A tradicionalmente reduzida palete de cores da relojoaria suíça tem-se alargado consideravelmente nos últimos tempos. Aqui ficam alguns considerandos cromáticos pessoais, com uma alusão especial para as tonalidades da bandeira portuguesa que têm estado em voga nos mostradores e que muito aprecio em relógios meus: o verde, numa variante mais escura presente no Oris Divers Sixty-Five Green, e o vermelho, num matiz exaltado no Maurice de Mauriac L2 Diver Deep Red que foi inspirado pela camisola de Eusébio no Mundial de 1966.
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Gosto de pensar que sou imune a modas passageiras. E orgulho-me de praticamente todos os meus relógios terem ultrapassado o teste do tempo, apresentando-se atualmente tão usáveis no pulso como aquando do seu lançamento – e houve muitos relógios de muitas marcas que, sobretudo na década de 80 mas também nos anos 90, se revelam intragáveis hoje em dia. No entanto, e apesar de estar aqui a promover desavergonhadamente o meu gosto supostamente intemporal, tenho de reconhecer que, há uns 12 ou 15 anos, posso eventualmente ter sido influenciado pela tendência estrutural da altura. Não, deixemo-nos de ‘eventualmentes’: fui mesmo influenciado (pelo menos de certa maneira), e há que dar a mão à palmatória.
Se hoje posso dizer e repetir que praticamente todos os meus relógios são usáveis, reconheço que alguns deles raramente foram usados por mim na segunda metade da década passada. Na altura, o que estava a dar mesmo eram relógios grandes (pelo menos 41 mm de diâmetro para os modelos ditos elegantes e uma média entre 43 e 47 mm para os mais desportivos) e monocromáticos (sobretudo pretos, tanto no mostrador como na caixa). E deixei gradualmente de usar relógios como o Jaeger-LeCoultre Master Réveil ou o Girard-Perregaux Vintage 1970 Chronograph, porque comecei a achá-los pequenos. E confesso que também vestia preferencialmente roupas mais escuras, do cinzento ao preto: mesmo que nos consideremos imunes, toda a conjuntura à nossa volta acaba por influenciar-nos de uma maneira ou de outra – muitas vezes de modo inconsciente, sem darmos por isso. É um fenómeno parecido com o da aculturação; se não formos eremitas, o meio ambiente vai forçosamente condicionar-nos… alguns mais, outros menos.
Serve este introito pessoal sobre modas e tendências para sublinhar um gosto atual bem mais policromático. Claro que continuo a optar por fatos pretos ou escuros para situações mais elegantes e formais, mas existe um apego muito maior às cores e a todas as cores em circunstâncias casuais ou desportivas. E isso também é válido para os relógios, evidentemente, sendo possível constatar a evolução da minha pseudo-coleção (‘pseudo’ porque é um acervo modesto e porque o termo ‘coleção’ deve estar sujeito a uma temática e não a qualquer acumulação aleatória) nesse sentido. Antes, gostava sobretudo de relógios com mostrador prateado clássico ou branco, ou com mostrador preto; nos modelos menos formais ou mais desportivos, preferia sobretudo o azul, ou então preto com azul e preto com laranja. Nunca andava muito longe desse espectro. Na presente década, a paleta cromática alargou-se e, hoje em dia, estou cada vez mais suscetível ao que se faz no domínio dos mostradores coloridos.
Crescente cromatismo
A relojoaria fina suíça é conservadora por natureza e permaneceu encarcerada numa reduzida palete cromática durante décadas a fio. Os catálogos da maior parte das marcas tinham invariavelmente modelos clássicos de mostrador branco ou prateado com correia preta e de mostrador preto com correia castanha, complementados por exemplares de mergulho de mostrador preto com bracelete metálica e variantes desportivas com mostrador preto acompanhado de detalhes a vermelho ou a amarelo. Ocasionalmente, surgiam mostradores azuis. E essa era a tradição, quebrada pelo experimentalismo de formas e cores na psicadélica década de 70 que quase assistia à morte da relojoaria mecânica devido ao surgimento de relógios baratos de quartzo vindos do oriente, na sua maior parte digitais.
A recuperação da indústria relojoeira suíça deu-se na década de 80 e com muita cor, mas sobretudo cingida ao universo de quartzo da Swatch ou aos inesquecíveis Formula 1 de primeira geração da TAG Heuer. Só com a ressurreição em força da relojoaria mecânica nos anos 90 é que começaram a surgir cores atrevidas na alta-relojoaria. Até porque, de um único relógio para toda a vida, as pessoas passaram a ter o hábito de usar relógios distintos para as diversas ocasiões do quotidiano. A meio dos anos 90, a Audemars Piguet deu que falar com o lançamento do Royal Oak Offshore em várias cores fortes. Depois, a Chopard evocou as cores nacionais dos antigos carros de corrida numa série especial Mille Miglia com cinco exemplares. A Franck Muller surpreendeu com o Crazy Colors. Entretanto, o advento dos grupos de luxo e a internacionalização das marcas levou até à Suíça designers e criativos menos tradicionalistas e mais ousados. E as marcas tornaram-se mais arrojadas.
