Época de leilões: recordes e independência

O tradicional leilão de outono da Phillips voltou a sublimar a apetência pelos mestres contemporâneos da relojoaria independente e registou vários recordes. A vedeta do fim-de-semana? Um Tourbillon Souverain à Remontoir d’Égalite de François-Paul Journe que chegou quase aos 8 milhões de euros.

Numa altura em que o mercado relojoeiro — primário e de pre-owned — regista uma baixa em comparação aos anos faustosos que se seguiram à pandemia, as tradicionais jornadas leiloeiras de novembro promovidas pela Phillips em associação com a Bacs & Russo apresentaram números extremamente positivos e vários recordes dignos de registo. Com Aurel Bacs a conduzir com a sua mestria habitual as várias sessões, a iniciativa ficou concluída com o segundo mais alto valor de sempre num fim-de-semana de leilões promovidos pela Phillips e também o segundo mais alto valor de sempre na história de leilões relojoeiros: nada mais, nada menos do que 53.732.364 euros! O preço médio por lote foi de 256.000 euros, sendo que o valor das peças incluídas no top 10 de vendas perfez 25,3 milhões.

Aurel Bacs no leilão Phillips
O estilo de Aurel Bacs na direção dos leilões da Phillips | Fotos: Paulo Pires/Espiral do Tempo

A Phillips dividiu o fim-de-semana em dois leilões temáticos realizados no Hotel President Geneva (uma mudança relativamente ao poiso habitual no Hotel La Réserve) que tiveram a presença de 1000 pessoas de 64 países ao longo dos três dias, com mais de 2.000 participantes online. O primeiro leilão, realizado na sexta-feira, foi denominado Reloaded: The Rebirth of Mechanical Watchmaking 1980-1999, dedicado a relógios lançados no período em que a relojoaria tradicional mecânica procurava recuperar da tremenda crise provocada pelo advento dos relógios baratos de quartzo oriundos do extremo oriente. O segundo leilão, The Geneva Watch Auction XX, foi cronologicamente mais ‘abrangente’ e teve lugar no sábado e no domingo, dias 9 e 10 de novembro.

Reloaded: The Rebirth of Mechanical Watchmaking 1980-1999

The Rebirth of Mechanical Watchmaking 1980-1999: Lote 14 – F.P. Journe, The Tourbillon Souverain à Remontoire d’Egalité | Foto: Phillips

A vedeta dos três dias foi o Tourbillon Souverain à Remontoir d’Égalité 15/93 da F.P. Journe, o segundo relógio de pulso concebido por François-Paul Journe e o primeiro por ele vendido — comprovando a enorme apetência do mercado e dos colecionadores por qualquer criação ‘invenit et fecit’ do mestre de origem marselhesa radicado em Genebra.

François-Paul Journe
Em alta: o mestre François-Paul Journe | Foto: Keeper of Time

O leilão começou logo no milhão de francos suíços e rapidamente escalou até aos 7,3 milhões (mais do triplo da sua estimativa). O valor do martelo representa um recorde: passou a ser o mais caro relógio de uma marca associada a um relojoeiro/marca independente (na peugada dos Patek Phillipes e Rolexes que conseguiram valores mais elevados). O relógio foi confecionado por François-Paul Journe em 1993 com uma caixa em platina, movimento em ouro, mostrador ‘em estado bruto’ e inscrições feitas à mão; todos os componentes do relógio foram elaborados à mão segundo técnicas ancestrais.

The Rebirth of Mechanical Watchmaking 1980-1999: Lote 27 – Rolex Cosmograph Daytona Rainbow | Foto: Phillips

Logo depois veio um Rolex Daytona que foi o primeiro Daytona ‘Rainbow’ — o Oyster Perpetual Cosmograph Daytona Ref. 16599SAAEC (iniciais de Sapphire Arc En Ciel) com luneta cravejada com pedras preciosas da cor do arco-íris tão em voga nos últimos tempos. Um modelo de 1994 em ouro branco e com movimento Zenith El Primero que é supostamente peça única e que precedeu largamente a prática de a Rolex conceber relógios Daytona com a luneta gradiente em baguettes de safira coloridas a partir de 2012. Hoje em dia, os Daytona Rainbow são o suprassumo dos modelos desportivos da marca genebrina e estão apenas ao alcance de clientes muito especiais.

The Rebirth of Mechanical Watchmaking 1980-1999: Lote 40 – Derek Pratt for Urban Jürgensen The Oval | Foto: Phillips

O terceiro valor foi alcançado por um relógio de bolso — não sendo muito comum que relógios de bolso atinjam valores tão elevados. Mas trata-se de uma obra-prima do mestre Derek Pratt para a marca dinamarquesa de alta-relojoaria Urban Jurgensen: o Oval Pocket Watch, concebido ao longo de duas décadas numa caixa em platina com um sofisticado turbilhão volante dotado e a colaboração do credenciado Kari Voutilainen. Assinado ‘invenit et fecit’, presta homenagem aos lendários relojoeiros de antanho e recolheu 3.924.315 euros (recorde absoluto para uma criação de Derek Pratt).

