Rui Brito: da arte aos relógios

EdT54 — Para o número 54 da Espiral do Tempo (primavera 2016), convidámos Rui Brito, da Galeria 111, a testar, durante 48 horas, um relógio de pulso que fosse do seu interesse. A escolha recaiu sobre o novo Geophysic® Universal Time da Jaeger-LeCoultre e o testemunho foi publicado na primeira pessoa. Como complemento, entrevistámos depois o galerista para ficarmos a conhecer melhor a sua faceta de colecionador e apaixonado pela alta-relojoaria. Aqui fica a versão completa da entrevista publicada na edição impressa.

Versão completa da entrevista originalmente publicada no número 54 da Espiral do Tempo.

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© Espiral do Tempo / Paulo Pires

Qual é o papel que o relógio ocupa na sua vida?
Usufruo desde pequeno do privilégio de respirar este universo fascinante, mas pouco organizado, algo caótico, muito espontâneo, que é o da arte. O relógio tem o papel de contraponto na minha vida, face a esse mundo da arte e dos artistas. Preciso desse equilíbrio. Também há a ideia de que o relógio é o espelho da personalidade da pessoa, e eu acredito nisso.

Como é que esta paixão despontou?
Comecei muito cedo a gostar de relógios. O primeiro relógio que desejei realmente foi um TAG Heuer, devido à influência do Ayrton Senna, de quem gostava muito. Adorava os anúncios da altura. Com 18 anos comprei um Franck Muller, um cronógrafo, e lembro-me de ter precisado de uma bracelete. Fui à relojoaria perguntar o preço, mas nunca me deram a informação. Não me levaram a sério (risos). Quando perguntava o valor de relógios de 10.000 € ou 15.000 €, não contavam que alguém com 17 anos ou 18 anos pudesse estar realmente interessado em adquirir uma peça daquelas.

Portanto, a primeira coisa que o atraiu num relógio foi a estética.

Acho que sofro do ‘defeito’ da estética, porque, desde pequeno, estou rodeado de coisas bonitas, pintura, escultura… O relógio sempre foi um adereço que me atraiu. Às vezes, sou mal interpretado, porque quando estou com pessoas ou clientes dou comigo a olhar para o relógio. Podem pensar que as estou a despachar (risos), mas estou apenas a admirar a peça que tenho no pulso.

Esteticamente, prefere relógios discretos…
Sim, apesar de ter feito incursões pelos relógios de ouro rosa, acho sempre que são demasiado vistosos. Um dos relógios que mais usei foi um Rolex, mas hoje não me sinto tão bem com ele porque é facilmente reconhecido. Uma das complicações de que mais gosto é o GMT, e sempre que viajo uso relógios com essa função. Este Rolex é GMT, a última versão do ‘Batman’ azul e preto. Usei-o muito, mas dá muito nas vistas.

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© Espiral do Tempo / Paulo Pires

Para o Extreme LAB 2 da Jaeger-LeCoultre não olham?
(risos) Olham, mas não sabem o que é. Aliás, em Miami, entrei numa relojoaria que representava a Jaeger-LeCoultre e mostrei o relógio ao vendedor, para ver se adivinhava qual a marca e o modelo. Perguntou-me se era um Richard Mille!

Gosta, então, de relógios discretos, pouco reconhecíveis, pretos…
Gosto muito de mostradores em preto, de caixas em titânio, de relógios com GMT. Os meus têm normalmente mostradores pretos, mas é engraçado que já experimentei relógios totalmente pretos, e acabam por cansar. O calendário perpétuo também é uma complicação que aprecio. Por outro lado, no outro dia, ao ler um artigo da vossa revista, deu-me imensa vontade de acordar ao som do (JLC) Memovox Revéil. Julgo que é o Miguel Seabra que diz que os tons do iPhone são horríveis para acordar e que o som de um martelinho mecânico é muito mais agradável.

E quando é que começou a interessar-se não só pelo lado exterior, mas, também, pelo interior dos relógios?
Quando comecei a falar em relógios e a querer comprar o tal TAG Heuer, um amigo da minha tia incentivou-me a frequentar relojoarias e a conhecer outras marcas. Acabei por comprar um relógio mais a sério. Tinha 17 anos quando adquiri um Breitling Chronomat. Disseram-me que era uma boa oportunidade, e, na juventude, é normal gostar-se mais de cronógrafos. Mas, ao recapitular o meu percurso na relojoaria, lembrei-me de que o primeiro relógio que tive com uma complicação ‘diferente’ foi um Master Geographic da Jaeger-LeCoultre. Mais tarde, com os projetos associados à arte portuguesa, comecei a gostar muito da Jaeger-LeCoultre que é, das manufaturas tradicionais, a que mais arrisca e cujos técnicos mais me têm surpreendido.

