Seiko Turtle: tartarugas ninja

Em janeiro passado, fui tomado de assalto pela vontade de voltar a usar relógio, pois os que já possuí foram, ao longo do tempo, sendo oferecidos a familiares. Defini critérios específicos e comecei a pesquisar Internet fora. É também o relato de uma ‘viagem’ que começou na Suíça e terminou no Japão. Mais especificamente, no Seiko Turtle.

As premissas para a pesquisa daquele que veio finalmente a ser o meu relógio de uso pessoal sempre foram simples. Teria de ser mecânico, fiável, robusto, verdadeiramente estanque e absolutamente legível, sem esforço. Teria também de ser um chamado «três ponteiros/data’», ou seja, um relógio com indicação das horas, dos minutos, dos segundos e da data. Os meus olhos já não vão para novos e, honestamente, dispenso complicações adicionais. A conclusão a que rapidamente cheguei é que eu procurava então um relógio de mergulho, um tool watch. Uma peça para ser usada e não ostentada.

Estava, portanto, bem encaminhado. Restava agora encontrar um relógio que cumprisse todos aqueles critérios e que despertasse em mim um ‘clique’ emocional e estético. Em teoria, a coisa prometia ser mais fácil do que o que na realidade acabou por ser. Comecei, por defeito profissional, pelas marcas suíças e encontrei peças que cumpriam todos os meus requisitos. Mas, por um motivo ou outro, não senti o ‘clique emocional’. Em alguns casos, não era somente uma questão de preço, mas também uma questão de design e de estética.

Seiko SKX007
O Seiko SKX007: O ‘pior segredo da relojaria’ é uma peça obrigatória pela sua qualidade e preço. De realçar que também existem versões desta peça feitas em Singapura com autorização da Seiko. Distinguem-se pela ausência da linha «21 Jewels» às 6H. Só os modelos feitos no Japão a têm.

Numa das dezenas de pesquisas que fiz na altura, encontrei, casualmente, um artigo da autoria de Jack Forster, sobre um relógio que ele intitulou de «o pior segredo da relojoaria». Pior no sentido de mais mal guardado, bem entendido. Jack Forster não é homem para escrever elogios de modo leviano e salientava alguns aspetos: um relógio mecânico, com o movimento in-house, estanque até 200 metros, absolutamente robusto, com um design despojado que privilegia a legibilidade e que cumpre todos os critérios da norma ISO 6425, que estabelece se um relógio se pode ou não intitular um verdadeiro relógio de mergulho. Além disso, dotado de uma luminescência que pode quase ser usada como lanterna. Tudo por um valor que varia entre os 190 e os 225 euros. Recomendava-me a sensatez que consultasse uma segunda opinião e uma terceira e uma quarta… O tal defeito profissional. Mas a verdade é que o Seiko SKX 007 é mesmo um grande relógio que tem conquistado o mundo, pela sua qualidade e pela sua fiabilidade, e que ganhou estatuto de relógio de culto. O preço é ‘apenas’ a cereja no topo do bolo. Braços ao alto, coração palpitante. Depois de tantos anos a pender para a relojoaria suíça, comecei a render-me e a perceber melhor a legião de fãs da marca japonesa. Há vida mecânica, e que vida, para lá da Suíça…

Em 1881, Kintaro Hattori abriu uma loja de reparação de relógios no centro de Tóquio. Em 1892, após a aquisição de uma fábrica desativada, a companhia Seikosha foi fundada, mas só em 1923 e após a reconstrução das instalações devido a um terramoto, é que foi lançado o primeiro relógio com a designação Seiko no mostrador.
Em 1881, Kintaro Hattori abriu uma loja de reparação de relógios no centro de Tóquio. Em 1892,
após a aquisição de uma fábrica desativada, a companhia Seikosha foi fundada, mas só em 1923 e após a reconstrução das instalações devido a um terramoto, é que foi lançado o primeiro relógio com a designação Seiko no mostrador.

Dias depois, recebo, vindo de uma pequena loja do Norte de Portugal, um Seiko SKX 007, novo, com garantia e pelo simpático valor de 175 euros. Fiquei maravilhado! Este simples e despojado Seiko era tudo o que eu procurava num relógio. De facto, era um segredo mal guardado, mas eu nunca lhe tinha dado a devida atenção. O gigante nipónico produz uma peça de qualidade que não pretende ser mais do que um relógio fiável e robusto. Ponto final. Nas palavras do meu chefe: é o que é, sem vaidades.