The Rebirth of Mechanical Watchmaking 1980-1999: Lote 65 – Philippe Dufour Duality | Foto: Phillips

O quarto valor da sessão Reloaded: The Rebirth of Mechanical Watchmaking 1980-1999 foi, sem grande surpresa, alcançado por um Philippe Dufour Duality em platina com escape duplo e certificado. Faturou 1.608.012 euros. Qualquer peça saída do atelier do mestre Philippe Dufour na Vallée de Joux é sempre garantia de valorização.

A quinta verba mais elevada registada no primeiro dia pertenceu ao Patek Philippe. A Ref. 3974 de 1989 — um raro exemplar em ouro branco que combina um repetidor de minutos com um calendário perpétuo — chegou aos 1.188.568 euros.

The Rebirth of Mechanical Watchmaking 1980-1999: Lote 52 – Patek Philippe Ref. 3974 | Foto: Patek Philippe

Ainda no que diz respeito a essa janela temporal entre 1980 e 1999, é interessante constatar a presença de vários modelos da Ebel que foram obtidos por preços muito razoáveis — uma marca que, na altura, estava no top 5 das mais cobiçadas e que entretanto, com a mudança consecutiva de donos, perdeu alguma relevância e atualmente parece estar a recuperar algum do brilho de outrora. Destaque também para vários modelos Daniel Roth (marca justamente recuperada pelo Grupo LVMH), alguns Gerald Genta, um Cartier Crash de 1991 vendido por 254.000  e um icónico Antiqua do mestre Vianney Halter que rendeu 203.200.

The Geneva Watch Auction XX

Encerrada a sessão de sexta-feira, o leilão da Phillips prosseguiu no sábado e domingo com o Geneva Watch Auction XX e um conjunto de apetecíveis relógios mais contemporâneos — a maior parte lançados já no presente milénio, mas também alguns das últimas décadas do pretérito século. Como um Rolex Daytona muito especial de 1970.

The Geneva Watch Auction: XX: Lote 115 – Rolex, Cosmograph Daytona Paul Newman Lemon | Foto: Phillips

O Rolex Daytona Ref. 6264 em ouro amarelo é raro e a sua combinação de cores no mostrador valeu-lhe o cognome de ‘Paul Newman Lemon’, para mais com submostradores ‘tropicais’ patinados (um preto acastanhado) pela passagem do tempo. Foi arrematado por 2.637.480 euros — um recorde mundial para a referência em questão. O estojo inclui a garantia original de 18 de fevereiro de 1974, carimbada pela antiga relojoaria Brunati, de Zurique.

The Geneva Watch Auction: XX: Lote 177 – Akrivia AK01 | Foto: Phillips

O segundo valor foi atingido por um cronoturbilhão monopulsante AK01 com 100 horas de reserva de carga da Akrivia — no total, foram feitos menos de 20 exemplares. Atingiu 1.079.500 francos suíços, comprovando o estado de graça do jovem mestre Rexhep Rexhepi, que passou muito jovem pela Patek Philippe, F.P. Journe e BNB antes de fundar a sua própria marca.

A F.P. Journe voltou a dar que falar com um Tourbillon Souverain em platina e mostrador em ouro rosa que valeu 1.107.529 euros, para além de um conjunto de cinco exemplares em ruténio arrematado à volta de 1,5 milhões.

The Geneva Watch Auction: XX: Lote 122 – F.P. Journe Tourbillon Souverain | Foto: Phillips

Como não podia deixar de ser, a Patek Philippe incluiu mais exemplares no top 10 dos relógios mais caros no conjunto dos três dias e dos dois leilões temáticos. O Ref. 2499/100, um cronógrafo com calendário perpétuo NOS (new old stock) acompanhado de vários acessórios e que foi lançado precisamente em 1980, foi vendido por 931.945 euros.

The Geneva Watch Auction: XX: Lote 111 – Patek Philippe Ref. 2499 | Foto: Phillips

Qualquer crono perpetual da Patek Philippe é sempre garantia de valorização — sendo porventura a mais emblemática conjugação de complicações da manufatura genebrina. O Calendário Perpétuo Cronógrafo Ref. 1518 em ouro rosa, de 1951, também valeu 931.945 euros…

The Geneva Watch Auction: XX: Lote 188 – Patek Philippe Ref. 1518 | Foto: Patek Philippe

Um Datograph para beneficência

Do programa constou também o leilão de um exemplar único Datograph Up/Down ‘Hampton Court Edition‘ com fundo de abertura em tampa personalizada da A. Lange & Söhne e destinado a beneficência — com a totalidade do valor a ser destinado à King’s Trust (anteriormente The Prince’s Trust, quando Carlos ainda não tinha ascendido ao trono).

The Geneva Watch Auction: XX: Lote 124 A. Lange & Söhne Datograph Up/Down ‘Hampton Court Edition’ | Fotos: A. Lange & Söhne

Alexandre Ghotbi, um reconhecido especialista do mundo vintage que atualmente é um dos principais responsáveis da Phillips, referiu que «os resultados alcançados são um testemunho da força e do entusiasmo do mercado de colecionadores; o apreço e a demanda de relógios raros continua a aumentar e o ambiente vivido na sala proporcionou uma energia incrível». A relojoaria mecânica continua em alta e, apesar das flutuações do mercado regular, modelos de determinadas marcas ou mestres continuam a ser extremamente cobiçados e a registar valores superlativos….

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