Contrariando a crença de que as mulheres são complicadas, no mundo da relojoaria de pulso, complicados mesmo são os relógios de homem que, na sua maioria, tendem a ser tecnicamente mais elaborados e com maior variedade de complicações quando comparados com os relógios femininos. Mas apesar de continuar a ser este o panorama geral, nunca como hoje se viu tanta vitalidade no domínio das complicações relojoeiras destinadas a senhoras.
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Em 2014, a Christophe Claret lançava o Margot, o primeiro relógio feminino da sua coleção. Mas mais do que chamar a atenção por ser o primeiro modelo feminino da marca, o Margot destacou-se por apresentar uma complicação exclusiva para senhoras. O novo relógio veio apelar à veia mais romântica ao recuperar o jogo ‘bem-me-quer, malmequer’ num mostrador que apresentava um malmequer cujas pétalas se escondiam num divertido momento ao qual se unia ainda uma complicação acústica – sempre que cada pétala se escondia, ouvia-se o som de um martelo vertical. O fundo guardava um segundo jogo: um rotor ornado com pedras preciosas permitia a todas as apaixonadas descobrir a essência do seu amor, já que cada pedra traduzia um sentimento, consoante a sua cor.
Tão original quanto inovador, o Margot chegou a ser apontado, na altura, como um dos possíveis vencedores do Aiguille d’Or, no Grand Prix d’Horlogerie de Genève. Dois anos mais tarde, a marca lançou um modelo complementar chamado Marguerite, mas com menos impacto do que o Margot. O interesse poderá ter esmorecido porque, por um lado, foi o segundo filho com uma complicação romântica e, por outro lado, quando foi lançado, a oferta de relógios complicados para senhoras já se começava a revelar bem afinada. A necessidade de criação da categoria Hi.Mech Lady no Grand Prix d’Horlogerie precisamente no ano em que o Margot foi lançado traduz esse cenário. E o facto de o relógio ter sido o vencedor nesta mesma categoria mostra bem a importância de uma complicação original. Neste caso, uma complicação pensada para senhoras.
Complicações de senhora
Na última década, temos vindo a assistir a uma aposta crescente das marcas em criar relógios para senhora que fazem mais do que dar as horas. Historicamente, nada disto é novidade. Os relógios de pulso foram criados como solução para senhoras e marcas como a Rolex chegaram mesmo a considerar os seus relógios adequados tanto para eles, como para elas. No plano específico das complicações, temos a Gallet com o seu MultiChron Petite (1936), um cronógrafo que veio responder às exigências das mulheres e enfermeiras das forças armadas francesas que se recusavam a usar os relógios de grandes dimensões dos homens. Por outro lado, temos também uma Patek Philippe que, em 1916, apresentava o seu Ladies Five Minute Repeater. Mas se recuarmos até ao século XVIII, descobrimos ainda Marie-Antoinette como verdadeira apreciadora de relógios Breguet, de tal forma que um dos relógios mais fascinantes de sempre terá sido encomendado ao próprio Breguet por um admirador da rainha. Marie-Antoinette não chegou a receber o seu presente, tendo em conta que só ficou concluído após a sua morte. No entanto, esta intricada peça continua a ser símbolo de uma paixão por relógios que tende a ser conotada com o universo masculino.
Com o passar dos anos, os relógios de senhora foram-se tornando mais simples tecnicamente e mais elaboradas no plano estético, e o casamento entre relojoaria e joalharia foi crucial para o sucesso de muitos dos modelos. Ao mesmo tempo, as marcas passaram a lançar relógios que, muitas vezes, mais não eram do que versões abreviadas (a maioria de quartzo) dos relógios de homens. Uma das razões para esta simplificação está associada ao tamanho dos relógios: as caixas dos relógios de senhora tendem a ser mais pequenas e, sendo mais pequenas, obrigam a alterações nas especificações dos movimentos que comprometem elementos como o tamanho do tambor (logo, a reserva de corda), a precisão e a própria resistência aos choques. Por outro lado, foi-se criando a ideia de que as mulheres não ligam a questões técnicas e que têm pouca paciência para dar corda aos seus relógios – e é neste aspeto que algo tem vindo a mudar.
