Para os antigos Gregos, os unicórnios não eram criaturas mitológicas, mas animais muito reais que supostamente viveriam na Índia. Já durante a época do Renascimento passou-se a acreditar que apenas uma donzela virgem seria capaz de domar uma destas criaturas que, chegado ao tempo presente, é agora sinónimo de um género de startups tecnológicas de grande sucesso.
Neste âmbito o termo ‘unicórnio’ foi popularizado pela primeira vez pela investidora Aileen Lee, quando no início dos anos 2000 escreveu no artigo “Welcome to the Unicorn Club: Learning from Billion Dollar Startups”, onde estimou que apenas 0,07% destas empresas iriam alcançar ou exceder uma valorização de um bilião de dólares. O termo “Super Unicórnio” está reservado para as startups capazes de alcançar 100 vezes este valor, como foram os casos da Google e do Facebook.
Recentemente o termo começou a popularizar-se também no mundo do colecionismo de relógios e, como seria de esperar, são os modelos vintage a única categoria até agora merecedora desta designação. Uma expressão que neste campo está reservada não a peças que ultrapassem um determinado valor, mas que sejam verdadeiramente únicas, excecionais e, porque não, totalmente improváveis.
É o caso de um relógio em particular que irá ilustrar uma das páginas do catálogo do próximo leilão temático da Phillips, intitulado de forma absolutamente atrevida ‘Daytona Ultimatum’. É verdade, Aurel Bacs continua a cavalgar a onda criada pela espetacular venda do Rolex Daytona 6239 que pertenceu a Paul Newman e que, no passado mês de outubro, em Nova Iorque, se tornou o relógio de pulso mais caro de sempre ao ser arrematado por 17,75 milhões de dólares.
O leilão, programado para o dia 12 de maio em Genebra, irá incluir um Daytona muito especial da coleção pessoal de John Goldberger. Uma peça da qual ninguém esperaria que o conhecido autor e colecionador pudesse vir a separar-se. Trata-se do único Rolex Daytona de corda manual com caixa em ouro branco conhecido no mundo e que, claramente, é merecedor da alcunha de ‘Unicórnio’.
Até à descoberta desta ref. 6265 em ouro branco, pensava-se que a Rolex apenas teria produzido no passado Daytonas em aço ou em ouro amarelo de 18kt, com alguns exemplares de 14kt destinados ao mercado norte-americano. Não sendo fora do comum a criação de mostradores personalizados e até de pulseiras especiais, era, no entanto, totalmente improvável que a Rolex se viesse a desviar do seu modus operandi que excluía as caixas em ouro branco.
Mas, e há sempre um mas, para um cliente suficientemente influente, a Rolex acabou por produzir o que os especialistas acreditam ser uma criação totalmente única – um Cosmograph Daytona ref. 6265 com caixa em ouro branco.
A pesquisa efetuada em torno desta peça mostra que o relógio foi fabricado em 1970 e entregue ao seu primeiro proprietário em 1971, em consequência de um pedido especial feito por um retalhista alemão. Tal como afirma a Phillips, quando saiu da manufatura, este seria muito provavelmente o Cosmograph mais raro, luxuoso e especial produzido até então pela Rolex.
A pesquisa efetuada em torno desta peça mostra que o relógio foi fabricado em 1970
A sua surpreendente descoberta, há cerca de dez anos, por John Goldberger, tornou-o numa parte indelével da história do Cosmograph Daytona que ninguém parece questionar. Os mais de três milhões de francos suíços de valor estimado para o modelo não fariam dele um unicórnio no mundo das startups tecnológicas, mas, felizmente, para o mundo do colecionismo de relógios vintage, é a raridade que conta.
Um argumento tão valorizado como o altruísmo inusitado de John Goldberger que decidiu doar a receita da venda do modelo à fundação de beneficência Children Action. Parece-me que a designação de unicórnio pode, assim, ser justamente atribuída tanto ao relógio em causa como ao atual proprietário.
Enfim, raridades…
—