Spacetime: o Reverso Tribute Nonantième por Michael Murphy

No âmbito da celebração do 90º aniversário do Reverso, a Jaeger-LeCoultre encomendou uma instalação a Michael Murphy que reinterpreta em grandes dimensões o Reverso Tribute Nonantième, uma das novidades deste ano. A obra intitula-se Spacetime e esteve em exibição na exposição Timeless Stories Since 1931, em Paris, depois de ter sido inaugurada em Xangai. A este propósito, a Espiral do Tempo teve uma breve conversa com o artista americano.

Depois de ter celebrado, ao longo de 2021, o 90º aniversário do Reverso através de diversas iniciativas e lançamentos, a Jaeger-LeCoultre apresentou em Paris, entre 21 de outubro e 24 de dezembro, o conceito Timeless Stories Since 1931, uma exposição retrospetiva dedicada ao mais conhecido dos seus relógios de pulso. À entrada, esteve exposta uma instalação artística de grandes dimensões encomendada pela marca relojoeira a Michael Murphy. Intitulada Spacetime, a obra suspensa composta por 70 componentes explora a relação entre as três dimensões físicas do espaço e a quarta dimensão do tempo, através da desconstrução de uma imagem em grande escala do Reverso Tribute Nonantième, uma novidade que apresenta as horas de forma distinta em cada face e que o próprio artista americano estava a usar no dia em que visitámos a exposição. Vista dos lados a instalação revela-se um conjunto de elementos sem lógica aparente e, à medida que vamos circulando em torno da obra, vão-se formando imagens distintas até que todas as peças revelam o sentido da sua relação, ou seja, dar origem à imagem completa do relógio, com as duas faces e os diversos componentes que dele fazem parte. Esta forma de dar as boas-vindas tem tudo a ver com o próprio Reverso, um relógio que se tem distinguido pela capacidade de reinvenção graças ao potencial da sua reversibilidade: primeiro, um caixa com mostrador e verso metálico, mas, com a evolução, um relógio que guarda em si inúmeras possibilidades criativas – tanto estéticas, como técnicas. A instalação foi inicialmente apresentada em abril, no salão Watches and Wonders, em Xangai. E traduz na perfeição o conceito de arte percetiva associado ao trabalho de Michael Murphy. Em Paris, a Espiral do Tempo teve a oportunidade de conversar um pouco com o artista americano.

Spacetime por Michael Murphy | © Jaeger-LeCoultre

Para alguém que não esteja familiarizado com o seu trabalho artístico, como definiria ou apresentaria o conceito de Arte Percetiva que está na sua base?
Eu refiro-me ao meu trabalho como Arte Percetiva porque o trabalho que desenvolvo está, acima de tudo, ligado à perceção. Quando estou a fazer um trabalho, não estou a tentar fazer uma imagem ou um objeto, mas estou a fazer uma experiência, uma experiência percetiva, que desafia o modo como as pessoas compreendem aquilo que estão a ver, aquilo que está à sua volta. É uma experiência única que desafia as nossas perceções.

Michael Murphy com a escultura do Jaeger-LeCoultre Reverso Nonantième de fundo
Michael Murphy | © Jaeger-LeCoultre

De um modo geral, de onde vem a inspiração para o seu trabalho?
A inspiração surge de vários lados. Na natureza pura, como as nuvens. Quando olhamos para as nuvens, conseguimos ver animais, por exemplo. Depois, passar o tempo na natureza. Quando estamos entre árvores ou na floresta, conseguimos ver diferentes imagens. Se nos aproximarmos, parece que começam a surgir coisas diferentes aos nossos olhos. Tudo isto está relacionado com a perceção. Durante toda a minha vida fui fascinado pelo modo como as coisas à nossa volta são percecionadas. Quando vemos um animal numa nuvem não se trata de um animal, mas sim de uma nuvem. Somos nós próprios que nos permitimos a percecioná-la como uma coisa diferente daquilo que realmente é. E isto é algo de percetivo que está a acontecer, é a nossa perceção. Depois existem todos os fenómenos mecânicos e visuais que me fascinam, como a paralaxe e o alinhamento visual de elementos à medida que vamos passando e olhando. Sou obcecado pela paralaxe…

Jaeger-LeCoultre Reverso Tribute Nonantième frente e verso
Jaeger-LeCoultre Reverso Tribute Nonantième, o relógio que inspirou a instalação de Michael Murphy | © Jaeger-LeCoultre

Desde quando sente este fascínio?
Desde sempre. É normal verem-me a alinhar coisas e a procurar este tipo de fenómenos à minha volta. Não se trata de um problema, mas é mais uma espécie de hobby. Gosto de endireitar as coisas. Como agora: olho e vejo um canto ali e outro do outro lado e, de repente, olho para os cantos e começam a acontecer diferentes relações. É incrível o modo com as coisas mudam de acordo com o ponto de vista. É algo verdadeiramente único e que acontece de forma subtil. E acho tudo isto muito interessante, ao ponto de ter desenvolvido a minha carreira em torno de tudo isto. Muitas pessoas poderiam considerar um pouco pateta esta forma de ver as coisas e questionar o que fazer com elas, dando pouca importância. Mas no meu caso eu tento descobrir o que posso fazer a partir daqui.

