Olá. Chamo-me Miguel Seabra, sou um strapaholic e não consigo deixar de continuar em busca da próxima correia ou bracelete que me irá satisfazer o vício… momentaneamente. Aqui ficam as confissões de um adicto.
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Na passada semana passei por uma das ruas que desembocam na Praça da Figueira e vi algo numa montra que me prendeu a atenção: um manequim semi-vestido com correias de relógios. Claro que tirei uma fotografia e mandei-a para vários amigos/colegas da indústria relojoeira, dizendo que tinha encontrado “a mulher dos meus sonhos”. Foi uma galhofa. Com razão… aqui fica a fotografia:
A montra, de um kitsch transbordante, faz parte da Relojoaria Butinel localizada na Rua João das Regras e não se pode dizer que tenha artigos propriamente aliciantes: a maior parte das correias e braceletes lá exibidas é de qualidade relativa, para não falar do gosto. Mas às vezes é nesse tipo de estabelecimentos antigos que, no meio de tanta coisa, se encontra algo de único e diferente. Foi lá que, em 2002, comprei uma bracelete de perlon para a reedição Autavia ‘Jo Siffert’ que a TAG Heuer lançou nesse ano, inspirada no famoso original de 1969 usado pelo malogrado piloto suíço e que originalmente vinha com uma bracelete metálica.
Nunca usei a bracelete metálica porque nem sequer lhe retirei os elos necessários para a ajustar ao meu pulso; na minha cabeça e antes sequer de ter o relógio, já sabia que o iria usar com uma bracelete de perlon. As tais braceletes de perlon baratas e usadas pelos nossos avôs que começaram a estar na moda por volta de 2014…
A recordação desse episódio específico de 2002 e do Autavia ‘Jo Siffert’ em particular é sintomático. Quando olho para um qualquer relógio costumo abstrair-me da correia/bracelete e visualizar imediatamente qual a alternativa ideal quando considero que a escolha original da marca não é a mais adequada – e muitas vezes não é. Mas mesmo que o seja, a maneira mais rápida de mudar o visual de um relógio e dotá-lo de uma personalidade completamente distinta consiste em adotar uma correia ou bracelete diferente na cor e/ou na matéria. A textura também pode ser importante.
E é aí que entra o vício e a demanda: estar constantemente à procura de um novo look para cada relógio, quase que o dotando de um caráter esquizofrénico ao qual ele é, obviamente, alheio. Mesmo que por vezes a culpa seja da marca que o produziu e que tantas vezes o ‘veste’ mal, com adereços que muitas vezes são desajustados, pouco ousados ou demasiado genéricos.
Quando comecei a mergulhar mais profundamente na relojoaria, constatei que a oferta das tradicionais casas relojoeiras suíças era demasiado escassa e com padrões irritantemente fixos. Por exemplo, os relógios clássicos de mostrador prateado tinham sempre correia preta de crocodilo e os de mostrador preto eram equipados com uma castanha; os relógios mais desportivos eram invariavelmente dotados de mostrador preto com nuances vermelhas ou amarelas no mostrador que depois eram replicadas nos pespontos da correia. E pouco mais. Nessa altura, nos finais da década de 80, apreciava particularmente as opções mais desportivas da Breitling, que tinha maior oferta de cores e pespontos contrastantes nas suas correias em couro ou pele de tubarão.
