Relógios mecânicos: o processo de regulação

Independentemente de serem de corda manual ou de corda automática, é normal que os relógios mecânicos se atrasem ou adiantem alguns segundos por dia, mas sem ser em demasia. Se os valores se distanciarem consideravelmente em relação aos parâmetros decretados pelas marcas é porque pode ser necessário algum ajustamento ou manutenção.

Artigo desenvolvido em parceria com a AutoQuartzo.

Os preços tendencialmente mais elevados dos relógios mecânicos em relação aos relógios de quartzo levam muitas vezes algumas pessoas a pensar que esse mesmo valor se deve à sua superior precisão. E não são raras as vezes que estreantes de relojoaria mecânica menos informados regressam de novo à loja onde compraram o seu primeiro relógio mecânico para se queixarem de atrasos, por exemplo, quando o seu relógio de pilha não falhava nesse sentido. A verdade é que o preço elevado dos relógios mecânicos tem todo um vasto contexto que vai além da sua precisão e que deve ser compreendido e aceite à partida.

Sistema de escape da Rolex
O sistema de escape da Rolex. Este órgão tem a âncora e a roda de escape como componentes principais | Foto: Rolex

Quem compra um relógio mecânico deve estar, assim, consciente da sua compra e ter noção de que um relógio movido a engrenagens não vai indicar as horas com uma precisão igual à de outros dispositivos modernos, seja um relógio de quartzo, seja um smartphone, um smartwatch ou o computador. É, assim, normal que os relógios mecânicos se atrasem ou adiantem alguns segundos por dia – desde que estes desvios respeitem os parâmetros definidos pelas respetivas marcas.

Os desvios

Uma das perguntas que surge com frequência no âmbito da assistência técnica em relojoaria está precisamente relacionada com a precisão: como saber se um relógio mecânico – seja de corda manual ou de corda automática – está a atrasar ou a adiantar demasiado?

A resposta está nos parâmetros fabris. Por exemplo, os valores tolerados em relógios com o certificado COSC (Contrôle Officiel Suisse des Chronomètres) são de -4 a +6 segundos por dia, uma variação considerada muito boa para um relógio mecânico; por outro lado, as próprias marcas têm os seus parâmetros de precisão bem definidos. Se os valores se distanciarem consideravelmente desses parâmetros, é porque o relógio necessita de ser ajustado ou está a precisar de fazer uma boa manutenção.

A tolerância de precisão é disponibilizada pela própria marca no momento de aquisição do relógio, por isso, convém estar atento.

Colocação da âncora no echappemetre. Este dispositivo permite ajustar a posição das palhetas da âncora do mecanismo e desta forma afinar o seu encaixe entre os dentes da roda de escape. A âncora tem como função controlar o movimento da roda de escape, permitindo que a energia recebida seja libertada sequencialmente na medida necessária para o correto funcionamento do balanço| Fotos: AutoQuartzo

O que fazer?

Se notar desvios, mas esses desvios estiverem nos limites aceitáveis definidos pela marca, experimente mudar a colocação do relógio durante a noite na mesinha de cabeceira, por exemplo: se for deixado com o mostrador para cima, tenderá a ganhar um ou dois segundos por noite. Experimente assim os vários posicionamentos e calcule as diferenças para descobrir diferentes posições que se anulem entre si. Um bom relojoeiro poderá fornecer-lhe a indicação dos valores que o relógio está a ganhar ou a perder nas diversas posições, com uma máquina especialmente concebida para medir essas discrepâncias.

Na verdade, a precisão do relógio é alcançada através do fenómeno da ‘compensação de erros’ entre posições. Um relógio que, colocado numa única posição durante o dia, adianta dois segundos, e, no dia seguinte, noutra posição, atrasa dois segundos, não possuirá variação alguma ao terceiro dia. O mesmo raciocínio pode ser aplicado às alterações de temperatura, embora atualmente os materiais e óleos utilizados tendam a ser imunes às variações.

À esquerda: processo de equilíbrio do balanço. Quando são detetados desvios significativos durante os testes de regulação da marcha, ajusta-se o peso do balanço em várias posições para garantir uma melhor precisão. À direita: cravação da espiral depois de feito o equilíbrio do balanço | Fotos: AutoQuartzo

De qualquer forma, o relógio estará sempre dependente de hábitos e de vidas: alguém que tenha tendência para manter o pulso em apenas uma posição (que trabalha ao computador, por exemplo) fará com que o seu relógio acumule regularmente todos os erros relativos àquela posição. Em caso de dúvida face à performance cronométrica, o ideal será mesmo deixar o relógio num centro de assistência técnica de confiança.

