentos descontinuados utilizando tipos de letra gerados por Inteligência Artificial (IA), enquanto outros juntam papéis não autênticos com caixas autênticas compradas no mercado secundário, criando um conjunto convincente. Os sinais reveladores incluem logótipos descentrados, papel de baixa qualidade, sangramento de tinta ou conteúdo desatualizado que não corresponde ao modelo do relógio ou ao ano de lançamento. Mesmo os selos em relevo e os hologramas podem ser sinais de um modelo falsificado.

Movimentos
O movimento é o motor que alimenta os ponteiros, o calendário e as complicações adicionais. Nos relógios de luxo genuínos, o movimento é frequentemente mecânico e tem um acabamento de grande beleza, com marcas específicas da marca gravadas. Os falsificadores tentam imitar esse nível de pormenor, mas muitas vezes não conseguem. Em vez de acabamentos decorativos reais, as falsificações utilizam padrões impressos ou gravados. As massas oscilantes podem parecer corretas, mas não funcionam corretamente, os parafusos são muitas vezes da cor errada ou estão mal alinhados e a arquitetura geral não corresponde ao modelo que diz ser. Falhas subtis e requerem um olho treinado para as detetar.
Negócio crescente
No final, nenhuma lista supera a verificação por um perito. A forma mais segura de evitar as contrafações é utilizar canais de confiança, evitando vendedores privados que não são conhecidos ou não verificados. Na Catawiki, todos os relógios são cuidadosamente revistos digitalmente, utilizando-se uma combinação de tecnologia e experiência de longa data no setor, antes da aprovação final para leilão.
A política de tolerância zero levou a Catawiki a bloquear mais de 10 milhões de euros em produtos contrafeitos no decurso do ano passado, num aumento de 20% face a 2022. Os chamados ‘superfakes’ são cada vez mais frequentes e não apenas na relojoaria; o olhar humano ainda acaba por ser a ferramenta mais valiosa na luta contra a contrafação. No que diz respeito a Portugal, a plataforma registou um crescimento de 30%, com 15% de aumento no número de transações e um fluxo significativo de novos compradores; paralelamente, num total de 120 mil produtos transacionados, foram intercetados cerca de 250 mil euros em artigos contrafeitos. As categorias mais atingidas pela contrafação foram as carteiras (11,37% de artigos rejeitados), memorabilia associada ao futebol (10,19%), e acessórios de moda (5,80%). Mas o maior crescimento percentual registou-se nas moedas (+190%), seguido das joias (+50%) e das sapatilhas/sapatos de marca (+18,57%).

As categorias ‘oficiais’ da Catawiki são 16, segundo a divisão apresentada no site oficial — sendo que os relógios integram a mesma categoria das canetas e dos isqueiros e que a sua própria subcategoria inclui divisões como a dos acessórios, com artigos muito interessantes para qualquer aficionado. E mesmo no que diz respeito aos relógios propriamente ditos, há sempre modelos fora da caixa que não é muito usual ver-se. Ou seja, uma fonte que vale a pena acompanhar e que pode proporcionar bons negócios até para os aficionados menos endinheirados.
Mais informações sobre a relojoaria da Catawiki aqui.