Ainda me recordo da ousadia da Ebel (que, na altura, quase rivalizava com a Rolex e era um sponsor relevante no mundo do ténis e do golfe!) em decorar o relógio de Andre Agassi com uma correia azul de coraçõezinhos vermelhos. A Jaeger-LeCoultre tinha então uma caraterística muito própria que se estenderia ao longo de quase toda a década seguinte: a de dotar os seus relógios da linha Reverso e Master com emblemáticas correias em pele de avestruz num tom mel – o meu primeiro Jaeger-LeCoultre vinha com uma, fazia parte da sua imagem de marca. Ainda tenho essa correia mas há uns 18 anos que ela não é usada no meu Master Réveil, que neste momento está com a bracelete de perlon que lhe coloquei para condizer com uma gravata castanha de malha de lã que levei para o Salon International de la Haute Horlogerie. Também levei uma azul e uma preta, como se vê…
E nesta última edição do Salon International de la Haute Horlogerie sentiu-se mesmo um cuidado suplementar na escolha de correias e braceletes alternativas, juntamente com sistemas rápidos de mudança integrados na bracelete em si ou na própria caixa do relógio – uma das grandes tendências do certame, já aqui abordada e que será explanada em particular num artigo mais desenvolvido a publicar na próxima edição da edição impressa da Espiral do Tempo. Eu diria que essas soluções terão chegado com década e meia de atraso; para mim é incompreensível que as melhores marcas tenham demorado tanto tempo a embarcar em tendências que há muito corriam entre os aficionados, em especial strapaholics como eu…
Como o new-vintage e o neo-retro estão na moda, muitas das soluções de correias e braceletes têm a ver com esse espírito (e também já dedicamos atenção anterior a essa tendência num artigo com o título “Como vestir vintage“), mas apesar de ser um apreciador das correias de couro com duplo pesponto lateral já começa a cansar ver esse tipo de ‘decoração’ em correias utilizadas por todo o lado e em tantas marcas – destacando-se as correias dos novos Baume & Mercier associados à Indian Motorcycles e da linha 1858 da Montblanc, que também já conta com as braceletes de tecido tipo-NATO mas mais curtas e ajustáveis, do género das que começaram a ser vistas na coleção da Tudor, que as trouxe para o mainstream quando passou a usá-las na sua linha Heritage em 2010. É compreensível: Davide Cerrato, aterior diretor artístico da Tudor, transferiu-se entretanto para a Montblanc.
Sou um grande adepto das braceletes em perlon, de tecido tipo NATO ou das NATO em nylon propriamente ditas (também designadas G10 e que obedecem a especificações militares oficiais, ficando famosas a partir do momento em que Sean Connery utilizou uma num Rolex Submariner enquanto James Bond no filme Goldfinger, de 1964): são leves, resistentes, fáceis de lavar, moldam-se bem ao pulso e particularmente agradáveis de usar no período estival – quando o suor provocado pelo calor ou a areia da praia arruínam qualquer correia de pele ou riscam qualquer bracelete de aço. São também coloridas e divertidas. A Omega até acabou de lançar, no âmbito dos Jogos Olímpicos de Inverno, uma gama de braceletes NATO com as cores de várias bandeiras nacionais.
Para mais, a substituição das braceletes NATO é extremamente fácil e pode-se fazer uma mudança em escassos segundos – bastando passar a bracelete entre a caixa do relógio e as molas das asas. Num ápice, a troca de cores muda o aspecto de um relógio consoante a circunstância e o estado de espírito… e isso é fundamental para um strapaholic como eu. Com uma nuance: corto a tira suplementar e encurto todas as minhas braceletes NATO para um look mais clean que não afaste o olhar do relógio para as voltas e reviravoltas ou o excesso de metal nas presilhas.
Felizmente, ao longo deste anos todos na relojoaria tenho feito amigos que me vão ajudando a saciar o vício e a amenizar os custos que lhe são inerentes, porque já esgotei o orçamento de uma vida em correias e braceletes (se bem que, volta e meia, lá aparece mais uma que é irresistível). Algumas marcas alimentam a mania ao arranjar-me sempre mais uma ou outra correia/bracelete para testar, talvez porque tenham pena da grave condição de que padeço. Como a Tudor, a Cvstos, a TAG Heuer, a Jaeger-LeCoultre, a SevenFriday ou a Raidillon (cujas correias são feitas pela empresa familiar Lic, na Bélgica).
E o meu amigo Daniel Dreifuss da Maurice de Mauriac tem sido mais do que um mecenas: primeiro desenvolvemos duas braceletes NATO com cores associadas ao ténis (uma em verde e roxo que apelidamos Old England ou Lawn Tennis; outra verde e laranja designada Terre Battue), depois sou o seu testador oficial – e a oferta que ele tem na sua loja é mesmo enorme, desde exemplares em têxtil até ao couro envelhecido, passando por peles Barenia ou Horween mais sofisticadas e por couro revestido de borracha impermeável. Também já escrevemos aqui no site sobre Daniel Dreifuss e sobre o seu incomparável estabelecimento na Todistrasse em Zurique, há uns anos. É um paraíso para qualquer strapaholic, um universo de cores e cheiros proporcionado por todos os tipos imagináveis de correias e braceletes.
