Em Varsóvia — A entrada para o derradeiro trimestre arrasta invariavelmente consigo uma plêiade de concursos destinados a estabelecer os melhores relógios do ano. Há várias eleições e múltiplos galardões nos mais diversos quadrantes do planeta e a Espiral do Tempo está associada a algumas iniciativas. Recordamos a da passada semana na Polónia e projetamos as que estão para chegar.
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O instinto humano está naturalmente vocacionado para estabelecer hierarquias desde tempos imemoriais — sim, mesmo desde os primórdios em que somente sobreviviam os melhores. A relojoaria não é muito diferente e cada um terá na sua cabeça uma espécie de ranking das melhores marcas ou dos relógios mais relevantes, embora entretanto entre na equação a tendência também muito humana da categorização para que tudo fique arrumadinho de maneira lógica. E terá mesmo lógica este meu introito? Espero que sim: deu-me para filosofar sobre a temática num voo entre Lisboa e Nova Iorque, onde fui acompanhar um lançamento relojoeiro ligado ao mais famoso pugilista de todos os tempos… e lá vem novamente à baila a hierarquização, mas a preceito porque este texto é mesmo sobre os melhores relógios de 2016.

Na verdade, é extremamente difícil afirmar que um determinado relógio é o melhor porque ele insere-se sempre num contexto que faz com que uma tal afirmação seja relativa e subjetiva. Há que considerar o preço, o tipo de relógio, a complexidade inerente, a vocação por trás da sua conceção e até mesmo o género. Para baralhar a coisa, quase todas as eleições de relógio do ano se regem por parâmetros diferentes e contam com júris distintos. A Espiral do Tempo está associada a algumas e estive recentemente numa promovida pelo Chronos24, o site de referência na Polónia que é conduzido pelos meus colegas Tomasz Kyeltika e Lukasz Doskocz.

A organização tem o excelente hábito de convidar os membros internacionais do júri (para além de mim, a germano-americana Elizabeth Doerr, o dinamarquês Kristian Haagen, o holandês Frank Geelen e o checo Jan Lidmanski) para a gala da entrega de prémios e é com gosto que participo anualmente na cerimónia. A votação tem várias fases ao longo do ano e começa no final da primavera (após o SIHH e Baselworld) com um exercício livre em que cada elemento do júri apresenta uma lista (maior ou menor, consoante a vontade de cada um) de sugestões para cada categoria pré-estabelecida; cruzando-se as sugestões dos nove membros (sendo os outros quatro polacos), chega-se a um top 10 em cada categoria sujeito a votação e depois a um top cinco novamente votado para se determinar o protagonista da respetiva categoria. Encontrados os cinco vencedores, faz-se uma votação final entre os cinco para se escolher qual o melhor dos melhores.

E foi novamente no Amber Room que se procedeu a uma cerimónia que teve os seguintes vencedores: o Grönefeld 1941 Remontoire na categoria ‘Relógio Clássico’, o Lange & Söhne Datograph Perpetual Calendar na de ‘Relógio Complicado’, o Bvlgari Octo Finissimo Minute Repeater na de ‘Relógio Inovador’, o Vacheron Constantin Overseas Chronograph na de ‘Relógio Desportivo’, o Urwerk UR-106 Lotus na de ‘Relógio de Senhora’ e o Seiko Prospex Special Edition PADI Automatic Diver na de ‘Relógio Acessível’ (até 3.000 euros).

Paralelamente, o júri também discute entre si a atribuição de um galardão que visa homenagear uma personalidade ligada à relojoaria — e este ano a escolha recaiu sobre Jean-Claude Biver, figura incontornavelmente ligada ao renascimento da relojoaria mecânica na década de 80 e que, após passagem marcante por várias marcas e grupos, é o atual líder do polo relojoeiro da LVMH e o CEO da TAG Heuer; o novo ímpeto que deu à marca através do investimento nos smartwatches e o facto de apresentar índices de crescimento perante a recessão generalizada também contribuíram para a sua escolha.

