Ao desvelar um novo movimento proprietário de manufatura, a Oris deu um passo determinante que terá repercussões para o seu futuro. O Calibre 400 é o primeiro movimento automático da marca de Hölstein, tem 5 dias de reserva de corda e uma garantia de… 10 anos!
—
O dealbar do novo milénio trouxe para o universo relojoeiro um conceito que não existia antes da chamada crise de quartzo: o da ‘manufactura’ enquanto validação de uma marca aos olhos de certos aficionados, a capacidade de uma companhia relojoeira ser capaz de confecionar todos os componentes de um relógio dentro de portas — ou, pelo menos, de fazer calibres exclusivamente seus. Mas a tradição da indústria relojoeira suíça assentava noutras premissas, mais precisamente num tecido democrático em que conviviam clientes e fornecedores especializados em calibres, caixas, mostradores, vidros e braceletes; contavam-se pelos dedos de uma mão as firmas capazes de fazer (quase) tudo sem o recurso a terceiros ou parceiros. Até que uma decisão estratégica e uma nova maneira de publicitar a relojoaria vieram mudar o cenário… e a Oris investiu nessa mudança para melhor.
A decisão estratégica foi a do Swatch Group anunciar que a ETA, a sua companhia especializada no fabrico dos movimentos utilizados pela grande maioria das marcas relojoeiras suíças, iria deixar de fornecer calibres e peças a marcas fora do grupo. A nova maneira de publicitar a relojoaria mecânica tradicional colocou especial ênfase no conceito de manufatura e na valorização de marcas capazes de idealizar/produzir os seus próprios movimentos, algo que estava apenas (e parcialmente) ao alcance das chamadas marcas de alta-relojoaria devido aos elevadíssimos custos inerentes. A Oris não é nem nunca quis ser uma marca de alta-relojoaria; é uma marca de prestígio com uma coleção inteiramente composta por despretensiosos relógios mecânicos de forte identidade e comercializados a um preço mais acessível — mas entretanto também já se tornou numa marca com movimentos ditos ‘de manufatura’.
Depois de muitos anos a utilizar calibres robustos e fiáveis da ETA ou, posteriormente, da Sellita com adaptações/personalizações próprias e mesmo módulos especiais da autoria da própria Oris, a marca de Hölstein lançou primeiramente em 2004 um movimento proprietário de corda manual e 10 dias de reserva de carga para modelos mais sofisticados e com um preço acima da sua média; esta semana surpreendeu tudo e todos com o lançamento do seu primeiro movimento proprietário de corda automática, um produto essencial para a sua própria afirmação no mercado relojoeiro e até no exigente meio dos aficionados. Mas o novo Calibre 400 não é um movimento qualquer: é um calibre dotado de uma autonomia muito superior (cinco dias!) à esmagadora maioria dos movimentos automáticos (que andam normalmente à volta dos dois dias); é um calibre idealizado para ser antimagnético, enquanto muitos dos movimentos vigentes contêm componentes que podem ser afetados pelo magnetismo; é um calibre de desgaste mínimo que só necessita de revisões gerais espaçadas a cada dez anos, quando o normal se situa nos três anos; e é um calibre que oferece uma inédita garantia de dez anos, ultrapassando os oito da Jaeger-LeCoultre, uma histórica manufatura com um posicionamento de preço bem superior.
Quem conhece a equipa que lidera a Oris sabe que não fazem nada por acaso nem deixam nada ao acaso. Há cerca de duas décadas, costumava dizer-se que eram necessários cinco anos para desenvolver um calibre e pô-lo ‘na rua’ e um total de dez anos para o seu amadurecimento. A modernização industrial encurtou significativamente esses prazos, mas é mesmo necessário muito cuidado antes de colocar um tal produto no mercado porque qualquer problema pode significar a ruina da reputação de uma marca. E a Oris teve extremo cuidado, tendo vindo secretamente a preparar o Calibre 400 há mais de cinco anos. Não é à toa que a marca assegura 10 anos de garantia e um espaço de 10 anos entre revisões gerais, solicitando no entanto uma pequena revisão intercalar para verificação de estanqueidade de modo a que o utilizador esteja à vontade para utilizar o seu relógio em qualquer circunstância.
O novo Calibre 400 foi cuidadosamente pensado para dar resposta prática a várias situações. Por exemplo, a da extensa autonomia (mais do dobro do que se vê habitualmente) que alguns poderão não considerar essencial para um movimento automático. Mas, nos dias que correm, há cada vez mais gente com mais relógios mecânicos — e, na troca, o utilizador pode usar outros modelos (Oris ou não) durante cinco dias e voltar a por no pulso um Oris equipado com o Calibre 400 ainda a funcionar. E depois há toda a estruturação inteligente do movimento, desde o tamanho até aos materiais, passando pelas soluções técnicas e pela própria arquitetura. Claramente um movimento a pensar no futuro.