E não nos podemos esquecer também das braceletes em cortiça para um toque especialmente português, como as que são produzidas pelo Museu do Relógio (Serpa e Évora) e que ficam especialmente bem em relógios de pendor mais desportivo e marítimo.
Nomenclatura: braceletes ou correias?
Existe uma diferença entre os termos ‘correia’ e ‘bracelete’ (não gosto de ‘pulseira’). Para mim, correia é algo que tem a ver com pele, bracelete é tudo o que seja metálico ou sintético – como as NATO, de perlon ou cauchu. Relativamente a isso, posso dizer que sou mais do tipo mediterrânico ao optar por couros ou perlons/NATOs; geralmente, são os povos do norte da Europa que preferem mais braceletes metálicas ou de cauchu e não tendo a usá-las – neste momento só tenho duas braceletes em cauchu instaladas, a de origem no Graham Swordfish (e que precisa de ferramenta especial para ser retirada, senão já lá não estava) mais uma no Linde Werdelin Oktopus, e apenas cinco braceletes de aço ‘em vigor’: no Rolex Explorer, em dois Eterna KonTiki Automatic, no Eterna Heritage Super KonTiki 1973 (que é do tipo milanaise, numa espécie de malha) e no Tudor Heritage Black Bay Blue (que habitualmente até costuma estar com a sua respetiva bracelete tipo NATO de tecido).
E sei isso de cor porque há uns dias resolvi mudar umas quantas correias/braceletes para ‘rejuvenescer’ alguns modelos que estavam a hibernar – ano novo, novo look, vida nova. Fui à minha Torre das Vaidades (três módulos com oito gavetas cada) e trouxe umas quantas correias/braceletes para a mesa da sala de jantar e fazer testes, trocando também fivelas e fechos de báscula. Ainda ontem precisei de ir comprar umas quantas fivelas genéricas à Baixa, num estabelecimento na Rua da Palma (o Bazar Menal do Sr. Menal Vrajdas, perto da Praça da Figueira), para pôr em correias sem fivela para depois não ter o trabalho suplementar de trocar também de fivela quando mudo a correia do relógio. As genéricas dão para usar com qualquer marca de relógio; o que não fica bem é usar um relógio de uma marca com fivela/fecho de báscula de outra marca.
Há sempre quem evite utilizar correias ou braceletes de marcas que não as dos relógios – muitos acham que é tuning ou “pouco ético” (!!!), esquecendo-se que as marcas relojoeiras não são propriamente produtoras de correias e que muitas delas até as mandam fazer no mesmo sítio antes de as carimbarem com o respetivo logótipo.
Os aficionados mais experientes não são tão intransigentes e normalmente sabem se poderão ou não mudar o visual do seu relógio com o recurso a correias ou braceletes de outra origem; desde que depois se adopte uma correia ou fecho de báscula da mesma marca do relógio, o look final apresentar-se-á suficientemente perfeito… dependendo muito do gosto pessoal, obviamente.
Como não podia deixar de ser, o advento da internet aumentou exponencialmente a oferta e popularizou correias e braceletes alternativas, tal como tornou mais conhecidas marcas de nicho que sempre investiram nesse departamento.
Há muitos websites especialmente dedicados a correias e braceletes de todo o tipo, tal como muitas casas produtoras se lançaram na sua própria comercialização em vez de serem somente fornecedoras das marcas relojoeiras. Mas há um pormenor que não pode nunca ser descurado: todo o material que é proporcionado pelas principais marcas relojoeiras é não só normalmente de melhor qualidade (afinal de contas, têm uma reputação a defender) como sobretudo foi extensivamente testado antes da aprovação. As suas correias ou braceletes de substituição ou alternativas têm essa garantia suplementar de serem normalmente mais duráveis e seguras… porque qualquer falha pode provocar uma queda do relógio e, consequentemente, custos extremamente elevados.
Vale a pena explorar o tema na internet. E o Google é mesmo impagável: sempre usei o termo strapaholic (correiómano, em bom português…) para me rir de mim mesmo e brincar com a minha adição, mas ao escrever esta crónica lembrei-me de o ir googlar e… qual não foi a minha surpresa ao constatar que existe mesmo um website para viciados como eu: www.strapaholics.com, evidentemente! Será que a rapariga do biquini de correias da montra anda por lá?
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