Também paralelamente, uma votação digital no site Chronos24.pl determina um vencedor através da escolha do público — que optou pelo Longines Heritage Rail Road. Mas não há dúvida de que o campeão da noite foi o 1941 Remontoire da Grönefeld e os irmãos Grönefeld os grandes protagonistas; o relógio foi consagrado ‘Relógio Clássico do Ano’ e depois ‘Melhor dos Melhores’ entre os vencedores nos vários escalões.

Fui chamado a entregar aos auto-denominados Horological Bros o prémio de ‘Relógio Clássico’ e resolvi discursar um pouco, primeiro em tom mais ligeiro dizendo que há dois pontos em comum entre a Polónia e Portugal — «as duas primeiras letras dos respetivos nomes e o ex-jogador polaco Euzebiusz Smolarek, cujo primeiro nome se deve à admiração do pai pelo lendário futebolista português Eusébio»; tive de esclarecer imediatamente que não falaria mais de futebol (porque os polacos ainda não diferiram a eliminação que lhes infligimos nos penáltis do Euro) e depois passei ao tom sério necessário para elogiar Tim e Bart Grönefeld, que com uma equipa de somente 11 pessoas catapultaram a marca de família para o topo da alta-relojoaria e que ‘sozinhos’ têm colecionado galardões face à concorrência de marcas históricas e ao peso dos conglomerados relojoeiros. E depois veio a… selfie.
Não sou nada adepto de selfies; comigo é mais wristies (wristshots de relógios). Mas, perante aquela plateia e com tão divertidos irmãos, achei no momento que deveria dar um piscar de olhos à era das redes sociais em que vivemos — e tirei algumas ‘auto-fotografias’ com Tim, Bart, o respetivo troféu e a assistência ao fundo, publicando logo de seguida uma delas no Facebook. Surpreendentemente, quando recebi uma seleção de imagens do evento constatei que o fotógrafo de serviço tinha tido a rapidez de, após o meu anúncio de que iria tirar uma selfie, passar para o outro lado do palco e retratar a selfie!

A descrição desse momento divertido tem mais a ver com os irmãos do que propriamente com a selfie. Porque, se a ideia surgiu no momento, nunca me teria lembrado de fazer semelhante coisa se o galardão fosse destinado a outra(s) pessoa(s). Conheço Bart e Tim há vários anos e eles são o perfeito exemplo do lema ‘work hard, party hard’. Trabalham no duro, mas também estão sempre prontos para a pândega. E ficou para a lenda a ‘ausência’ deles na fotografia mais importante das suas carreiras: há dois anos, ganharam o prémio de ‘Turbilhão do Ano’ com o seu Tourbillon Parallax no Grand Prix d’Horlogerie de Genève, considerados os Óscares da relojoaria, e ninguém sabia deles para a fotografia de conjunto dos vencedores; eu sabia que eles deveriam estar tão radiantes que saíram para comemorar com umas cervejas e fumar um cigarrito. Ainda fui à procura deles, mas com mais de mil pessoas a sair do Grand Thèâtre de Genève foi impossível e não tinha os seus números de telefone. Moral da história: tiveram de ser photoshopados na foto de grupo e Tim até surge sem pernas…

Bart e Tim (aqui a verem o artigo da Espiral do Tempo sobre relojoaria independente que os menciona) já estão nos quarentas e desde muito cedo seguiram a tradição relojoeira familiar vinda do pai e do avô; depois de se terem formarem na prestigiada escola Wostep em La Chaux-de-Fonds e de se destacarem nesse ninho de vanguardismo que é a Renaud & Papi, optaram por criar a sua própria marca. O One Hertz, com baixa frequência de batimento, seduziu logo a crítica; o Tourbillon Parallax ganhou o Grand Prix d’Horlogerie de Genève; o 1941 Remontoire já soma prémios e pode perfeitamente ganhar a categoria de Relógio de Homem no Grand Prix d’Horlogerie de Genève no próximo dia 10 de novembro.

