Quando a Rolex rimou com Comex

EdT47 — Pioneiras nas respetivas áreas, a Rolex e a Comex juntaram-se para dar maior profundidade à relojoaria e à humanidade. Os esforços combinados das duas empresas deram origem a um novo modelo de relógio, a vários recordes de mergulho e a preços exorbitantes em leilões.

Texto originalmente publicado na edição de verão 2014 da Espiral do Tempo, dedicada ao mar.

A Rolex pode ter granjeado, ao longo das últimas décadas, uma fama paralela associada ao status symbol — de tal modo que o antigo ministro francês Jacques Séguela chegou a declarar que «quem chega aos 50 anos e não tem o seu Rolex é porque falhou na vida», caindo em desgraça após proferir tão insensata afirmação. Mas a verdade é que a Rolex é sobretudo uma marca que construiu a sua reputação de excelência no fabrico de instrumentos de precisão da mais elevada qualidade nas mais exigentes circunstâncias — e a sua associação à lendária Compagnie Maritime d’ Expertises é o mais emblemático exemplo das diretrizes pelas quais se regeu, desde a sua fundação na primeira década do século XX.

Rolex Comex
Aparelho que simula a pressão do mar no relógio abaixo da superfície. © Rolex
| Foto de abertura: Submariner Comex © Antiquorum

Criada em 3 de outubro de 1961 pelo ex-militar e engenheiro Henri-Germain Delauze, e mais conhecida pela abreviatura Comex, a Compagnie Maritime d’ Expertises tornou-se na primeira empresa do mundo especializada em engenharia relacionada com o universo subaquático e vocacionada para intervenções em ambientes extremos — empurrada por novas exigências e novos mercados, como a indústria petrolífera e a construção dos seus poços de extração em alto mar. A partir de 1964, iniciou o desenvolvimento de um centro de ensaios hiperbáricos e um conjunto modular para estudos fisiológicos; desde então, e ao longo de meio século, a Comex conduziu mais de 5.300 operações com mais de um milhar de mergulhadores, promovendo quase três milhares de mergulhos humanos e cerca de meio milhar de mergulhos com animais — ao mesmo tempo que estabelecia recordes de vária ordem e concebia embarcações de pesquisa telecomandadas ou operadas diretamente por pessoal especializado. A sua área de intervenção estende-se dos trabalhos em profundidade à oceanografia, cartografia e arqueologia submarina.

Irmandade com a mesma terminação

Fundada em 1905, a Rolex também construiu uma boa parte da sua história em ambiente marítimo — resolvendo o problema da estanqueidade com a sua inovadora caixa Oyster, em 1926, graças à conceção de um sistema de rosca para o fundo, para a luneta e a coroa.

Rolex Comex
Submariner © Rolex

Ao mesmo tempo que a relojoaria de pulso se aperfeiçoava em meados do século XX, também a exploração subaquática de índole profissional e recreativa se foi desenvolvendo: passou a ser necessário medir com precisão os tempos de permanência debaixo de água, fazer a gestão das botijas de oxigénio e das fases de descompressão no regresso à superfície para eliminação de gases altamente nocivos. A Rolex aperfeiçoou o seu conceito Oyster com a introdução da coroa Twinlock com duas juntas, no início da década de 1950, e em 1953 lançava o Submariner com a garantia de que era o primeiro relógio de pulso estanque até 100 metros, estanqueidade que foi aperfeiçoada, meses depois, até aos 200 metros. Como não podia deixar de ser, o Submariner passou a ser um instrumento adotado pelos profissionais do mergulho — mas não só, já que a qualidade de construção ganhou adeptos em todas as áreas. O fundador da Rolex, Hans Wilsdorf, costumava dizer que «o mundo é o nosso laboratório» e a marca genebrina sempre manteve laços estreitos com exploradores e cientistas para colocar à prova e desenvolver os seus relógios; em 1953, a Rolex prendeu o experimental Deep Sea Special ao casco do batiscafo Trieste, inventado pelo suíço Auguste Piccard, e uma nova versão do protótipo Deep Sea Special acompanhou o Trieste na descida à Fossa das Marianas para o estabelecimento de um novo recorde de profundidade (10.916 m), em 1960, aguentando a incrível pressão de uma tonelada por metro quadrado.

