Patek Philippe: cronógrafo e perpétuo

Edição impressa | O Calibre 13´´ CH Q da Patek Philippe, o primeiro cronógrafo com calendário perpétuo de pulso de série da história, foi produzido oficialmente ao longo de 44 anos e equipou duas referências importantes da casa de Genebra: a Ref. 1518 e a Ref. 2499. Seria necessário mais de meio século para que uma outra manufatura se aventurasse na produção de um movimento similar.

Há determinadas palavras que, quando proferidas entre apreciadores de relógios mecânicos, têm o poder de suscitar a atenção de quem as ouve. É o caso das palavras ‘Patek Philippe’, ‘cronógrafo’ e ‘calendário perpétuo’. Para quem tenha o mínimo de sensibilidade para estas coisas da micromecânica relojoeira e da sua história, o significado individual destas palavras tem a capacidade de projetar no imaginário um sem número de modelos que gostaríamos de ter.
Mas se entre um grupo de conhecedores, estas mesmas palavras forem proferidas em conjunto, estaremos, então, perante um dos temas que mais tem fascinado e estimulado os colecionadores de relógios vintage nos últimos anos. A história dos cronógrafos com calendário perpétuo da Patek Philippe estende-se ao longo de quase 80 anos e inclui oito referências, se considerarmos os modelos com duplo cronógrafo, assim como os que se mantêm em produção e fazem atualmente parte do catálogo da casa de Genebra.

Em todos estes modelos, podemos encontrar invariavelmente as duas janelas retangulares do calendário às 12 horas, conjugadas com os dois totalizadores do cronógrafo às 3 e às 9 horas, e a data analógica a envolver uma indicação de fases da Lua às seis horas. Uma disposição de indicações que se tornou absolutamente clássica e acabou por definir a imagem dos mais importantes relógios de pulso produzidos pela Patek Philippe.

Destas oito referências, as inaugurais 1518 e 2499 merecem uma atenção especial, tanto pelo seu pedigree como pelo entusiasmo que geram em todos os que são suficientemente afortunados para ter a sorte de poder apreciar um destes raros exemplares no pulso.

Ref. 1518

Lançada na feira de Basileia de 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, no ano em que a Alemanha nazi invade a União Soviética e o Japão ataca Pearl Harbor, a Ref. 1518 da Patek Philippe tem de ser considerada um produto improvável num período tumultuoso da história mundial e, consequentemente, também dos mercados aos quais o modelo se destinava. O preço da Ref. 1518, pouco depois do seu lançamento, era de 2.800 francos suíços. Mesmo assim, o modelo não só assinala a estreia mundial da conjugação de um cronógrafo com um calendário perpétuo num relógio de pulso, como também marca a estreia da Patek Philippe na produção em série de relógios de pulso complicados que, até então, eram apenas considerados por encomenda específica de importantes colecionadores. Um passo no qual a marca é seguida pela restante indústria.

Patek Philippe Ref. 1518 PinkGold (lote 165)
O Patek Philippe Ref. 1518 Pink Gold de 1948 com mostrador e caixa em ouro rosa foi leiloado pela Philipps em 2015 por CHF 1.445.000. © Phillips

O movimento escolhido para animar a Ref. 1518, e, posteriormente, também a Ref. 2499, estava identificado pela Patek como o Calibre 13´´ CH Q, cujos 23 rubis e Selo de Genebra atestavam uma qualidade que estava muito além dos parâmetros habituais da ébauche do Calibre Valjoux 13Q no qual se baseava. A tarefa de incorporar o mecanismo do calendário perpétuo no lado superior do movimento coube ao lendário atelier de Victorin Piguet, o mesmo que, entre 1926 e 1932, produziu o movimento de 25´´´ e 24 complicações da supercomplicação de Henry Graves.

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O Patek Philippe Ref.1518 em aço, e de 1943, atingiu o valor de 11 milhões de francos suíços em 2016. © Phillips

Construída ao longo de 13 anos, entre 1941 e 1954, a caixa de 35 mm de diâmetro e três partes da Ref. 1518 era da responsabilidade de Georges Croisier, que mais tarde daria origem à Genevor, S.A. Ao longo deste período, seriam produzidas 281 peças, das quais 222 exemplares, em ouro amarelo, 55, em ouro rosa e apenas quatro, em aço (a recente biografia autorizada da Patek Philippe indica que o modelo foi também produzido numa combinação de metais e em platina, pelos que estes dados requerem confirmação). Destes últimos, faz parte o exemplar que se mantém na memória de muitos por ter sido vendido pelo leiloeiro Phillips em 2016, por cerca de 11 milhões de francos suíços.

O mostrador prateado com escala de taquímetro periférica em esmalte (com o número de série do respetivo movimento devidamente gravado no verso) é apenas um dos muitos elementos da Ref. 1518 que a Patek Philippe conseguiu conjugar magistralmente num relógio tecnicamente inovador, mas também extremamente equilibrado no âmbito estético.

