Da minha paixão por relógios ao meu Junghans Max Bill

O nosso leitor convidado deste mês confessa que, desde muito cedo, sentiu pelos relógios de pulso uma atração muito especial. No entanto, a história que Bruno Severino escolheu contar na primeira pessoa centra-se no seu Junghans Max Bill 38 mm Automatic, um relógio com um design muito característico e que veio complementar na perfeição uma já composta coleção.


Artigo originalmente publicado em 9 de abril de 2020.


Apaixonado por todo o tipo de instrumentos de medição de tempo, comecei a sentir, desde muito cedo, uma atração especial por relógios de pulso. Não me recordo com precisão qual terá sido o modelo génese de toda esta paixão, mas recordo-me do primeiro relógio que em mim «acendeu a chama»: tratava-se de um belo ADEC de estilo clássico, com correia em pele castanha, mostrador branco, indexes em numeração romana e caixa dourada de 30 mm, um relógio que recebi dos meus pais pelo meu nono aniversário, em 1989, coincidindo igualmente com a minha entrada para a quarta classe.

O relógio que acendeu a chama da relojoaria: ADEC | © Bruno Severino

Ainda hoje é um modelo que guardo com muita estima (tal como o seu estojo e certificado de garantia) e que, de tempos a tempos, ainda utilizo e me faz recordar memórias passadas. Na altura, sentia-me um verdadeiro ‘Homenzinho’ com o ADEC no pulso, exibindo-o com todo o orgulho como sendo, pelo menos para mim, o melhor relógio do mundo.

 O caminho percorrido

Tissot Sport Diver (1998)
Tissot Sport Diver (1998) | © Bruno Severino

Aquando da entrada para a universidade, tendo já percorrido o famoso ‘trilho de perdição japonês’ da Casio e tendo já apanhado a ‘autoestrada de iniciação Suíça’ da Swatch, decidi oferecer a mim próprio uma peça de uma marca com mais pedigree: um Tissot no estilo diver/mergulho que ainda hoje é, sem sombra de dúvida, aquele que mais me atrai e com o qual mais me identifico.

Omega Speedmaster Professional, ref.a 3570.50 (2012) e revista Omega Lifetime “Moon Edition” (2009)
Omega Speedmaster Professional, ref. 3570.50 (2012) e revista Omega Lifetime ‘Moon Edition’ (2009) | © Bruno Severino

Posteriormente, outras marcas e modelos foram passando pela minha coleção, a qual começou a tomar um caminho mais sério e delineado com a entrada, em 2012, do meu ‘Santo Graal’, ou seja, o icónico Omega Speedmaster Professional ‘Moonwatch’, ref.ª 3570.50. Como sou um aficionado da Omega e, a par dos relógios, um apaixonado por automóveis clássicos, bem como por toda a história da corrida espacial (EUA vs. URSS) e chegada do Homem à Lua, não existe modelo que melhor me permita conjugar estes dois mundos que tanto me fizeram e continuam a fazer sonhar.

Omega Speedmaster Professional, ref.a 3570.50 (2012) e insígnia Missão Lunar “Apollo 11” (2017)
Omega Speedmaster Professional, ref.a 3570.50 (2012) e insígnia Missão Lunar ‘Apollo 11’ (2017) | © Bruno Severino

Sei que nunca poderei chegar ao Houston Space Center ao volante de um Corvette Stingray e oficialmente mencionar um «’T’ minus 30 minutes to launch time» (‘T’ menos 30 minutos para o lançamento), mas poderei sempre chegar a casa ao volante de um Volkswagen ‘Carocha’ e proclamar um «’T’ minus 30 minutes to lunch time» (‘T’ menos 30 minutos para o almoço). Para mim é suficientemente satisfatório…

Esq: Chilex (c. 1960) e Toyota Corolla Hatchback 1.2 Turbo (2019). Dta: Chilex (c. 1960) e Calendário Perpétuo “For40Yrs Calendar” (1990).
Esq: Chilex (c. 1960) e Toyota Corolla Hatchback 1.2 Turbo (2019). Dta: Chilex (c. 1960) e Calendário Perpétuo ‘For40Yrs Calendar’ (1990) | © Bruno Severino

Também, por esta altura, entrou na coleção, através do meu pai, um relógio francês de corda manual, da marca Chilex que pertenceu ao meu falecido avô — um relógio que sempre me fascinou e de que me lembro de ver no seu pulso à medida que eu ia crescendo. Reza a história que ao emigrar para França, no final da década de 50/início da década de 60, o meu avô o terá adquirido na estação de comboios no dia da sua chegada a Paris. Desde esse dia, e até ao seu falecimento, foi o seu único relógio. É uma peça que guardo com imensa estima e que utilizo em alguns eventos familiares para, de certa forma, ter o meu avô presente.