O feedback proporcionado por mergulhadores ajudou à evolução do Submariner, que, à partida para a década de 1960, já tinha os ponteiros das horas e dos minutos bem diferenciados, uma graduação específica para os 15 primeiros minutos na luneta, uma coroa canelada de maiores dimensões e os protetores laterais da coroa inseridos na arquitetura de uma caixa que cresceu dos 36 milímetros de diâmetro do original de 1953 para os 40 milímetros da versão de 1959. Estavam definidos os princípios e os códigos estéticos que fariam do Submariner o relógio mais reconhecível do planeta.

Rolex Comex Deep Sea Special 1960
Deep Sea Special, de 1960 © Rolex

Com o advento da pioneira Comex e a parceria — quase uma irmandade — estabelecida com a Rolex, o desafio colocado por novas profundidades e técnicas de saturação conduziu a posteriores desenvolvimentos do Submariner — e não só. Graças a misturas de hélio e oxigénio nas suas botijas, os mergulhadores da Comex foram-se aproximando do limite de estanqueidade do Submariner e começaram entretanto a ter problemas com os seus relógios, após esses mergulhos cada vez mais fundos: na fase de ascensão, passaram a requerer períodos de recuperação em câmaras de descompressão para respirarem Heliox (mistura de gás com cerca de 95 por cento de hélio); as moléculas de hélio são tão nanomicroscópicas que se introduziam lentamente na caixa do relógio através das juntas de vedação, embora durante a descompressão da câmara não conseguissem escapar do relógio de modo suficientemente rápido. Consequência da enorme diferença de pressão entre o interior e o exterior: muitas vezes, o vidro saltava da caixa como se fosse uma rolha de champanhe e podia explodir, colocando em risco quem estava na câmara!

Novas fronteiras humanas e técnicas

Perante o problema, a Rolex teve de inventar uma solução. E patenteou uma válvula de escape de gás que permitiu ao hélio absorvido na caixa ser liberto a uma determinada pressão, sem que a estanqueidade do relógio fosse comprometida. A adaptação prática da válvula de hélio deu origem a um modelo ainda mais profissional do que o Submariner: o Sea-Dweller, de arquitetura e visual similar mas um pouco mais espesso e sem lupa no vidro para a data. Este assegurava estanqueidade até aos 610 metros e foi com ele que, em 1968, Henri-Germain Delauze — o fundador da Comex — se tornou no primeiro mergulhador a baixar aos 335 metros, chegando depois aos 360 para investigar pessoalmente os efeitos da chamada síndrome de alta pressão nervosa que colocava em risco de vida os profissionais da altura. Outra funcionalidade patenteada e estreada no Sea-Dweller foi o sistema Fliplock, baseado num elo que permitia a extensão da bracelete e a possibilidade de colocação sobre os espessos fatos de mergulho.
A parceria entre a Rolex e a Comex formalizou-se a ponto de a companhia francesa determinar a obrigatoriedade do uso de relógios da empresa genebrina no início da década de 1970. A crise petrolífera da altura levou à proliferação de plataformas por esse mundo fora, e a Comex aproveitou para fazer florescer o seu negócio, colaborando na construção e, sobretudo, assumindo a perigosa manutenção/reparação subaquática de milhares de plataformas petrolíferas.

Rolex Comex
Sea-Dweller Comex, de 1992 © Antiquorum

Entretanto, o Sea-Dweller testemunhou novos recordes de mergulho até que a marca de 501 metros, estabelecida em 1977, levou a Rolex a rever, uma vez mais, os seus próprios parâmetros de estanqueidade, passando a garantia do Sea-Dweller dos 610 metros para os 1220 metros, em 1978 — profundidade inalcançável por qualquer humano; nem mesmo por submarinos nucleares, que não podem baixar dos 750 metros devido ao risco de colapso da estrutura por causa da pressão. Até porque o hidrogénio utilizado para a respiração durante o mergulho de profundidade se torna tóxico a partir dos 700 metros, limite fisiológico para o mergulho humano, que mesmo assim foi ultrapassado em um metro por um mergulhador da Comex em 1992… com o seu Sea-Dweller a apresentar uma confortável folga de 519 metros.