Essa ideia da ‘boa oportunidade’ permanece em si enquanto comprador?

Para eu comprar um relógio, têm de estar reunidas uma série de condições. Hoje compro menos, mas prefiro peças mais selecionadas.

E que condições são essas que gosta de ver reunidas?
Valorizo muito, além da componente estética, o lado da inovação. Já se inventou tanta coisa na relojoaria mecânica, como na arte, que há a ideia de que já está tudo inventado. Quando há um objeto que nos desperta surpresa, torna-se fascinante. Isso aconteceu-me com o Extreme LAB 2, que considero um relógio pioneiro. Nunca tive um relógio com tanta inovação como esse.

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© Espiral do Tempo / Paulo Pires

É o seu relógio de eleição?
Sim, para já (risos). Há outro relógio que uso quase non-stop desde 2006, o Nautilus (Patek Philippe). É um relógio com uma bracelete que se adapta muito bem ao pulso.

O Nautilus, no entanto, vem na tradição do Royal Oak (Audemars Piguet), pelo qual, tanto quanto sei, não nutre tanta simpatia.

Há quem diga que o Nautilus resulta de um aperfeiçoamento do Royal Oak (RO) feito pelo Gérald Genta — que primeiro desenhou um modelo e depois o aperfeiçoou na versão Nautilus. (risos) Acho que há mais pessoas a gostarem do RO, mas, para mim, o Nautilus tem linhas mais harmoniosas, é um relógio que se vai descobrindo. Acho as arestas do RO muito agressivas, e o Nautilus, sinto-o como uma segunda pele. Esteticamente, é lindíssimo. Quando vejo alguém com um, fico a admirá-lo; é uma peça que me diz muito. Acho que há uma versão que faz falta ao Nautilus, um ‘calendário perpétuo’. Quando se entra em determinados valores, a escolha tem de ser muito mais ponderada. Quando penso em alta-relojoaria e na aquisição de uma dessas peças, penso em algo que tem de estar próximo da perfeição. Acho que perdi o espírito do colecionador a sério, aquele que se esquece dos relógios que tem. Gosto de me fundir com o relógio, tem de haver cumplicidade, contacto diário, regular com ele.

Agora compra os relógios para os usar, não necessariamente para os colecionar, é isso?

Sim.

O que é curioso, porque o seu mundo é o do colecionismo…
Pois, coleciono arte. Hoje, considero-me mais um amante de relojoaria e não tanto um colecionador. Já tive mais relógios do que tenho, hoje sou mais rigoroso nas peças que escolho para me fazerem companhia.

O Jack Heuer disse-nos uma vez em entrevista que faz cada vez menos sentido falar em precisão quando nos referimos à relojoaria mecânica. Diz ele que o relógio é mais o reflexo da personalidade da pessoa, como o Rui há pouco comentou. No entanto, de acordo com a sua personalidade, que é muito rigorosa, acha que faz sentido pensar em precisão no relojoaria mecânica?
O que o Jack Heuer disse é verdade, mas há mínimos. (risos) Sempre fui extremamente pontual. Fico ansioso se me atraso. Tenho a obsessão de, duas vezes por dia, de manhã e à noite, ir ao site do Laboratório Astronómico de Lisboa verificar a hora e os níveis de precisão do relógio que estou a usar. Bem sei que estamos sujeitos a diversos fatores que podem alterar a precisão de um relógio mecânico, mas há mínimos. Tenho consciência de que determinadas marcas se portam melhor do que outras. Estávamos a falar da Rolex, que tem mecanismos simples que estão mais do que estudados, mas são muito precisos e fiáveis. No que respeita a inovação técnica, não está ao nível de outras marcas, não está ao nível de um Extreme LAB — que tem 569 peças e é supercomplexo. Mas, apesar de estar muito satisfeito com a precisão do Extreme LAB, é claro que não pode ter a mesma precisão que um Rolex. Dependendo da marca e do modelo, sou mais tolerante.

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© Espiral do Tempo / Paulo Pires

Em que medida surgem conversas à volta dos relógios no mundo global onde vive, o da arte?
Arte e alta-relojoaria são mundos próximos. A Feira de Arte de Basileia é apoiada pela Audemars Piguet, que tem sempre um relojoeiro presente a trabalhar e um espaço onde se fala de relojoaria. Quando frequento feiras ou exposições de arte é frequente ver boas peças, mas as pessoas têm um lado snob. Observam o que o outro tem no pulso, mas não comentam assim tanto. Sempre que tento puxar o assunto, as pessoas ficam desconfortáveis.

