Em mais uma resenha aos factos marcantes de 2024, destacamos relógios e personalidades — nalguns casos por razões óbvias, noutros porque não tiveram o merecido mediatismo.
Com o ano novo mesmo a bater à porta, recolhemos mais algumas notas de destaque que merecem figurar no conjunto de resenhas de 2024 que temos vindo a fazer. Destacámos previamente 12 notas num rescaldo anterior e abordámos os melhores relógios tanto na reportagem da road trip através da Suíça para entregar os prémios aos vencedores como na análise a mais uma edição do Grand Prix d’Horlogerie de Genève; hoje é a vez de novos apontamentos sob outros ângulos de abordagem.
O mais discreto: Kari Voutilainen
É o mais discreto e silencioso dos grandes mestres relojoeiros, mas Kari Voutilainen tem sido um dos mais ganhadores — para além de um 11.º troféu no Grand Prix d’Horlogerie de Genève, continua a expandir o seu império sem grande alarido. A sua marca Voutilainen tem as encomendas fechadas para os próximos sete anos. Comprou há anos a marca finlandesa Leijona de preço de entrada. A aquisição da histórica marca Urban Jurgensen (onde ele trabalhou e foi beber alguma da sua estética baseada em asas de gota e mostradores guilhochados) em 2021 vai finalmente dar os primeiros frutos em 2025. A sua empresa de mostradores Comblémine tem uma carteira de clientes cada vez mais alargada.
E a aquisição da Brodbeck Guillochage vai reforçar o seu estatuto; trata-se de um atelier que funciona nas renovadas instalações que antes pertenciam à Escola de Relojoaria de Fleurier e que inclui máquinas de guilloché operadas à mão que foram restauradas por Georges Brodbeck, sendo a mais antiga de 1913 e a mais recente de 1950. Kari Voutilainen ajuda assim a salvaguardar uma soberba técnica de decoração relojoeira que faz parte da sua imagem de marca e no futuro pretende juntar ateliers de esmaltagem, gravação de pedra e marqueteria.
O regresso: três marcas
No capítulo do Comeback of the Year, há mais do que uma marca a destacar — e todas por razões distintas. A Favre-Leuba reinventou-se, após uma primeira tentativa com relógios demasiado grandes e volumosos em 2017; é agora liderada pelo experiente Patrik Hoffmann e investiu em códigos estéticos declaradamente vintage.
A Universal Genève foi adquirida pela Breitling após um longo período de hibernação e no final do ano lançou os seus primeiros modelos Polerouter comemorativos; tendo em conta as credenciais da marca, as expectativas para o futuro são elevadas e já é possível ir espreitando o que se passa no novo website da marca.
Sob outro ângulo, a Raymond Weil voltou a estar no radar do mainstream relojoeiro em 2024 devido ao sucesso e expansão da linha Millesime; a catapulta foi a conquista de um troféu no Grand Prix d’Horlogerie de Genève de finais de 2023. E parece que a Roamer também espreita um regresso. É sempre bom ver como é que as marcas tentam reinterpretar a sua importância histórica para novas audiências
A exceção: quartzo tolerável
Para um purista da relojoaria, o quartzo está para além da fronteira aceitável — trata-se de uma questão de princípio, de cultura, de preservação. Mas… houve muitos especialistas da relojoaria a abrirem certas exceções e a usarem orgulhosamente modelos alimentados por um circuito elétrico com pilha. As variantes híbridas mecaquartzo têm sido mais toleradas e estiveram na origem do sucesso da Furlan Marri, mas a Brew merece ser especialmente destacada pelos coloridos Supermetric Chronograph.
O Frederique Constant Moneta, que deve o seu nome à utilização das ranhuras das moedas na periferia do seu mostrador, foi seguramente um dos mais belos relógios de quartzo de 2024.
Os modelos da Dennison (uma antiga empresa fornecedora de caixas, renascida como marca relojoeira) com mostradores de pedra semipreciosa também foram muito apreciados, destacando-se bem o papel do credenciado designer Emmanuel Gueit no sucesso do conjunto; espera-se que a marca passe também a incluir versões mecânicas num futuro próximo.
E, entre as marcas de alta-relojoaria, o novo Royal Oak Mini 23mm da Audemars Piguet colocou o quartzo nas parangonas. O modelo de quartzo mais aceitado nas altas esferas da relojoaria na última década tem sido o F.P. Journe Elégante.
A palavra: algoritmo
Face a uma nova geração que cresceu com as redes sociais e a gerações anteriores que aderiram completamente ao fenómeno, o termo ‘algoritmo’ acabou por ser determinante para muita gente do meio relojoeiro em 2024. Tendo por base o Instagram, que se tornou no veículo de comunicação preferencial do universo relojoeiro, o alcance dos posts de contas normais (sem serem pagos ou terem apoio de agências) caiu muito, viram-se contas com tantos seguidores terem impacto muito reduzido e novas contas — algumas vindas do TikTok — ganharem uma aderência substancial. Frustrante para muitos, o algoritmo também contribuiu para ‘compactar’ a comunidade relojoeira e promover o efeito bola-de-neve relativamente a certas marcas, determinados modelos e algumas polémicas. Menção honrosa para o termo Geezer Watches.
O sweet spot: Piaget
A mudança gradual das preferências de relógios mais desportivos e casuais para algo mais elegante e com códigos de alta-joalharia veio colocar a Piaget no sweet spot (a Cartier também, embora no seu caso nunca tenha estado fora da ribalta).
O Polo 1979 está em muitas listas de preferências relativas a 2024 e a sua aura (que também é áurea!) típica dos anos 80 fez despertar o Miami Vice que há na geração mais velha e a luxúria que há nas gerações mais novas sem qualquer influência direta dos estilos de tão excessiva década.
A nova variante Andy Warhol do Black Tie com gravação Clous de Paris na caixa em ‘almofada’ também foi muito elogiada, até porque bate noutras fortes tendências de 2024: os mostradores em pedra e as caixas de forma.
O sobrestimado: dois casos
Anda tudo louco com o Berneron Mirage, e com alguma razão: os modelos Mirage com movimento de forma que acompanha a caixa ‘fluída’ ou ‘desconstruída’ são notáveis e até valeram a Sylvain Berneron um prémio no Grand Prix d’Horlogerie de Genève. Vêm entroncar precisamente com as preferências da Geração Z por dress watches de formas originais, mostradores exóticos e tons dourados — para além de ser mais usável do que o Cartier Crash.
Mas, e numa opinião pessoal, é um relógio que pode cansar com o tempo e a variante Mirage 34 é menos proporcional do que o tamanho 38 e deixa-se estrangular pela correia. Outro modelo que recebeu uma aclamação unânime surpreendentemente excessiva foi o Hermès Cut; muitas vezes, as boas graças de uma determinada marca ajudam à maior aceitação dos seus produtos.
O subestimado: dois casos
Talvez a marca de alta-relojoaria mais subestimada seja a excelente Moritz Grossmann, liderada por Christine Hutter (uma senhora!) e com relógios sensacionais no plano técnico e estético; a sua superlatividade é reconhecida por toda a gente, mas merece muito maior impacto mediático e sucesso comercial.
E o modelo mais subestimado foi o Masterlink, da Gerald Charles — é um exercício de design integrado muito melhor do que se possa supor, mesmo com o pequeno ‘queixo’ identificativo do design original de Gerald Genta na caixa às 6 horas.
E deixamos-vos com votos de boas entradas — com o aviso de que os rescaldos ainda não terminaram. Voltaremos com eles ainda esta semana e algumas previsões para 2025!