O que os últimos anos nos mostram é que há cada vez mais mulheres a revelar interesse por relojoaria mecânica e relógios complicados, a mostrarem-se mais conhecedoras deste universo e assumirem a sua independência de gosto na hora de comprar um relógio de pulso. Além disso, graças aos desenvolvimentos nos planos técnico, mecânico e novos materiais no fabrico dos relógios de pulso, mas também graças ao facto de as tendências terem começado a aceitar relógios de senhora de maiores dimensões, algumas marcas têm vindo a alargar o seu conceito de relojoaria feminina.
Vemos assim a Patek Philippe a aventurar-se, em 2009, com o lançamento do Ladies First Chronograph, o seu primeiro cronógrafo feminino, para o qual foi desenvolvido um calibre específico. Seguiram-se, nos anos seguintes, versões femininas de todos os relógios complicados da marca. Uma das mais impressionantes foi o Ladies First Minute Repeater (ref. 7000) por ser um relógio com uma reduzida caixa de 33,7 mm em ouro rosa despida de ornamento que guarda uma repetição de minutos – se pensarmos que guarda um calibre automático com 48 horas de reserva de corda, dá para perceber o quão fabuloso é.
Das fases da Lua ao espírito poético
Nunca como hoje houve tanta variedade de relógios femininos com complicações. As marcas tentam ir ao encontro das mulheres, seduzindo-as com relógios elaborados, de coração mecânico e que nem sempre são versões femininas de modelos masculinos. O Margot, que já referimos, é um exemplo de como a criatividade vai muito além do plano estético. Mas há mais. A função das fases da Lua, não sendo exclusiva para relógios femininos, acaba por estar no topo das preferências das marcas no que diz respeito às respetivas coleções de senhora. Talvez por ser uma complicação muito visual e desafiante esteticamente, e talvez também pelo facto de o satélite da Terra estar no nosso imaginário tão associado ao universo feminino. Vemos, por isso, esta complicação a ser replicada nos mais diversos modelos, em discos que giram e tornam os mostradores especialmente bonitos, e a ser alargada ao campo das chamadas complicações celestiais. Depois, temos o Rendez-Vous, da Jaeger-LeCoultre que, na versão Sonatina Large, oferece uma deliciosa complicação acústica: uma estrela na periferia do mostrador indica a hora de um encontro marcado (por isso se diz que é um relógio romântico) com um toque sonoro.
Podemos ainda referir a Van Cleef & Arpels, especialista em fazer relógios de extrema complexidade que, mais do que relógios, são autómatos de pulso que contam histórias. A marca chama a estas criações ‘Complicações Poéticas’ e, no ano passa, o seu Lady Arpels Papillon Automate Watch foi contemplado com o galardão de Hi-Mech Lady do Grand Prix d’Horlogerie de Genève. O turbilhão é outro elemento que está ao mais alto nível na hora de conquistar os corações femininos.
Assim o fez tão bem a Richard Mille com o Tourbillon Fleur RM-19-02 — um turbilhão voador guardado por uma flor que se eleva e abre para o expor — e assim o fez tão bem a Girard-Perregaux, com o seu Cat’s Eye Tourbillon with Gold Bridge. E seria impossível não mencionar os incríveis modelos que compõem a coleção Reine de Naples da Breguet, que integram complicações que vão desde a sonnerie às fases da Lua.
O que dissemos não representa o panorama geral daquilo que se está a passar em relojoaria. Aqui centrámo-nos, acima de tudo, nas marcas de topo. Não foi por acaso que Suzanne Wong, editora da Revolution on-line, provocou, na edição de 2017 da Dubai Watch Week, com um animado debate cujo título foi «Grand Complication: An All Boys club?». No entanto, o que interessa é que há ideias pré-concebidas que começam aos poucos a deixar de fazer sentido, e a ideia de as mulheres não gostarem de relógios complicados é uma delas, apesar de, para elas, a componente estética continuar a ser mais relevante do que a componente mecânica, como se concluiu no tal debate. Por isso, o desafio passa pela criação de complicações só para elas que sejam também esteticamente apelativas.
Os relógios que apresentamos de seguida são exemplos (porque há bastantes) bem reveladores do caminho que as marcas começam a seguir. São relógios que assumem maioritariamente um perfil romântico, muito feminino e a parte decorativa contribui em larga medida para o facto de serem relógios extraordinários.
Jaeger-LeCoultre
Rendez-Vous Moon
Patek Philippe
Ladies First Perpetual Calendar
Ref. 7140
Corda automática | Ouro rosa | 39 mm
Christophe Claret
Margot Velours
Van Cleef & Arpels
Lady Arpels Ronde des Papillons
Fabergé
Lady Compliquée Peacock
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