Sem vaidades

Mergulhei então no mundo dos divers Seiko e deixem que confesse que poucas vezes tantas análises são tão consensuais como as que li em relação a esta temática. O pedigree aquático da Seiko já vem desde 1965, data do lançamento do seu primeiro relógio de mergulho ao qual se seguiram vários modelos, mas o verdadeiro game changer acabou por ser uma peça lançada em 1976, a referência 6309. Foi esta referência, com os seus portentosos 45 mm, estanqueidade até 150 metros, coroa de rosca e luneta bidirecional, que foi batizada de turtle devido à forma da sua caixa.  Seguiram-se dois anos de ‘tartarugas’ – entre 1976 e 1988 — declinados em dois mostradores diferentes, sempre equipados com o movimento 6309 que, testemunhos o dizem, passados 30 anos ainda funcionam impecavelmente.

O primeiro Diver: Em 1965, a Seiko lança o seu primeiro relógio de mergulho sendo o antecessor dos veneráveis divers da Seiko. Seiko Samurai Prospex Save the Ocean e Seiko Prospex Solar Save the Ocean  © Seiko
O primeiro Diver: Em 1965, a Seiko lança o seu primeiro relógio
de mergulho sendo o antecessor dos veneráveis divers da Seiko. Seiko Samurai Prospex Save the Ocean e Seiko Prospex Solar Save the Ocean © Seiko

Alavancados certamente pela crescente febre dos relógios vintage, os originais turtles 6309 começaram a aparecer no mercado de relógios usados a preços que refletiam a sua raridade e os colecionadores começavam a manifestar cada vez maior interesse por este modelo. Em 2016, a Seiko decide, então, reeditar o icónico modelo mantendo os seus códigos estéticos, mas dotando-os de um novo movimento (o calibre 4R36 com 24 rubis), reserva de corda de 41 horas e com uma frequência de 21.600 alternâncias/hora. A febre voltou. Os entusiastas aplaudiram as novas edições e até os mais desatentos em relação à marca se renderam às tartarugas nipónicas assim que as colocaram no pulso. Todos os novos Turtle foram incluídos na gama Prospex da Seiko. Prospex é a designação para «Professional Specifications». Esta opção é um certificado de qualidade das peças que são em primeiro lugar verdadeiros instrumentos de mergulho aptos a submergir a 200 metros e a transmitir confiança a quem os leva no pulso.

O primeiro 'Turtle': O primeiro Turtle, o Seiko 6309, foi lançado em 1976 e manteve-se em produção até 1988.
O primeiro ‘Turtle’: o primeiro Turtle, o Seiko 6309, foi lançado em 1976 e manteve-se em produção até 1988.

Lembram-se, caros leitores, de eu dizer que o meu SKX 007 me chegou às mãos com o preço de 175 euros? Pois bem, os Turtle são outro tipo de máquina, uma peça superior e, como tal, o preço de venda ao público (PVP) reflete isso mesmo. Um Turtle pode custar entre 350 e 480 euros. A verdade é que, logo após ter adquirido o SKX 007, o sensato mandou a sensatez às urtigas, e decidi adquirir um Turtle. Na verdade, adorei o relógio, apesar de admitir que me assustavam os 45 mm da caixa. Porém, durou pouco o susto. Assim que o coloquei no pulso percebi que era extraordinariamente ergonómico e confortável. Os 45 mm de diâmetro são subtilmente curvados para um melhor contorno no pulso e a coroa, num pormenor delicioso que já vinha do SKX 007, é colocada às 4 horas e ligeiramente recolhida na caixa para não magoar o pulso como tantas vezes acontece no ponto de contacto. Não fiquei com a menor dúvida de que, se já estava rendido à Seiko, agora não havia volta a dar: seria orgulhosamente mais um Turtle Man e ainda hoje sou! No espaço de duas semanas, comprei dois Seiko Turtle.

Seiko Turtle Prospex Save the Ocean © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Seiko Turtle Prospex Save the Ocean © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Porquê, Seiko, porquê?

Uma das críticas que muitas vezes se aponta à marca tem a ver com a disponibilidade das peças no mercado europeu. A Seiko tem como estratégia reservar os modelos automáticos de entrada de gama para o mercado asiático e, apesar de a Internet nos mostrar uma infinidade de modelos disponíveis, é bastante difícil encontrar uma loja onde se possam ver e experimentar todos, sobretudo em Portugal. Mas há mudanças em curso nesse sentido. A Seiko, sentindo este interesse crescente, começa já mais frequentemente a disponibilizar os Turtle para os mercados europeus onde a legião de fãs é crescente e absolutamente fiel.

Como tal, caro leitor, se pretender adquirir uma das peças que menciono no artigo, não se surpreenda se tiver que o mandar vir de Espanha, Alemanha ou Holanda através de sites de venda on-line. Os preços variam ligeiramente e os portes de envio também, recomendando-se alguma pesquisa para conseguir o melhor negócio. No entanto, posso também partilhar que em todas as compras on-line que fiz, os relógios chegaram em perfeito estado, muito bem embalados e com toda a documentação de origem. É portanto, e cada vez mais, uma operação perfeitamente segura.