Acha a paixão relojoeira dos portugueses diferente da de outros povos?

O português informa-se, é muito interessado e tem uma cultura relojoeira grande. Acho que a podemos comparar à dos italianos.

Se vai para um determinado evento, pensa no relógio que leva ou escolhe o relógio independentemente do sítio para onde vai?
Considero-me uma pessoa muito informal e cultivo esse lado. Há três ou quatro relógios que uso com regularidade e que refletem essa informalidade.

Tem algum relógio de que goste especialmente, mas não por lhe reconhecer um especial interesse relojoeiro?
Herdei um relógio do meu pai que guardo com muita estima. É um Vacheron Constantin Extra Plano. O meu pai foi a Itália fazer um negócio. Aquilo correu bem, e no aeroporto viu esse relógio, em ouro branco, muito bonito, muito simples, e achou que merecia um prémio pelo negócio que tinha feito. Os preços eram em liras — o relógio custava milhões de liras e o meu pai fez mal a conversão. Só se apercebeu de que ia pagar uma fortuna quando já tinha a garantia assinada. Acabou por comprá-lo, mas ele não era pessoa de gastar muito dinheiro em relógios.

Também faz como ele fez? Quando concretiza um bom negócio, presenteia-se com um relógio?

É diferente. Não tento arranjar desculpas. Costumo dizer que o Natal é todos os dias. (risos) Gosto da questão do namoro, de investigar, de consultar os fóruns, de acompanhar as novidades das feiras relojoeiras. É aí que começo a namorar um relógio, e como sei que tenho de esperar por ele, tenho tempo para ir descobrindo a peça.

Como é que gere o seu tempo? Ao segundo, presumo…
(risos) Gosto de organizar e aproveitar bem o dia, de acordar cedo. Contabilizo as horas que vou dormir. Acho que cronometro tudo, desde as viagens ao tempo que demoro a chegar a um sítio qualquer; faço estimativas; a minha relação com o tempo é constante, daí o objeto
que são os relógios ser tão importante e abrangente, não só pelo lado estético como pela função.

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© Espiral do Tempo / Paulo Pires

Consegue sair à rua sem relógio?
Não. Sinto-me despido. Tenho de voltar atrás. Um dos poucos sítios onde não uso relógios é no Brasil. Não é porque esteja mais descontraído e ponha o relógio de lado, é mesmo por uma questão de segurança. E no Brasil também não vale muito a pena saber as horas. Por exemplo, em S. Paulo, com aquele trânsito, não vale a pena estar a contar o tempo e desejar chegar a horas a qualquer lado… Também não costumo levar relógios para a praia. Já levei Rolex, mas hoje já não o costumo fazer.

Vê os smartwatches como relógios ou como gadgets?

Para mim, é um gadget. Como gosto de gadgets, acompanho as evoluções. Já li sobre ele, vi vídeos, mas ainda não me senti tentado. Curiosamente, a função que acho mais engraçada no TAG Heuer Connected é a possibilidade de selecionar diferentes mostradores.

Se tivesse de comparar o seu Extreme LAB 2 a um artista plástico, a quem o comparava?

(pausa longa) Alguém contemporâneo, inovador, irreverente, mas sólido. Não é fácil… Como é um relógio com caraterísticas tão diversas, é de combate, pode fazer expedições em ambientes extremos, mas é altamente complexo e esteticamente apelativo.

O Francis Bacon?
Estava a pensar em alguém vivo, mais contemporâneo. É difícil. Comparar relógios com carros é mais fácil. (risos)

Os seus relógios são todos automáticos?
São todos automáticos. Mas não tenho nenhum preconceito em relação aos de corda manual. Gosto do mecanismo, mas é curioso que os que mais gosto de corda manual são os ‘calendários perpétuos’, o que é um contrassenso. Um calendário perpétuo precisar de corda manual não faz muito sentido. Para mim, que gosto de usar os relógios, faz mais sentido que sejam automáticos. São mais bonitos porque se pode ver melhor o mecanismo.

De modelos esqueletizados, gosta? Além do Extreme LAB 2, claro.

Gosto de escolher um relógio que traduza a minha personalidade e maneira de ser, e os esqueletizados são muito tradicionais.

Que relógio escolheria para uma senhora?

Sem limite de orçamento?

Sim, claro!
Gosto muito do Nautilus. ET_simb

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