Poderemos escapar ao escape de âncora ?

Standard ultradominante, o escape de âncora suíça impôs-se graças aos seus numerosos benefícios. De tal modo que os seus concorrentes, mesmo recentes, lutam por existir. Não será isto um risco para a relojoaria?

Por David Chokron

Escape de âncora suíça
O movimento da Christophe Claret Maestoso, com o escape à détente | Foto: Christophe Claret
Foto de abertura: Escape de âncora suíça, norma dominante | Foto: Jaeger-LeCoultre

O computador tem USB, a televisão de alta definição tem o HDMI e o automóvel o motor com válvulas. Os standards são preciosas invenções que reinam num determinado universo técnico para seu bem maior. Tal é o caso do escape de âncora de variante dita suíça que equipa atualmente mais de 98 por cento dos relógios mecânicos. Com o próprio escape impuseram-se os seus numerosos benefícios. À partida, todos os relojoeiros do planeta conhecem este sistema, o que facilita a sua montagem e a sua reparação, ainda para mais quando se trata de uma arquitetura simples e compacta. Por outro lado, é eficaz em matéria de energia, ou seja, consome pouca reserva de corda. E, sobretudo, como já serviu centenas de milhões de relógios, desde há mais de um século, os diferentes parâmetros do seu funcionamento são perfeitamente conhecidos, otimizados e normalizados. Enfim, num mundo relojoeiro que permanece essencialmente industrial, depender de uma base comum é uma fonte de poupança significativa.

Escape de âncora suíça
O escape coaxial do calibre 9300 da Omega, nova geração integrada num conjunto em silício.

Cérebro
Há muito tempo, quando a relojoaria se encarnava em objetos volumosos como os relógios de campanário, de sala, de mesa ou mesmo de bolso, os escapes eram de muitos outros tipos. Existiam, no entanto, grandes relojoeiros, e eram muitos os que se debruçavam sobre este subsistema do movimento. Com efeito, é o centro nevrálgico do relógio: de um lado, o balanço e a espiral contam os tempos pelas oscilações, do outro, o tambor fornece a energia através das rodagens. Na confluência destes dois fluxos, o escape faz a síntese e permite as trocas de um para o outro. O escape é o lugar onde o tempo que nós lemos se materializa; mas é igualmente o lugar de fricções intensas, que são inimigas do movimento mecânico – daí a importância da sua otimização.

Escape de âncora suíça
Echappement Constant da Girard-Perregaux, assim batizado por causa do sistema que lhe bate no coração | Foto: Girard-Perregaux

Impasse
Ora se esta última ocupou as melhorias científicas dos séculos XVIII e XIX, a generalização da âncora suíça acabou por travar a inovação em relação a este objeto. Com o advento do relógio de pulso de pequeno volume, a relojoaria chegava ao fim de um caminho, e não procurou ir mais longe. Podemos mesmo dizer que ela voltou para trás, uma vez que os concorrentes deste standard desapareceram uns atrás dos outros. Eles persistiram, marginalizados, em objetos obsoletos como cronómetros de marinha munidos de escape à détente. Ora este último é a prova que resta do trabalho a efetuar sobre o tema da regulação relojoeira, porque é de uma formidável eficácia e sobriedade. Este dispositivo permitiu a navegação precisa em mar durante dois séculos e salvou de naufrágio inúmeros navios. Presta-se pouco a uma utilização no pulso porque teme os choques. Algumas marcas como a Urban Jurgensen & Söhner ou a Christophe Claret miniaturizaram-no em movimentos quase experimentais, dispendiosos, que acabaram por contribuir para o relançamento do interesse nesta questão.

Escape de âncora suíça
No Chronomètre Optimum de F.P. Journe, o escape biaxial de alta performance foi realizado a partir dos trabalhos de Breguet | Foto: F.P. Journe Invenit et Fecit

Ressurreições
O avanço dos escapes alternativos, que fascina os investigadores relojoeiros, permanece, no entanto, um futuro anterior. Desta forma, os escapes ditos naturais de Laurent Ferrier, F.P. Journe ou Ulysse Nardin são concretizações de invenções que datam de há 200 anos, provenientes de grandes nomes como Breguet. A única inovação difundida em massa concerne ao escape coaxial que a Omega adotou e lentamente instalou nos seus calibres, ao longo de… 20 anos de existência. Melhoria incremental da âncora suíça, prova que basta melhorar o velho para fazer o novo. Deve-se ainda mencionar os esforços da Girard-Perregaux e do seu Echappement Constant (escape de força constante), no qual a complexa e espetacular geometria é, de facto, uma experiência extrema. No final, o escape de âncora suíça é um porto de abrigo. A paisagem relojoeira é de uma homogeneidade quase total. Mesmo as grandes inovações que agitaram os três últimos anos permaneceram baseadas na âncora suíça, tendo em conta o funcionamento desta. Tal é o caso dos escapes de alta frequência e dos componentes de silício.

Escape de âncora suíça
Escape de âncora suíça numa variante em silício da Ulysse Nardin | Foto: Ulysse Nardin

Diversificação
Os avanços limitados destes escapes diferentes levam a colocar uma questão fundamental em relojoaria. A norma é certamente desejável, mas até que ponto a uniformidade é benéfica? A meca-diversidade não terá a ganhar ao inspirar-se na biodiversidade? Para se adaptar às mudanças, a ambientes complexos e incertos, nada supera a multiplicação de opções. O relógio mecânico não escapa a esta regra. Da última vez que a relojoaria a esqueceu, viu surgir um monstro frio, uma inovação de rutura. O regulador a quartzo dizimou então toda uma indústria e quase deixou a indústria relojoeira suíça sem escapatória. ET_simb

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