Seiko Samurai Prospex Save the Ocean e Seiko Prospex Solar Save the Ocean © Seiko
Seiko Samurai Prospex Save the Ocean e Seiko Prospex Solar Save the Ocean © Seiko

Qual é então o segredo do sucesso dos Turtle?

Um dos princípios da Espiral do Tempo é o de difundir a paixão pela relojoaria mecânica. Acredito piamente que alguém que comece a usar um relógio mecânico, dificilmente irá mudar para o quartzo. O mecânico é vivo, orgânico, requer atenção, requer cuidado e, se for tratado com o mínimo de respeito, trabalhará toda a vida e irá certamente sobreviver ao seu dono. Este aspeto funcional, mas também poético, da relojoaria mecânica é um dos valores mais estimados por mim. Insurjo-me muitas vezes contra aquilo a que chamo de bibelots de pulso. Relógios que basicamente são feitos para serem exibidos como se de um bibelot decorativo se tratasse em detrimento do uso. Obviamente, respeito certos exercícios de estilo e virtuosismo relojoeiro. Percebo o encanto de certas complicações e fico abismado por elas. Pois são também essas peças que fazem evoluir a relojoaria e a micromecânica, mas independentemente de admirar a arte por detrás de certos relógios, nunca os usaria. Para mim e arriscando-me a ser demasiado redutor, um relógio é, em primeiro lugar, um objeto funcional e, só depois, um adorno. Sinto que muitas vezes consumimos o marketing e as histórias mais ou menos charmosas em volta dos novos lançamentos. Sinto que as marcas são pressionadas por uma estratégia que elas próprias desenharam para apresentarem novidades sem fim. Sinto que um relógio de 2017 já é passado e que todos temos de correr atrás da última novidade. Muitas discussões editoriais tivemos acerca deste assunto.

Neste mundo frenético e altamente acelerado é preciso sempre algo novo para manter a atenção dos consumidores. Pessoalmente, acho isso errado. Errado porque não dignifica os produtos relojoeiros de cada marca, fazendo sentir ao consumidor que o relógio que ele adquiriu no ano passado já não interessa e que a ‘última Coca-Cola do deserto’ é o novo modelo. Sou pelo respirar fundo e abrandar o ritmo. Deixar saborear as coisas e não entrar no turbilhão do último modelo.

Seiko Turtle Padi Prospex Edição Limitada © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Seiko Turtle Padi Prospex Edição Limitada © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Voltando à pergunta atrás formulada: então qual é o sucesso dos Seiko Turtle? Desde 2015/2016, data em que a Seiko os relançou, todos os Turtle são iguais. O calibre é igual, a caixa é igual e as especificações são as mesmas. As variantes que existem são estéticas. Varia-se os mostradores, varia-se as lunetas e as braceletes, mas a peça continua a mesma. Melhorou-se o calibre de modo a que pudesse receber corda manual e a possibilitar que o ponteiro dos segundos pare aquando do acerto. Já foi há três anos e assim se mantém. Tal estabilidade relojoeira acarreta também uma estabilidade de preço que dota estas peças de uma componente de colecionismo que não é negligenciável. Recorda-se da minha conversa inicial de querer fazer uma compra sensata? Pois bem, no espaço de meses comprei dois Turtle apenas porque são de cores diferentes e, por vezes, apetece-me mudar.

A marca não me faz sentir que o meu relógio é ultrapassado porque o novo modelo tem um parafuso especial em «vibranium» recolhido numa cratera de Vulcano que vai melhorar a performance da peça infinitamente. Não vai, não tem.

Posso ser um pouco ingénuo, admito, mas esta linha de relógios da Seiko transmite-me honestidade. A ausência de vaidade, o esforço colocado em relógios que chegam ao mercado a um preço entre 350 e 480 euros e o pedigree desta linha merecem respeito. O gigante japonês não está no negócio para ser «bonzinho» ou perder dinheiro, eu sei, mas a grande verdade é que a linha Turtle é composta por peças fantásticas, absolutamente fiáveis e a um preço justo.

Será espírito nipónico? Aquele que no nosso imaginário é repleto de dignidade e cerimónia. Aquele que, mesmo nos mais pequenos gestos, nos transmite qualidade e respeito pela tradição? Alguma coisa será, caros leitores, pois esta linha de relógios merece mesmo uma renovada atenção por parte de quem aprecia relojoaria mecânica.

Quem quiser entrar no mundo dos relógios mecânicos através de uma peça de qualidade, ter um relógio de mergulho que é realmente um tool watch, ou simplesmente adquirir um relógio descomprometido para o dia a dia, então aconselho sem quaisquer reservas um Seiko Turtle.

Viste o site oficial da Seiko para mais informações.

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