Novos aperfeiçoamentos

O Sea-Dweller continuou a ser aperfeiçoado, recebendo posteriormente um novo vidro de safira acoplado à estrutura do meio da caixa com uma junta de polímero. A coroa Triplock foi estreada em 1970 com uma terceira junta de estanqueidade. Os avanços tecnológicos foram tão grandes que só quatro décadas depois, em 2008, houve novos desenvolvimentos com a introdução do novo e sobredimensionado (44 milímetros) Sea-Dweller Deepsea garantido até aos 3.900 metros com um sistema Ringlock baseado num anel central de compressão feito de uma liga de aço e nitrogénio, com um fundo em titânio e uma coroa Triplock aperfeiçoada. Mais uma vez, a parceria com a Comex revelou-se crucial: é que, para testar a estanqueidade em tão radicais índices de profundidade, foi necessário criar novos aparelhos e um tanque hiperbárico que simulassem a pressão do mar a 4.875 metros abaixo da superfície. Cada Rolex Deepsea é testado nesse tanque localizado na fábrica da Rolex em Genebra; em 2012, James Cameron usou a variante Deepsea Challenge para descer de novo ao fundo da Fossa das Marianas.

Rolex Comex
Deepsea Challenge © Rolex

Tal como a dialética entre a Rolex e a Comex deu origem a novos recordes, também as melhorias introduzidas no Sea-Dweller, e depois recentemente no Sea-Dweller Deepsea, beneficiaram o Submariner — tal como as melhorias do Submariner haviam dado origem ao Sea-Dweller há quase meio século. Aço inoxidável 904L, luneta rotativa em Cerachrom antirrisco e imune aos raios ultravioletas, material luminescente azul Chromalight e ainda aperfeiçoamentos tanto na bracelete como no fecho, sem esquecer o desenvolvimento de toda a parte mecânica. Este ano, a Rolex revelou a nova versão do Sea-Dweller (Sea-Dweller 4.000), que tinha sido descontinuado com a introdução do colossal Deepsea em 2008.


Recordes em leilões

Rolex tem cimentado a sua liderança no universo relojoeiro com uma produção que está cada vez mais perto do milhão de unidades por ano. A Comex também se desenvolveu para se transformar num grupo com mais de 2.000 empregados, incluindo 800 mergulhadores altamente especializados. O cruzamento das duas companhias fez aumentar a lenda que as envolve. «Eles faziam os carros que nós conduzíamos», afirmou simbolicamente Henri-Germain Delauze — que passou horas a fio a discutir os desenvolvimentos dos relógios de mergulho com o antigo presidente André J. Heiniger. «O timing é o aspeto mais importante no mergulho; a precisão é fundamental e qualquer descuido provoca acidentes de descompressão. Pode dizer-se que a ideia para a válvula de escape de hélio teve origem em mim; desenvolvi-a para resolver um problema que na altura ninguém sabia existir. É preciso deixar o hélio entrar, mas também é obrigatório deixá-lo sair». Sabe do que fala: no regresso do tal mergulho recorde de 335 metros, a câmara foi despressurizada demasiado depressa e ficou paralisado durante vários dias.

Rolex Comex
Submariner Comex, de 1976 © Antiquorum

Os relógios Rolex com o selo Comex no mostrador, que personificavam a parceria histórica entre as duas entidades nas décadas de 1960 e 1970, tornaram-se míticos; modelos personalizados do Submariner e do Sea-Dweller facilmente ultrapassam a centena de milhar de euros em leilões, subindo os valores consoante a sua raridade — sobretudo aqueles que a Rolex produziu para a Comex em escassas dezenas de unidades, com os Submariner Comex e os Sea-Dweller Comex a serem cada vez mais procurados por colecionadores que não olham ao preço para… aprofundarem as suas coleções. ET_simb

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