Há uma atração quase irresistível por parte de quem escreve sobre alta relojoaria para fazer analise económica sobre o setor, como se esse fosse o ângulo principal sobre o qual a maioria dos consumidores baseia a sua opção de compra. Um exercício de redação que é executado como se o autor se estivesse a dirigir aos leitores de um Financial Times.
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O facto, é que só mesmo a própria indústria, e quem orbita em torno dela, tem verdadeiramente interesse nessa análise, se feita de uma forma mais aprofundada. O consumidor, esse, comporta-se como um voyeur involuntário de um género de informação que aprecia apenas marginalmente. É interessante, mas será que contribui, em último instância, para uma cabal apreciação da qualidade intrínseca de um determinado relógio? Estou convencido que não.
O já célebre hashtag ‘Make Swiss Made Great Again’ (#MakeSwissMadeGreatAgain), lançado ainda antes do inicio do salão de Genebra pela H. Moser, e que se inspira no controverso slogan de campanha do recém empossado presidente dos EUA, pretendia traduzir a insatisfação latente desta manufatura de Schaffhausen sobre o rumo que a etiqueta ‘Swiss Made’ parece estar a tomar.
Mas poucos dias antes, este hashtag tinha sido precedido por um outro lançado pelo nosso amigo Marc-André Deschou, da watchestv.com, para veicular uma mensagem mais abrangente e com a qual me identifico muito mais: ‘Let’s Make Watchmaking Great Again’. Uma frase que resume de forma exemplar o distanciamento da realidade que invadiu uma parte dos nomes mais sonantes da relojoaria nos últimos anos, e que se refletiu em estratégias de marketing no mínimo tontas e em aumentos de preços indiscriminados dificilmente justificáveis.
Mas mesmo com ventos de mudança a soprar pelos corredores atapetados do SIHH deste ano, houve algumas marcas presentes neste salão que insistiram num discurso que, cada vez mais, parece estar em contracíclo com a vontade expressa por parte de quem, afinal, tem a última palavra neste domínio: o consumidor. De outra forma, como deveremos entender a frase proferida logo no início de uma apresentação à imprensa, por parte de uma gestora de produto de uma conhecida marca, que afirmava, ipsis verbis: «durante os próximos 45 minutos o nosso objectivo é convencer-vos que gastar 300.000 francos suíços num relógio é a coisa mais cool do mundo!!!»
Este género de mensagem, facilmente absorvida e posteriormente divulgada pelos meios de comunicação mais impressionáveis e menos informados, parece ter os dias contados. Lentamente (muito lentamente mesmo…), as marcas que há décadas nos fazem sonhar, começam a concentrar a sua mensagem naquilo que é essencial e que resulta numa forma de ver a alta relojoaria de dentro para fora, e não, como vinha sendo hábito nos últimos anos, de fora para dentro.
É a partir do mais pequeno dos componentes, e da forma como é concebido, projetado, pensado, executado e acabado, que tudo deve começar. A forma como todos eles interagem entre si formando uma complicação tem de estar intimamente ligado à história e ao ADN da marca que deve poder ser verificável por parte de quem estuda e se deixa apaixonar pelo mundo da alta relojoaria.
Conceber um relógio e criar, literalmente, uma realidade virtual paralela à volta dele, deixou de ser uma alternativa credível. O sucesso de muitos dos chamados criadores independentes será provavelmente o melhor exemplo disso. A sua curta existência, quando comparada com a idade dos veneráveis nomes surgidos durante o século XIX e inicio do século XX, permitiu-lhes definir de forma concreta e descomplexada aquilo que queriam ser sem ter de recorrer aos pecados do marketing contemporâneo, escravo dos relatórios de contas anuais dos grandes grupos. Resultado, o público mais atento identifica-se com a sua expressão criativa e reage positivamente à sua interpretação particular do que é a alta-relojoaria dos nosso dias.
Quem tenha lido de fio a pavio a recém editada biografia autorizada da Patek Philippe, magistralmente pesquisada e escrita por Nicholas Foulkes, verá nesta marca um exemplo de uma manufatura em paz consigo mesma, em que cada novo modelo se espelham quase 178 anos de história e evolução contínua que se confundem com a história da própria relojoaria. A única coisa que a casa genebrina teve de fazer foi manter-se fiel a si própria, justificando com uma inabalável lógica evolutiva o pensamento por detrás de cada nova criação. Na história que nos é contada por Foulkes, e tal como nos relógios que a marca produz, todas as peças encaixam e interagem de forma perfeita. Uma das razões principais porque esta se mantém numa posição cimeira no imaginário da maioria dos apreciadores de alta-relojoaria.
Cabe-nos, assim, a nós, irredutíveis apaixonados por este mundo fascinante, dar expressão a esta palavra de ordem que visa devolver o brilho à relojoaria mecânica, pouco a pouco, e sempre de dentro para fora.
Por isso, digam todos comigo: «Let’s Make Watchmaking Great Again»!
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