World Time: horizontal ou vertical?

Edição impressa | A diversidade de colecionadores é quase tão ampla quanto a variedade de relógios existente no mercado. A complicação de Horas do Mundo, abordada na edição de outono da Espiral do Tempo, é um bom pretexto para um breve mergulho nas opções e na variedade que o colecionismo de relógios contempla, e onde os leilões da especialidade desempenham um papel crucial.

Artigo originalmente publicado no número 64 da Espiral do Tempo (edição de outono 2018).

Poucos serão os que não contam entre o seu círculo de conhecimentos indivíduos detentores de diversos relógios, mas a quem dificilmente se pode atribuir a nobre classificação de colecionador. E apesar de também estas pessoas mergulharem frequentemente nas páginas dos catálogos publicados pelos leiloeiros especializados nas semanas que antecedem as sessões de Genebra, Londres, Nova Iorque ou Hong Kong, o uso mais aprofundado dado a estas publicações cabe hoje, indiscutivelmente, ao profissional do setor, que disputa os melhores lotes com o «verdadeiro» colecionador. E este último pode, por sua vez, ser catalogado numa série de categorias que, na sua maioria, acabam por se integrar em dois géneros distintos que refletem as coleções de relógios que detêm.

Tome-se como exemplo a chamada coleção dita horizontal. Uma orientação que leva a que o colecionador opte por adquirir modelos de uma determinada marca, focando-se numa linha específica e, consequentemente, nas variantes que esta ofereceu num determinado período da história. A coleção pode, então, desenvolver-se numa linha cronológica evolutiva do modelo, de maneira a espelhar a arte e o engenho dessa manufatura nesse campo em específico.

Da mesma forma, a coleção dita vertical leva o colecionador a focar-se em determinados exemplares das diversas linhas mais representativas de uma manufatura, com o objetivo de compor uma imagem abrangente da essência dessa marca.

Patek Philippe "Eurasia" | Philipps, 13 de maio de 2018, Lote 268
Patek Philippe “Eurasia” | Philipps, 13 de maio de 2018, Lote 268

Não será difícil de perceber que a variedade temática do colecionismo de relógios pode surpreender os menos atentos ao revelar-se tão multifacetada como a própria indústria que lhe dá origem. A oferta de modelos exposta hoje em cada catálogo da Christie’s, Phillips, Sotheby’s, Dr. Crott ou Antiquorum confirma precisamente esta diversidade, que é um dos aspetos essenciais do prazer muito particular que a arte da relojoaria encerra.

Vacheron Constantin World Time | Antiquorum, 3 de abril de 2005, Lote 200
Vacheron Constantin World Time | Antiquorum, 3 de abril de 2005, Lote 200

Tome-se como exemplo a complicação associada à indicação das Horas do Mundo, assumindo como referência a contribuição de Louis Cottier, tão bem explanada no artigo de Fernando Sobral, «Todo o Tempo do Mundo», publicado nesta edição. Uma pesquisa pelos catálogos dos últimos anos, publicados pelos leiloeiros mais relevantes da especialidade, orientar-nos-á inicialmente para a Patek Philippe, a manufatura que sempre se manteve fiel ao conceito inventado pelo relojoeiro de Carouge, na Sardenha. No entanto, aqui, o colecionador terá de contar à partida com uma série de modelos virtualmente impossíveis de obter por deles terem sido produzidos apenas poucos ou mesmo apenas um único exemplar. O modelo de estreia em 1937, com a ref. 515, facilmente reconhecido pela sua caixa de forma retangular com extremos arredondados, é uma peça única que provavelmente terá sido um ensaio para os modelos que se seguiram da autoria da casa genebrina. A Antiquorum leiloou o raro espécime em 1994, então por 550.000 francos suíços.

O mesmo se passa com a aplicação do sistema de Horas do Mundo de Louis Cottier ao famoso Calatrava. Apenas um único exemplar da ref. 96 HU (Heures Universelles) parece ter acabado por ver a luz do dia. Da ref. 542 HU, lançada em 1937, conhecem-se apenas quatro exemplares, três dos quais foram leiloados entre 1993 e 1994 por valores entre os 110.000 e os 231.000 francos suíços.

