A Raymond Weil, a Música e o Tempo

Por mais que puxe pela memória não me recordo de a Raymond Weil alguma vez ter abdicado da sua fonte de inspiração baseada no universo da música. Linhas como a Othello ou Parsifal inspiraram-se nas óperas de Verdi e Wagner e transportavam o imaginário de quem adquiria um dos modelos para a tragédia Shakespeariana de um general Mouro em Veneza ou a demanda de um cavaleiro da Távola Redonda pelo Santo Graal.

Com o modelo Don Giovanni, é Mozart e a “opera buffa” (termo usado pelo compositor para classificar a obra no seu catálogo) os visados, contando-nos a história de um nobre que seduz as donzelas prometendo casamento, mas que acaba por as abandonar. Também Ludwig van Beethoven recebe a atenção da Raymond Weil com o modelo Fidelio, mais uma opera que neste caso incluía doses generosas de sacrifício pessoal, heroísmo e a tradicional apoteose do triunfo final.

Com o modelo Nabucco, a marca suíça volta a trazer Verdi para a cena contando a história do rei Nabucodonosor da Babilónia. Pelo caminho, modelos como o Amadeus honram compositores imortais (Wolfgang Amadeus Mozart) e até a dança, com a linha Tango, encontra espaço no imaginário da marca.

Os mais recentes modelos prestam tributo a artistas como David Bowie e recordam-nos nomes históricos da construção de instrumentos como a centenária Gibson, a fabricante da lendária “Les Paul”. Mas também o maior grupo de musica POP da história foi o alvo da atenção da Raymond Weil quando no ano passado lançou uma versão do modelo Maestro dedicada aos Beatles, voltando este ano a repetir a homenagem com a edição limitada “Abbey Road”.

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© Raymond Weil

Muitos poderão questionar esta obsessão da Raymond Weil pelo universo da música sem perceber bem a relação que a mesma tem com o tempo. Após ter adquirido há algum tempo o livro Timekeepers de Simon Garfield que relata de forma brilhante como o mundo se tornou obcecado pelo tempo, deparei-me com um capítulo bastante curioso dedicado precisamente à música e à sua relação com este elemento intangível.

Já para lá da primeira metade do capítulo “The Beat Goes On”, o autor descreve como na manhã do dia 11 de fevereiro de 1963, uma segunda feira, o Estúdio 2 de Abbey Road estava reservado para uma tripla sessão, das 10h00 às 13h00, das 14h30 às 17:30, e das 18h30 às 21h30. Horários que estavam de acordo com as exigências do sindicato dos Músicos que exigia que uma sessão de gravação não durasse mais de 3 horas, e da qual não podiam ser extraídos mais de 20 minutos de gravação. Quando o estúdio foi reservado, os Beatles tinham apenas editado um único single, o formato ao qual até então toda a música POP se restringia. O formato LP, com 12 polegadas e que girava a 33 rotações, utilizado pela primeira vez em 1948, permitia a gravação de 22 minutos de música de cada lado, em vez dos quatro ou seis minutos dos habituais formatos de 10 ou 12 polegadas dos 78 rotações. Uma evolução que mudou literalmente a forma como os músicos pensavam e escreviam a sua música.

O texto deste capítulo entra neste ponto numa descrição brilhante de como o tempo de gravação de um determinado suporte influenciou a duração de uma música ou obra, desde os 2 ou 4 minutos dos primeiros cilindros de cera da Edison ou Columbia, passando pelos três minutos dos 78 rotações de 10 polegadas “shellac”, os 4,5 minutos dos discos de 12 polegadas até ao surgimento dos 45 rotações em vinil de 7 polegadas introduzidos pela primeira vez em 1949.

Ao longo desta evolução tecnológica, “a duração da música Pop de 3 minutos foi firmada, ou mesmo criada, pela impossibilidade de gravar pouco mais.” Quando, por exemplo, Igor Stravinsky compôs a sua serenata para piano em 1925, a duração de apenas 12 minutos da obra estava relacionada com a capacidade de gravação do seu Gramophone da Brunswick.

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Exposição ‘The Beatles — Sons e Tons’ (espólio discográfico de Victor Coutinho) © Paulo Pires/ Espiral do Tempo

De regresso à sessão histórica de gravação do primeiro LP dos Beatles em Abbey Road, e que requereu horas extraordinárias por se ter prolongado até às 22h45, Simon Garfield relata a admiração exultada por George Martin, o produtor dos Beatles, em relação à criatividade que é possível alcançar quando se está limitado pelo tempo.

“Aprendia-se a ser brilhante em apenas uma hora e meia”.

Cada canção gravada no dia 11 de Fevereiro de 1963 foi usada no álbum que hoje conhecemos como “Please Please Me”. Às 10 canções gravadas nesse dia, foram acrescentadas quatro adicionais retiradas dos lados A e B de dois Singles já lançados. No final do dia, o primeiro LP do que viria a ser a maior banda POP do mundo estava pronto para ser misturado sendo posto à venda 39 dias mais tarde. A obra faz hoje parte dos 500 melhores álbuns de todos os tempos.

Passados poucos anos, a gravação de “Strawberry Fields Forever” viria a necessitar de mais de duas dúzias de sessões ao longo de cinco semanas.

Raymond Weil, a música e o tempo? Faz todo o sentido!

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