Michael Murphy trabalhando na sua escultura do Jaeger-LeCoultre Reverso Nonantième
Michael Murphy trabalhando na sua instalação do Jaeger-LeCoultre Reverso Nonantième | © Jaeger-LeCoultre

Qual a relação que encontra entre o seu trabalho e a relojoaria?
Há uma harmonia de partes. Há muitas partes diferentes que têm de funcionar perfeitamente em conjunto, em perfeita harmonia. Não há peças a mais. Tudo tem um propósito. No meu trabalho tudo funciona da mesma forma. Há muito para editar e estou constantemente a redefinir para ter a certeza de que não há partes extra. Cada peça tem um papel específico no conjunto global. Agora que sei muito mais sobre relojoaria do que antes sabia, estou sempre a imaginar paralelos entre o meu trabalho e a relojoaria – muito mais do que fazia anteriormente. Agora sei como funcionam os relógios mecânicos e não tinha grande ideia. Portanto, trata-se de uma grande iniciação. Considero impressionante o modo como os relógios são construídos e como são carregados – com todos os elementos integrantes e peças como a mola de corda, a espiral e peças reguladoras, etc. Para mim, é tudo realmente muito fascinante. Eu adoro hardware e coisas mecânicas, por isso ando encantado com o que existe dentro do relógio. De facto, sempre fui fascinado pelos componentes relojoeiros, como as engrenagens. Todos os componentes relojoeiros têm uma textura bonita. E quando estão juntos, tudo se torna ainda mais bonito. Além desta vertente, existe ainda a componente de precisão. Os meus projetos são de grandes dimensões, mas todas as peças são cortadas de forma precisa, por computadores, com recurso a máquinas de CNC. E tudo isto é um processo de elevada precisão.

Exposição comemorativa dos 90 anos do Reverso em Paris, com uma escultura do Jaeger-LeCoultre Reverso Nonantième por Michael Murphy
A instalação de Michael Murphy na exposição de Paris | © Cesarina Sousa / Espiral do Tempo

Antes de a Jaeger-LeCoultre o ter contactado para a criação da instalação, já conhecia o Reverso e a sua história?
Eu não conhecia o Reverso nem a sua história e agora sei tudo. Estou a usar o Tribute Nonantième, o relógio que esteve na base do trabalho que desenvolvi para a Jaeger-LeCoultre. Gosto muito deste relógio, é lindo! A Jaeger-LeCoultre é que escolheu o relógio a ser recriado porque, de início, eu não conhecia bem a marca. Agora, ando completamente fascinando pelos seus produtos. São incríveis. Visitei a fábrica esta semana e foi impressionante. Tive a oportunidade de acompanhar todo o processo, desde o início, com todo o fabrico de componentes internos, até aos acabamentos finais, passando ainda por toda a componente de artes decorativas – como a esmaltagem e outras técnicas que nem consigo ainda pronunciar bem o nome. Gostei mesmo muito.

Exposição comemorativa dos 90 anos do Reverso em Paris, com uma escultura do Jaeger-LeCoultre Reverso Nonantième por Michael Murphy
Exposição comemorativa dos 90 anos do Reverso em Paris, com a instalação Spacetime, por Michael Murphy | © Cesarina Sousa / Espiral do Tempo

Qual a história/ mensagem que gostaria de passar com a instalação Spacetime?
O nome da peça é Spacetime e trata-se, obviamente, de uma peça sobre tempo e sobre espaço. É suposto as peças funcionarem como uma espécie de montra informativa do que está dentro do relógio. Tira-se a parte de fora do relógio e todas as peças que estão suspensas são peças que existem efetivamente no interior do relógio. Fazem todas parte do movimento. Quando as pessoas olham para a instalação é suposto passarem a compreender melhor tudo aquilo que o relógio é. No fundo, é como se todos os elementos fossem partes de uma personalidade. E cada vez que olho para todas as partes do relógio, conheço-as bem. Reconheço-as. Para mim, é como quando fazemos o retrato de uma pessoa e passamos a conhecer muito bem o seu rosto. Depois deste trabalho, passei a conhecer incrivelmente bem o relógio.

Michael Murphy
Michael Murphy | © Jaeger-LeCoultre

Quais foram os principais desafios no desenvolvimento deste ‘relógio de grandes dimensões’?
O duplo lado de impressão foi um dos grandes desafios. Cada peça tem uma impressão diferente em cada um dos lados e todas as peças têm de ficar alinhadas em ambos os lados. Depois há ainda o processo de suspensão milimétrica de todos os componentes de ambos os pontos de vista, de modo a que no final façam sentido. Posicioná-los corretamente e de forma precisa é muito difícil, se tivermos em conta que se trata de uma instalação suspensa de grandes dimensões. Mas para ser sincero, cada passo do processo revelou-se verdadeiramente desafiante.

O que aprendeu com esta experiência?
Aprendi imenso sobre todo um mundo da relojoaria que não sabia que existia desta forma. Aprendi sobre a indústria e sobre tudo aquilo que a envolve. Nunca tinha estado a par do mundo do mercado relojoeiro e agora sei muito não só sobre a Jaeger-LeCoultre, como sobre os seus principais concorrentes e sobre o Reverso, claro. E aprendi a dizer corretamente «Jaeger-LeCoultre» pela primeira vez [risos]… Ainda durante esta semana estive a praticar com eles a pronúncia correta.

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