Esq: Omega Seamaster Professional Diver 300m, ref.a 212.30.41 (2018) e Ponte 25 de Abril. Dta: Omega Seamaster Professional Diver 300m, ref.a 212.30.41 (2018) e Citroen 2CV (1988).
Esq: Omega Seamaster Professional Diver 300m, ref.a 212.30.41 (2018) e Ponte 25 de Abril. Dta: Omega Seamaster Professional Diver 300m, ref.a 212.30.41 (2018) e Citroen 2CV (1988) | © Bruno Severino

Com o vício cada vez mais ativo, acabei muito recentemente por adquirir (finalmente) o meu ‘unicórnio’, aquele relógio que muitas horas me deixou colado em frente a montras da especialidade e que, no pulso do agente secreto mais famoso do cinema (pelo menos desde 1995), muitas vezes o salvou de uma morte quase certa: falo do Omega Seamaster Professional Diver 300m. Que passou a ser o relógio que mais vezes uso no pulso. O ritual matinal é sempre o mesmo: colocar o relógio no pulso e imaginar em background a melodia «Dum Di-Di Dum Dum, Dum Dum Dum Dum Di-Di Dum Dum» (tema original do James Bond). Com isso sinto-me revigorado e apto para enfrentar todos os desafios do dia…

Esq: Omega Seamaster Professional Diver 300m, ref.a 212.30.41 (2018) e Volkswagen 1300 “Carocha” (1966). Dta: Omega Seamaster Professional Diver 300m, ref.a 212.30.41 (2018) com iluminação Super LumiNova.
Esq: Omega Seamaster Professional Diver 300m, ref.a 212.30.41 (2018) e Volkswagen 1300 ‘Carocha’ (1966). Dta: Omega Seamaster Professional Diver 300m, ref.a 212.30.41 (2018) com luminescência Super LumiNova | © Bruno Severino

Tendo já por esta altura uma modesta coleção, composta, entre outros, por um modelo vintage (Chilex), dois fun watches (Swatch Sistem51 ‘Sistem Blue’ e Swatch Mirror Spot Mickey), vários modelos de mergulho/desportivos (Tissot, Seiko SKX007, Seiko SRP307 e Omega Seamaster Professional Diver 300m) e um cronógrafo desportivo relacionado com o automobilismo e a corrida espacial (Omega Speedmaster Professional ‘Moonwatch’), faz-se notar a ausência de uma peça clássica, o chamado dress watch, que a vontade de relaxar em ambientes mais calmos, ou ao volante de um clássico, tanto convidam a ter no pulso.

Antes do Junghans Max Bill: Seiko SKX007 (2013).
Seiko SKX007 (2013) | © Bruno Severino
Antes do Junghans Max Bill: Seiko SRP307 (2012).
Seiko SRP307 (2012) | © Bruno Severino

A escolha, a busca e, finalmente, o meu Junghans Max Bill

Outubro de 2019, mês do meu aniversário. Nada melhor do que aproveitar a ocasião (facilmente justificável) e iniciar a procura por um modelo clássico que preenchesse todos as áreas de interesse na coleção. Rapidamente as premissas de procura ficam limitadas a quatro características base: movimento automático, fundo branco, sem data e enquadrar-se tão bem em ambientes formais como em ambientes mais casuais. Voltando uma vez mais aos automóveis clássicos, e sendo proprietário de um Volkswagen 1300 ‘Carocha’, de 1966, comecei a pesquisar peças com aproximações estéticas a essa década e que casassem na perfeição com esta minha outra paixão.

Junghans Max Bill Automático, ref.a 027/3500.04 (2019) e Volkswagen 1300 “Carocha” (1966).
Junghans Max Bill Automático, Ref.a 027/3500.04 (2019) e Volkswagen 1300 ‘Carocha’ (1966) | © Bruno Severino

Já conhecia  a marca de relógios alemã Junghans e sempre fui apreciador dos seus modelos mais clássicos, bem como da sua ligação ao movimento Bauhaus, pelo que a escolha recaiu no modelo mais conhecido desta casa, o famoso Max Bill Automático, ref.ª 027/3500.04, cujo relógio original foi desenhado em 1961 pelo próprio Max Bill (estudante de Artes na Escola Bauhaus, designer gráfico, designer de produto, pintor, arquiteto, escultor e um dos expoentes máximos ligados a este movimento) e que até hoje mantém a sua forma e desenho praticamente inalterados.