Concebido numa caixa em ouro (com várias declinações de tonalidade e mostrador, embora a mais emblemática da marca seja a combinação ouro branco e mostrador salmão granulado), o 1941 Remontoire é uma homenagem tanto ao pai Sjef (nascido em 1941) como ao avô, que fazia a manutenção do relógio da Igreja da localidade de onde são oriundos e que era dotado de um sistema de força constante. O 1941 Remontoire está dotado de um mecanismo de força constante que assegura a transmissão sempre igual de energia ao sistema de escape, garantindo assim maior precisão ao longo do arco da autonomia de corda; e através de um orifício no mostrador é possível ver-se o remontoir armazenar a energia durante cada oito segundos e depois soltar-se num espetáculo fascinante aos olhos do utilizador.
Quanto aos restantes galardoados, a Lange & Söhne — que tinha sido fortíssima candidata na categoria de ‘Relógio Clássico’ com o seu Richard Lange Regulateur — impôs-se na vertente de ‘Relógio Complicado’ com a suprema ‘complexização’ do seu lendário cronógrafo Datograph: depois de lhe juntar um calendário perpétuo, acrescentou-lhe também um turbilhão discretamente colocado no fundo… sem que a estética do mostrador e do calibre tivesse sido comprometida, num notável esforço técnico e estético da parte da equipa liderada por Ton de Haas e Tino Bobe.

No departamento da inovação, o Bvlgari Octo Finissimo Minute Repeater passou a ser o mais fino relógio dotado de repetição de minutos a partir da sua apresentação em Baselworld e a sua acústica é impressionante.

Na categoria desportiva, a grande renovação do Overseas colocou-o automaticamente na lista de favoritos — por se tratar de um relógio emblemático de uma reputada manufatura. A renovação estrutural foi evidente, com a caixa a assumir na sua base um pendor mais ergonómico (embora pessoalmente não tivesse gostado de tanto ‘arredondamento’) e um sistema rápido de troca de braceletes (bastando um instante para passar do aço para o cauchu e para a pele de crocodilo).

No que diz respeito à categoria feminina, impôs-se um relógio disruptivo — como todas as criações da dupla formada por Felix Baumgartner e Martin Frei para a sua marca de alta-relojoaria vanguardista de nicho Urwerk. O Urwerk UR-106 Lotus ganhou o galardão de ‘Relógio de Senhora’ num ano em que vários relógios da marca destinados aos pulsos masculinos também deram muito que falar.

Na categoria de relógio de preço acessível (mesmo assim, até à fasquia de 3.000 francos suíços) ganhou o Seiko Prospex Special Edition PADI Automatic Diver SRPA21, uma edição limitada de um conhecido modelo da competente manufatura nipónica — que será a única não-europeia a poder rivalizar com a competência dos helvéticos (e alguns alemães) no setor da relojoaria mecânica.

Entre os relógios finalistas (cinco em cada categoria) houve também uma votação a partir do website para escolher o ‘Favorito do Público’ — e os cibernautas optaram por uma reedição da Longines que já tinha recolhido muitas simpatias entre os aficionados e a crítica em Baselworld: o Heritage Rail Road.

E o que virá a seguir? Daremos conhecimento em breve das eleições de Relógio do Ano mais relevantes, incluindo as recentes apresentadas no SIAR (Salão Internacional de Alta-Relojoaria do México) e na cerimónia do Eve’s Watch (iniciativa exclusivamente feminina), e sobretudo daquela que mais pedigree tem — o Grand Prix d’Horlogerie, iniciativa pomposa e encarada como os Óscares da relojoaria que está agendada para o próximo dia 10 de Novembro em Genebra…
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