Testagem e regulação

Independentemente da existência de desvios ou não, todos os mecanismos de precisão necessitam de manutenção depois de um certo tempo. Em regra geral, um relógio necessita de um serviço completo de revisão a cada período de três a seis anos, embora haja cada vez mais marcas a recomendar intervalos de revisão mais elevados. Porém, caso algo corra menos bem ou caso se notem alterações consideráveis ao nível da precisão, o relógio deverá ser alvo de vigilância e diagnosticado num centro de assistência especializado, como referimos anteriormente, tendo como ponto de partida a testagem do movimento no relógio montado. A partir do momento em que se verifica a necessidade de intervenção, dá-se início ao processo efetivo de regulação.

Parecem imagens iguais, mas não. À esquerda: faz-se a montagem de todos os componentes, no seguimento dos processos anteriores, para que sejam feitos os devidos testes que garantem o sucesso da ‘operação’. À direita: regulação da marcha. Se o relógio se desviar dos padrões de regulação, faz-se então esta afinação, ajustando o balanço para garantir uma melhor precisão conforme as tolerâncias de fábrica | Fotos: AutoQuartzo

Eis assim as etapas gerais desse serviço, que podem eventualmente, ter ligeiras diferenças, consoante as marcas:

1| Abertura do fundo
Abre-se o fundo do relógio com ferramentas próprias no caso das caixas clássicas fechadas à pressão. No caso dos relógios desportivos e submetidos a grande pressão atmosférica ou aquática, o fundo abre-se com recurso a prensas rotativas com acessórios especiais adaptados aos fundos roscados das caixas.

2 | Desmagnetização
O movimento é desmagnetizado através de um aparelho especial para o efeito, de modo a permitir a liberdade total das peças afetadas pelos campos magnéticos exteriores. Fecha-se o relógio.

3 | Verificação manual em seis posições
O relógio é colocado num microfone rotativo para ser feito o controlo da precisão. O valor apresentado pelo aparelho, designado como cronocomparador, é registado. Depois, faz-se a testagem em quatro posições verticais e duas posições horizontais que simulam as posições reais a que um relógio é submetido sempre que é usado no pulso. Registam-se os valores obtidos.

Processo de regulação por parafusos com recurso a chave própria. No caso específico destas imagens, trata-se do sistema Microstella© do balanço da Rolex, um sistema de regulação da marcha nos balanços de inércia variável. Os parafusos voltados para o lado interno são deslocados de modo a alterar o momento de inércia e, consequentemente, a frequência de oscilação | Fotos: AutoQuartzo

4 | Processo de regulação que, mediante o movimento, pode ser feita de duas formas:

  • Regulação por chave de registo : com recurso a uma chave de registo, encurta-se ou estende-se o comprimento ativo da espiral que é, no fundo, o que faz adiantar ou atrasar o órgão regulador no movimento. Este sistema também é munido de um parafuso para efetuar uma afinação mais curta, neste caso mais precisa.
  • Regulação por parafusos ou masselotes: através de chaves próprias para o efeito, faz-se deslocar os parafusos ou masselotes do balanço de forma a alterar a distribuição do peso em relação ao centro, permitindo assim adiantar ou atrasar.

6 | Verificação do desempenho
Depois de verificado o desempenho do movimento e de garantir que o mesmo se encontra dentro dos parâmetros fiabilidade é que o relojoeiro volta a encaixar o movimento na caixa.

Os parâmetros fabris servem de guia na hora de acompanhar a precisão efetiva de um relógio mecânico. Na imagem: Reverso Tribute Chronograph Rose Gold | Foto: Miguel Seabra/ Espiral do Tempo

5 | Fecho do fundo
Substituição dos vedantes, seguida do fecho do relógio.

7 | Testagem da estanqueidade
Efetua-se o teste de estanqueidade num aparelho próprio para o efeito. O relógio já fechado é submetido a vácuo e a pressão, de modo a obter no final um valor positivo que é imprimido em papel.

8 | Nova testagem em seis posições
O relógio volta a ser colocado num microfone rotativo e é testado pelos menos 48 horas em seis posições. Os valores indicados no cronocomparador que apresentam a média resultante das seis posições são impressos em papel.

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