Escolha feita e já me imaginando ao volante do ‘Carocha’ com o Junghans no pulso, chegámos à semana do meu aniversário. Com a lista dos três representantes da marca bem estudada, fiz-me ao caminho e parti para a fase da aquisição. Assim pensava eu. Com o incentivo adicional da minha esposa que, já não podendo mais ouvir falar do Junghans decidiu fazer dele a minha prenda de aniversário, aproveitei todas as oportunidades disponíveis para fazer ‘visitas de estudo’ às lojas onde a marca se encontra representada para poder testar a minha ligação ao modelo, mas acabei por, durante algum tempo e por diversas razões, ter alguma dificuldade em encontrar o relógio no mercado.

Esq: Junghans Max Bill Automático, ref.a 027/3500.04 (2019) e Toyota Corolla Hatchback 1.4 VVT-I (2003). Dta: Junghans Max Bill Automático, ref.a 027/3500.04 (2019) e Toyota Corolla Hatchback 1.2 Turbo (2019).
Esq: Junghans Max Bill Automático, ref.a 027/3500.04 (2019) e Toyota Corolla Hatchback 1.4 VVT-I (2003). Dta: Junghans Max Bill Automático, Ref.a 027/3500.04 (2019) e Toyota Corolla Hatchback 1.2 Turbo (2019) | © Bruno Severino

Entretanto, como faço parte de um grupo de aficionados por relógios, através de uma conversa por WhatsApp, expliquei de forma resumida que estava a ter alguma dificuldade em encontrar o relógio. No entanto, após alguns minutos, surge uma mensagem de um outro participante, alguém bastante respeitado no mundo dos relógios e que nele faz o seu percurso profissional – Miguel Seabra — a dizer que tinha acabado de encaminhar a minha situação para o distribuidor da marca e que assim eu conseguiria certamente obter mais informações. Não estando ainda a perceber o que se passava (nem sequer tinham decorrido 10 minutos desde a última mensagem) recebi um telefonema muito simpático e fui informado de que, caso me pudesse dirigir a uma ourivesaria na avenida da Liberdade teria, ainda nesse dia, o Max Bill no pulso. Não pensei duas vezes, aliás… acho que nem sequer pensei. Entrei no carro e só parei à porta do local indicado. Entrei na loja e, ainda sem ter tempo para dizer o que quer que fosse, fui cumprimentado com um «Boa tarde Sr. Bruno Severino, estávamos à sua espera» (confesso que provavelmente não terei conseguido esconder a minha emoção ao entrar na loja, sendo imediatamente denunciado) e logo me foi apresentado o tão desejado Junghans.

Junghans Max Bill Automático, ref.a 027/3500.04 (2019).
Junghans Max Bill Automático, Ref.a 027/3500.04 (2019) | © Bruno Severino

Coloquei o relógio no pulso e fiquei imediatamente rendido e apaixonado. As formas simples, o design clássico e ao mesmo tempo perfeitamente atual, o engenhoso desenho das asas que permite ocultar a união da bracelete com a caixa, a textura da bracelete, o peso do conjunto quase impercetível e, acima de tudo, aquele mostrador… 38mm de uma cor intermédia entre o branco e o prateado harmoniosamente preenchido por uma numeração de génese Bauhaus (números de cantos arredondados com aquele pormenor ‘especial’ no algarismo 4 – patenteado pela marca) e o cristal em hesalite côncava, criam um conjunto perfeito numa peça já por si verdadeiramente icónica. Estamos perante o verdadeiro relógio Bauhaus, o standard para todos os outros que nele foram depois buscar inspiração.

Finalmente consegui passar a ser o feliz proprietário de um Junghans Max Bill Automático, ref.ª 027/3500.04. Ao fim de dois meses de utilização posso afirmar que não poderia estar mais satisfeito. É uma peça lindíssima, alvo dos mais variados elogios, icónica e bastante versátil. Ganhou lugar de destaque na coleção e, acima de tudo, tem uma história única. Uma história de amizade e entreajuda que ficará sempre gravada na minha memória e, acima de tudo, uma peça especial, oferecida por alguém muito especial. Não há dia em que, ao colocar o meu Max Bill no pulso, não recorde o dia em que o recebi com especial emoção.

Esta é a história da minha paixão e do meu Junghans ‘Max Bill’.


Sobre o leitor convidado:

Engenheiro Civil de profissão, Bruno Severino tem uma grande parte da sua vida dedicada à paixão por automóveis clássicos e por relógios de pulso. Feliz com o ronronar de um motor ‘boxer’ debaixo do capot e o tique-taque de um diver no pulso. Apreciador de cinema mainstream e amante de viagens, com alguma dificuldade em escolher o relógio certo para cada uma das ocasiões.
Para seguir: @carwatchstation

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