Gubelin World Time | Antiquorum, 5 de dezembro de 2007, Lote 212
Gubelin World Time | Antiquorum, 5 de dezembro de 2007, Lote 212

Em 1939, deu-se início à produção da ref. 1415 (asas em forma de gota), juntamente com apenas três exemplos da ref. 1416 (asas retangulares). Ainda no mesmo ano, a Patek Philippe terá aceite um pedido especial para produzir um cronógrafo da ref. 130 com a inscrição de 24 cidades. Não se tratando exatamente de um Horas do Mundo funcional, já que apresenta a cidade de Berlim como referência permanente fixa ao meio-dia, o modelo é submetido a leilão em 1998. Arrematado por 355.500 francos suíços, estabelece então um recorde mundial para esta complicação.

Pouco depois, no início da década de 1940, a Patek Philippe terá aceite um outro pedido especial por parte de um médico alemão que deu origem a um exemplar único com a ref. 1415-1, e que combinava a indicação de Horas do Mundo com um cronógrafo. O modelo, em ouro amarelo, é leiloado em 1994 por 990.000 francos suíços, estabelecendo assim um novo recorde do mundo, mas desta vez para um relógio de pulso.

A partir desta altura, a Patek Philippe passa a contar com três referências principais com indicação de Horas do Mundo: o modelo de bolso, com a ref. 605, e os modelos de pulso com uma coroa, da ref. 1415 HU, e com duas coroas, da ref. 2523 HU e 2523-1. Em 2002, a Antiquorum leiloou um exemplar com caixa em platina da ref. 1415 HU por 6.603.500 francos suíços, estabelecendo então um novo recorde mundial para esta complicação.

Agassiz Pink Gold Time Dress Watch | Antiquorum, 11 de novembro de 2012, Lote 543
Agassiz Pink Gold Time Dress Watch | Antiquorum, 11 de novembro de 2012, Lote 543

A sequência de modelos referida nestes últimos parágrafos exemplifica claramente uma coleção horizontal, cujo objetivo seria a inclusão de um exemplar de cada ref. com esta complicação produzida pela Patek Philippe ao longo da sua história.

No caso da Rolex, a escassa produção de modelos com indicação de Horas do Mundo, limitada a apenas um modelo de bolso representado pela ref. 4262, aconselha a sua inclusão numa hipotética coleção orientada verticalmente e por marcas. Ou seja, o exemplar da Rolex seria complementado por um exemplar da ref. 605 HU, da Patek Philippe, ao qual se poderiam juntar, a título de exemplo, modelos das ref. 4414 e 6382 da Vacheron Constantin, estendendo-se o leque de manufaturas ainda à Gubelin e à Agassiz.

Agassiz World Time (esq.) | Antiquorum, 13 de maio de 2007, Lote 504; Movado World Time (dta) | Antiquorum, 12 de novembro de 2017, Lote 172.
Agassiz World Time (esq.) | Antiquorum, 13 de maio de 2007, Lote 504;
Movado World Time (dta) | Antiquorum, 12 de novembro de 2017, Lote 172.

Do lado dos modelos de pulso, a inexistência de opções por parte da Rolex é compensada por variantes vintage que incluem novamente a Agassiz, a Movado com as ref. 8149 a 58149, a Vacheron Constantin com, por exemplo, a ref. 48250, e que, entre outras, se podem associar às opções da Patek Philippe já referidas.

Vacheron Constantin Evasion World Time (esq.) | Antiquorum, 28 de junho de 2014, Lote 274; Jaeger-LeCoultre Memovox World Time | Antiquorum, 16 de março de 2008, Lote 460.
Vacheron Constantin Evasion World Time (esq.) | Antiquorum, 28 de junho de 2014, Lote 274;
Jaeger-LeCoultre Memovox World Time (dta.) | Antiquorum, 16 de março de 2008, Lote 460.

Mas se se desconsiderar o sistema de Louis Cottier como fator condicionante, as alternativas multiplicam-se, tornando-se indiscutível que a opção de regressar a uma coleção de orientação horizontal se passa a enquadrar bastante bem com as variantes de modelos apresentadas pela LeCoultre e Jaeger-LeCoultre. Neste campo, o fascinante Memovox Worldtime permite uma escolha ampla cujos valores propostos em leilão, habitualmente abaixo dos 7000 euros, os tornam extremamente atrativos. Peças que certamente verão a sua cotação elevar-se num futuro próximo.

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