No rescaldo ao ano relojoeiro, há uma tendência que convém destacar acima de todas as outras. Como se pôde constatar em diversos certames que definiram as melhores peças de 2022 — incluindo o de Varsóvia, com o Vacheron Constantin Historiques 222, o Parmigiani Fleurier Tonda e o Bulgari Octo Finissimo a confirmarem a força do design integrado.
Em Varsóvia | Cumpriram-se em 2022 precisamente 50 anos desde que o design integrado se estreou ao mais alto nível na relojoaria — com o lançamento do Royal Oak pela Audemars Piguet, um relógio em aço de arquitetura moderna que apresentava um preço superior a muitos modelos de ouro da manufatura de Le Brassus e que causou grande celeuma aquando da sua apresentação. Convém sublinhar que o autor do design, Gerald Genta, não foi o inventor do design integrado nem a Audemars Piguet foi a primeira marca a utilizá-lo; no entanto, a Audemars Piguet e Gerald Genta foram os primeiros a estrear o conceito do relógio de design integrado em aço na alta relojoaria, em 1972. Vieram depois o Ingenieur da IWC e o Laureato da Girard-Perregaux em 1975, o Nautilus da Patek Philippe em 1976, o Sport Classique da Ebel e o 222 da Vacheron Constantin em 1977. Sete lendários modelos couraçados que lançaram a relojoaria na era moderna e que, apesar da robustez, personificaram a ideia de ‘sport élegance’ que foi encarada como pedra filosofal por tantas marcas no último quartel do século XX. Já no século XXI e à medida que o primeiro quartel se aproxima da sua conclusão, o chamado design integrado está mais do que nunca na ordem do dia e a valer muitos prémios no universo relojoeiro.
E isso foi possível constatar na mais relevante cerimónia do Relógio do Ano anualmente realizada no leste europeu — e que, ao contrário do Grand Prix d’Horlogerie de Genève (cujo júri só pode avaliar os modelos inscritos pelas marcas), apresenta um sistema de avaliação universal: a escolha é completamente livre e fica ao critério dos membros do júri internacional, que começam por apresentar uma lista alargada dos seus favoritos em cada uma das categorias, para depois se estabelecer um top 10 e finalmente um top 5 com os finalistas; é desse lote restrito que sai o respetivo vencedor, havendo seguidamente uma votação entre os ganhadores das várias categorias para a definição do Relógio do Ano. Que foi o Vacheron Constantin Les Historiques 222, uma reedição do modelo com design assinado por Jorg Hysek que foi introduzido pela manufatura genebrina há 45 anos.
Há já algum tempo que se vive uma autêntica loucura à volta do Royal Oak e do Nautilus, com os preços dos emblemáticos relógios desenhados por Gerald Genta para a Audemars Piguet e Patek Philippe a atingirem valores absurdos no mercado secundário e a originarem waiting lists de muitos anos nos agentes oficiais das respetivas manufaturas. A escassez e o preço estratosférico fizeram com que os aficionados se virassem para relógios da mesma tipologia no catálogo de outras marcas prestigiadas; um dos casos mais evidentes é o do Overseas, da Vacheron Constantin, descendente direto do 222… assim denominado porque a marca celebrava o 222º aniversário em 1977 e que foi este ano ressuscitado no âmbito da coleção Les Historiques. E o Les Historiques 222 tornou-se mesmo num dos grandes protagonistas de 2022.
A consagração do Les Historiques 222 na cerimónia do Relógio do Ano em Varsóvia, que este ano se transferiu do Palácio Sobianskich para o Palácio Branicki convertido em Hotel Verte Autograph Collection, veio mostrar ao mundo que houve outros excelentes designs integrados que não os de Gérald Genta e que Jorg Hysek merece maior reconhecimento por parte dos aficionados da relojoaria. O Les Historiques 222 ganhou primeiro a estatueta referente à categoria de Relógio Masculino e depois a estatueta mais cobiçada — a do ‘Best Of’, o grande prémio que distingue o melhor entre os melhores. E entre os melhores estavam outros exemplos de design integrado com inspiração nos históricos clássicos modernos dos anos 70, embora de origem contemporânea: o Parmigiani Tonda PF GMT (Relógio Desportivo) e o Bulgari Octo Finissimo Ultra (Relojoaria Excecional). E o lote de finalistas incluiu vários outros exemplares ‘integrados’, como o A. Lange & Söhne Odysseus Titanium, o Audemars Piguet Royal Oak Jumbo Extra-Thin, o Laurent Ferrier Sport Auto, o Zenith Defy Midnight Borealis, o Tissot PRX 36mm, o H. Moser Cie. Streamliner Tourbillon Vantablack e mesmo o Vacheron Constantin Overseas Everest Dual Time.