O azul – o matiz daquele que é um dos mais carismáticos relógios de sempre e que cumpre agora o seu 50.º aniversário, o Monaco da TAG Heuer – começou a generalizar-se e a surgir em força, sendo especialmente adotado em edições limitadas de várias marcas (as edições das Boutiques Panerai são um bom exemplo). E em janeiro deste ano, no SIHH, viram-se mesmo relógios da Girard-Perregaux e da Baume & Mercier com mostradores azuis associados ao preto.
Mas o azul já vem de trás, numa tendência que remonta ao início da presente década. Mais recentemente, foi a vez do verde – cor que era raramente utilizada e que eu próprio sempre havia rejeitado num relógio meu. Mas a coisa mudou quando estava à espera de um Oris Divers Sixty-Five azul: pensei por que raio haveria de ter mais um relógio azul e solicitei a troca por um de cor verde. Não me arrependi: sempre apreciei o chamado british green, ou british racing green, uma tonalidade de verde com classe, que fica bem com correias pretas ou castanhas. E que até fica bem em ambiente marítimo, como pude constatar quando mergulhei com o Divers Sixty-Five Green em Key Largo: os mares ao largo da Florida são verdes. Entretanto, o mais recente mostrador verde da Oris também é interessante, num tom de menta. Outra originalidade!
Outra cor que nunca pensei ter no mostrador de um relógio meu é o vermelho. Só que há muitas tonalidades de vermelho, e sempre gostei do vermelho-velho, do vermelho-sangue, da cor-de-vinho – um matiz com auréola vintage que, no meu imaginário, sempre esteve ligada à camisola dos Magriços no Mundial de Futebol de 1966, que consagrou Eusébio. Partilhei com a Oris a ideia de um mostrador bordeaux para o Divers Sixty-Five numa eventual tiragem limitada para Portugal, mas a coisa gorou-se e, entretanto, esse mostrador surgiu numa edição especial do Divers Sixty-Five associada ao RedBar Group. A Oris não se ficou por aí…
Este ano, a marca de Hölstein voltou a insistir no vermelho e lançou em Baselworld uma nova versão do Big Crown Pointer Date que é particularmente do meu agrado – até porque a linha Big Crown é a minha preferida da Oris. Só que, entretanto, já tinha visto a minha ideia ‘sanguinolenta’ concretizada por outra via: no início de 2018 partilhei esse meu gosto pelo chamado red blood (e sou um grande fã do álbum ‘Under a Blood Red Sky’, dos U2) e pelos mostradores dégradé dos anos 70 com o meu amigo Daniel Dreifuss, da Maurice de Mauriac; inesperadamente, quando nos encontramos meses depois durante o torneio de Wimbledon, ele apareceu-me à frente com um L2 Diver Deep Red… que agora faz orgulhosamente parte da minha coleção.
O L2 Diver Deep Red, baseado num traçado original do designer industrial suíço Fabien Schwaerzler (autor das linhas L1, L2 e L3 da Maurice de Mauriac), apresenta um tom que na orla é quase preto e que vai passando do bordeaux até ao vermelho sangue, num mostrador com acabamento soleillé que apresenta um brilho muito especial quando banhado pela luz.
Claro que, para mim, se trata de um relógio muito especial por ser baseado numa ideia minha – para mais, com a conotação patriótica alusiva à lendária Seleção Nacional portuguesa do Mundial de 1966 que capturou o imaginário de todo um país durante décadas. Apesar de ainda não ser nascido na altura, tenho bem presente na memória a imagem de Eusébio a chorar após a derrota nas meias-finais com a Inglaterra. Uma imagem de ‘sangue (o tom da camisola), suor e lágrimas’. O curioso é que o equipamento da Seleção Nacional que se sagrou campeã no Europeu de 2016 (exatamente 50 anos depois!) tinha esse tom vermelho escuro nas mangas.
Futebóis e camisolas à parte, o certo é que o vermelho (sobretudo o vermelho em tons mais escuros) é mesmo a mais recente cor da moda na relojoaria. Este ano, para além do Oris Big Crown Pointer Date Red, também a edição especial Mille Miglia Classic Chronograph Zagato 100th Anniversary da Chopard coloca em grande destaque os tons avermelhados – em combinação com o Z da escuderia Zagato.
Outro dos exemplos do ano em curso é uma das novas versões do Swordfish, o cronógrafo de ‘olhos protuberantes’ que a Graham recuperou para o catálogo na comemoração do seu 15º aniversário.
E, embora não sejam tão recentes, convém não esquecer as edições Reverso com mostrador vermelho da Jaeger-LeCoultre. A mais recente, desvelada em 2018, tem um mostrador de tom mais escuro denominado Lie de Vin. Há cerca de quatro anos incluímos numa produção da revista um Grande Reverso 1931 Rouge Boutique Edition em tom vermelho vivo.
A par do verde e do vermelho, a cor salmão também tem surgido com algum destaque entre as novidades cromáticas dos últimos dois anos – desde a Patek Philippe à Czepek Genève, passando pela Gronefeld.
Qual será a próxima cor da moda na relojoaria fina? Aceitam-se palpites…
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