Ref. 2499

Mais vezes do que menos, a resposta de muitos colecionadores à pergunta sobre qual o relógio dos seus sonhos traduz-se em quatro dígitos: ‘vinte e quatro noventa e nove’.
Lançada em 1951, dois anos antes do encerramento da produção da Ref. 1518, a Ref. 2499 é considerada como tendo um dos designs mais bem conseguidos de sempre da Patek Philippe e um, que, provavelmente, terá influenciado mais marcas concorrentes.
Como seria de esperar, o sucessor da Ref. 1518 veio reforçar os códigos estilísticos do modelo de estreia. Para isso, opta por manter a aparência do mostrador intacta em detrimento das dimensões da caixa que, com 37,5 mm, excedem as do antecessor em 2,5 mm e o tornam no maior cronógrafo com calendário perpétuo da Patek Philippe produzido no século XX. Razão por que, provavelmente, continua a ser hoje um dos modelos vintage complicados da marca com maior procura.

Se se considerar que até 1985, e ao longo dos 35 anos em que manteve a produção do modelo, a Patek Philippe construiu 349 exemplares da Ref. 2499 (em ouro amarelo, rosa e apenas dois em platina), chegaremos a uma média que não ultrapassa os dez exemplares por ano. Um número que atesta a relevância desta referência para os colecionadores de relógios vintage e da Patek Philippe em específico. Mas, ao longo das três décadas e meia de produção, identificam-se quatro séries distintas que espelham a evolução deste histórico modelo ao longo dos anos. As mesmas descrevem-se de seguida.

Primeira série 

Com mostradores e ponteiros bastante semelhantes aos usados na antecessora Ref. 1518, a Ref. 2499 destaca-se pelos botões de cronógrafo de secção quadrada, números árabes aplicados e, na maioria dos exemplares, escala de taquímetro.

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Patek Philippe Ref. 2499 (1956) – Primeira série. Leiloado por CHF 1.685.000 em 2016. © Phillips

Segunda série 

A partir da segunda série, a aparência do modelo altera-se significativamente. Os botões do cronógrafo passam de retangulares para redondos, e o mostrador com ponteiros Dauphine está disponível numa opção entre números árabes ou indexes aplicados, mantendo-se, ainda, a escala de taquímetro.

Terceira série 

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Patek Philippe Ref. 2499 (1977) – Terceira série leiloado por CHF 456.500 em 2017. © Sotheby’s

Abrangendo cerca de metade do tempo de produção da Ref. 2499, o modelo da terceira série é o menos raro. Bastante similar a muitos exemplares da segunda série, o modelo destaca-se pelos mostradores sempre com indexes aplicados e sem a escala de taquímetro, que é substituída por uma escala de segundos periférica. Uma escolha estética que dá ao modelo uma clareza de linhas bastante apreciada.

Quarta série 

Igualmente sem escala de taquímetro e numeração árabe em detrimento dos indexes aplicados, os modelos da quarta série diferem muito pouco dos da série anterior, podendo ser considerados apenas modelos de transição. Os últimos exemplares da Ref. 2499 viriam a assumir a designação 2499/100, distinguindo-se essencialmente da série anterior pela presença de um vidro de safira. Estima-se que apenas 100 exemplares desta série foram construídos ao longo do tempo em que esteve em produção, sendo considerada como o elo de ligação entre os modelos vintage e a produção moderna da Patek Philippe.

A produção da Ref. 2499 é, aliás, encerrada definitivamente com pompa e circunstância quando Philippe Stern, o presidente à data da Patek Philippe, decide mandar executar, em 1987, duas unidades da Ref. 2499/100 com caixas em platina. Enquanto um se mantém ainda hoje em exposição no extraordinário museu da marca em Genebra, o segundo exemplar foi vendido em 1989 a um importante colecionador da marca, durante o histórico leilão temático da Antiquorum em Genebra, The Art of Patek Philippe. Mais tarde, viria a chegar às mãos de Eric Clapton que, posteriormente, e através da Christie’s, o vende, em 2012, por 3,63 milhões de dólares.

Patek Philippe Ref. 2499
Patek Philippe Ref. 2499 de 1984. Leilado pela Phillips, em 2015, por CHF 533.000 (Quarta série  )© Phillips

Como será fácil de perceber, uma Ref. 1518 ou uma Ref. 2499, seja de que série for, não é um relógio que se adquira ao virar da esquina. É preciso paciência e, muitas vezes, meses e mesmo anos de pesquisa e ‘caça’ para se obter um bom exemplar. Contar com um exemplar entre a coleção é mesmo considerado como um rito de passagem para os colecionadores mais empenhados, e, necessariamente, também mais afortunados financeiramente. Os preços, habitualmente acima dos 50.000 euros, não são certamente convidativos, mas aquilo que se obtém compete atualmente em prazer e rentabilidade com a arte contemporânea, e bate certamente aos pontos qualquer aplicação financeira.

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