A linha Tonda tem dado um grande alento à Parmigiani, como foi igualmente possível constatar no Grand Prix d’Horlogerie de Genève — com cinco modelos Tonda nomeados em diversas categorias e o triunfo na categoria do Relógio Feminino com o Tonda PF Automatique de 36mm. E também tem sido o Grand Prix d’Horlogerie de Genève a cimentar a excelente reputação do Octo Finissimo (uma adaptação de Fabrizio Buonamassa de um traçado original de… Gerald Genta) com múltiplos galardões para a Bulgari ao longo da última década, incluindo o Prémio da Audácia para o Octo Finissimo Ultra 10th Anniversary este ano. Na cerimónia do Relógio do Ano em Varsóvia, o Tonda PF GMT foi premiado pela inesperada utilização de um dispositivo rattrapante (mais habitual em cronógrafos) para o ponteiro do segundo fuso horário e o Octo Finissimo Ultra 10th Anniversary pelas soluções técnicas que lhe permitem ostentar somente 1,8mm de espessura (já agora, a lista dos restantes premiados completa-se com o Seiko King Seiko SPB279 na categoria Relógio Masculino até 3000 Euros, o Jaeger-LeCoultre Dazzling Star na categoria Relógio de Senhora, o TAG Heuer Aquaracer Professional 200 Lady Blue na categoria Relógio de Senhora até 3000 Euros, o Swatch MoonSwatch Mission on the Moon na categoria Prémio do Público e Rolf Stüder, CEO da Oris, na categoria Prémio Especial do Júri pelo seu ativismo ecológico).
Já se antevia que o sucesso do Les Historiques 222 seria tremendo aquando da sua apresentação no Watches and Wonders, no final de março, mesmo que o metal escolhido para a reedição fosse o ouro amarelo — quando uma das caraterísticas inerentes à tipologia do design integrado, para além da arquitetura que dispensa as asas tradicionais e inclui bracelete metálica, é a opção pelo democrático aço com acabamentos dignos de alta-relojoaria. O êxito comercial foi instantâneo e é extraordinariamente difícil conseguir um nas boutiques da Vacheron Constantin ou no mercado secundário. A escolha do ouro amarelo acaba por transmitir ainda melhor todo o glitz dos anos 70; a reedição é completamente fiel ao original de 1977, excetuando ligeiras diferenças: menção Swiss Made em vez de Swiss no mostrador, bracelete de elos mais próximos que inclui um novo sistema de microajuste no fecho, fundo transparente em vidro de safira e um calibre automático de elevado rendimento que corresponde às exigências atuais.
Nos tempos mais próximos, espera-se que a Vacheron Constantin tire da cartola as outras duas variantes do 222 lançadas em 1977: uma em aço e a outra em aço/ouro. Mas a folia do design integrado, que este ano teve também o Tissot PRX como player de destaque no segmento mais económico com a adição de um tamanho midsize e da versão cronográfica aos existentes modelos de quartzo e automáticos, vai continuar. Para o provar, arriscamos dizer que a IWC vai recuperar a emblemática linha Ingenieur — inspirada no design de Gerald Genta estreado em 1975 e recuperado em 2005 até sair do catálogo em 2017. Porque é preciso cavalgar a onda do design integrado… e há mais prémios para ganhar em 2023. Eventualmente! Cá estaremos para responder à dúvida, na sequência de novas coberturas in loco do Grand Prix d’Horlogerie de Genève e do Relógio do Ano em Varsóvia.