A reserva de marcha de cinco dias é garantida por dois tambores de corda; o desenho do trem de rodagem e dos próprios dentes das rodas foi pensado para que não haja qualquer perda de energia através de uma fricção desnecessária — e, graças a esse design, a Oris garante que o seu novo movimento de manufatura transmite 85 por cento da torque da mola de corda, contra os 70 por cento em movimentos genéricos. O sistema de escape em silício também contribui para essa eficiência através de uma fricção mínima e a dispensa de qualquer lubrificação. Para além disso, o Calibre 400 apresenta um total de 30 componentes fabricados com materiais antimagnéticos, desde a roda de escape até ao próprio balanço. A marca adianta que efetuou testes até aos 2.250 gauss; para que um relógio possa ser categorizado como antimagnético, precisa de mostrar um desvio diário até mais ou menos 30 segundos após ser exposto a campos magnéticos de 200 gauss… o Calibre 400 apresenta, obviamente, registos de precisão muito superiores com mais ou menos 10 segundos após exposição a campos magnéticos de 2.250 gauss, mas a tolerância normal é de somente -3/+5 segundos. O que é excelente.
O sistema de carga unidirecional (garantido através de um rotor que, pela primeira vez desde 2001, não é vermelho) apresenta um interessante sistema alternativo: em vez do tradicional rolamento de esferas (seja em aço ou em cerâmica nos casos mais avançados), o Calibre 400 apresenta uma espécie de grampo deslizante que roda em torno de um pivot fixo. E as dimensões de 28 por 4,75mm fazem do novo movimento um ‘trator’ (termo carinhosamente utilizado na indústria para calibres robustos) versátil e preparado para relógios de caixas mais pequenas do que o Calibre 110 de corda manual e seus sucedâneos com 34mm — que, para apresentarem uma reserva de carga de 10 dias, precisavam de ser maiores e equiparem relógios Oris com 44 milímetros de diâmetro ou mais.
O Calibre 400 é suficientemente contido nas suas dimensões e tem suficiente potência para motorizar relógios de diâmetro mais pequeno e receber no futuro complicações adicionais através de módulos ou variações. E o mais importante é o preço final, não muito superior ao preço médio dos relógios da marca dotados de movimentos Sellita modificados. Numa era em que a simples menção ‘calibre de manufatura’ é justificação — na maior parte dos casos plausível — para um preço bem mais elevado, os relógios Oris vão conseguir ter um preço acessível, em consonância com a política de sempre da marca: relógios democráticos e de superior qualidade, acessíveis a um público mais alargado.
O peso da história
O novo Calibre 400 da Oris é ainda especialmente relevante tendo em conta que a marca fundada em Hölstein no ano de 1904 também ficou conhecida na indústria relojoeira pelo seu papel preponderante na preservação da relojoaria mecânica — quando a crise provocada pelo fluxo dos relógios baratos de quartzo oriundos do extremo oriente condenou à bancarrota mais de 900 empresas suíças na viragem da década de 70 para a de 80 e foi necessária uma medida radical para salvar a companhia.
Ao longo dessa crise que abalou o tecido empresarial helvético, a Oris passou de ser uma das 10 dez maiores marcas do mundo (graças à produção anual de mais de um milhão de relógios e quase mil empregados) para uma firma que estrebuchava no seio de uma holding (futuramente designada Swatch Group e que viria a incluir precisamente a ETA) então mais virada para a tecnologia do quartzo. Mantendo uma fé inabalável na relojoaria mecânica tradicional, o diretor Rolf Portmann e o responsável de marketing Ulrich Herzog compraram a Oris e mantiveram muitos dos funcionários que ainda restavam. Não salvaram todos os empregos, mas salvaram a marca. E não só preservaram a herança mecânica como recuperaram a sua independência e depois mostraram o caminho a muitas outras marcas, promovendo a cultura mecânica nas suas publicações e publicidade institucional. É por isso que o Calibre 400 faz todo o sentido e surge como uma espécie de (bom) karma: a Oris merecia um movimento assim, depois da família do Calibre 110.
Resta agora saber qual o primeiro modelo a receber o novo calibre. Se será um modelo especial e em edição limitada ou um modelo inserido na coleção regular, saído das linhas mais populares Aquis, Divers Sixty-Five, Big Crown, Artelier ou Artix. Uma publicação alemã adiantou já que o primeiro ‘afortunado’ será uma versão Aquis com preço ligeiramente abaixo dos 3.000 euros, mas esse vaticínio carece ainda de confirmação oficial. Quando se souber, cá estaremos para apresentar devidamente o relógio!
—