O nosso leitor convidado deste mês confessa que, desde muito cedo, sentiu pelos relógios de pulso uma atração muito especial. No entanto, a história que Bruno Severino escolheu contar na primeira pessoa centra-se no seu Junghans Max Bill 38 mm Automatic, um relógio com um design muito característico e que veio complementar na perfeição uma já composta coleção.
Artigo originalmente publicado em 9 de abril de 2020.
Apaixonado por todo o tipo de instrumentos de medição de tempo, comecei a sentir, desde muito cedo, uma atração especial por relógios de pulso. Não me recordo com precisão qual terá sido o modelo génese de toda esta paixão, mas recordo-me do primeiro relógio que em mim «acendeu a chama»: tratava-se de um belo ADEC de estilo clássico, com correia em pele castanha, mostrador branco, indexes em numeração romana e caixa dourada de 30 mm, um relógio que recebi dos meus pais pelo meu nono aniversário, em 1989, coincidindo igualmente com a minha entrada para a quarta classe.
Ainda hoje é um modelo que guardo com muita estima (tal como o seu estojo e certificado de garantia) e que, de tempos a tempos, ainda utilizo e me faz recordar memórias passadas. Na altura, sentia-me um verdadeiro ‘Homenzinho’ com o ADEC no pulso, exibindo-o com todo o orgulho como sendo, pelo menos para mim, o melhor relógio do mundo.
O caminho percorrido
Aquando da entrada para a universidade, tendo já percorrido o famoso ‘trilho de perdição japonês’ da Casio e tendo já apanhado a ‘autoestrada de iniciação Suíça’ da Swatch, decidi oferecer a mim próprio uma peça de uma marca com mais pedigree: um Tissot no estilo diver/mergulho que ainda hoje é, sem sombra de dúvida, aquele que mais me atrai e com o qual mais me identifico.
Posteriormente, outras marcas e modelos foram passando pela minha coleção, a qual começou a tomar um caminho mais sério e delineado com a entrada, em 2012, do meu ‘Santo Graal’, ou seja, o icónico Omega Speedmaster Professional ‘Moonwatch’, ref.ª 3570.50. Como sou um aficionado da Omega e, a par dos relógios, um apaixonado por automóveis clássicos, bem como por toda a história da corrida espacial (EUA vs. URSS) e chegada do Homem à Lua, não existe modelo que melhor me permita conjugar estes dois mundos que tanto me fizeram e continuam a fazer sonhar.
Sei que nunca poderei chegar ao Houston Space Center ao volante de um Corvette Stingray e oficialmente mencionar um «’T’ minus 30 minutes to launch time» (‘T’ menos 30 minutos para o lançamento), mas poderei sempre chegar a casa ao volante de um Volkswagen ‘Carocha’ e proclamar um «’T’ minus 30 minutes to lunch time» (‘T’ menos 30 minutos para o almoço). Para mim é suficientemente satisfatório…
Também, por esta altura, entrou na coleção, através do meu pai, um relógio francês de corda manual, da marca Chilex que pertenceu ao meu falecido avô — um relógio que sempre me fascinou e de que me lembro de ver no seu pulso à medida que eu ia crescendo. Reza a história que ao emigrar para França, no final da década de 50/início da década de 60, o meu avô o terá adquirido na estação de comboios no dia da sua chegada a Paris. Desde esse dia, e até ao seu falecimento, foi o seu único relógio. É uma peça que guardo com imensa estima e que utilizo em alguns eventos familiares para, de certa forma, ter o meu avô presente.
Com o vício cada vez mais ativo, acabei muito recentemente por adquirir (finalmente) o meu ‘unicórnio’, aquele relógio que muitas horas me deixou colado em frente a montras da especialidade e que, no pulso do agente secreto mais famoso do cinema (pelo menos desde 1995), muitas vezes o salvou de uma morte quase certa: falo do Omega Seamaster Professional Diver 300m. Que passou a ser o relógio que mais vezes uso no pulso. O ritual matinal é sempre o mesmo: colocar o relógio no pulso e imaginar em background a melodia «Dum Di-Di Dum Dum, Dum Dum Dum Dum Di-Di Dum Dum» (tema original do James Bond). Com isso sinto-me revigorado e apto para enfrentar todos os desafios do dia…
Tendo já por esta altura uma modesta coleção, composta, entre outros, por um modelo vintage (Chilex), dois fun watches (Swatch Sistem51 ‘Sistem Blue’ e Swatch Mirror Spot Mickey), vários modelos de mergulho/desportivos (Tissot, Seiko SKX007, Seiko SRP307 e Omega Seamaster Professional Diver 300m) e um cronógrafo desportivo relacionado com o automobilismo e a corrida espacial (Omega Speedmaster Professional ‘Moonwatch’), faz-se notar a ausência de uma peça clássica, o chamado dress watch, que a vontade de relaxar em ambientes mais calmos, ou ao volante de um clássico, tanto convidam a ter no pulso.
A escolha, a busca e, finalmente, o meu Junghans Max Bill
Outubro de 2019, mês do meu aniversário. Nada melhor do que aproveitar a ocasião (facilmente justificável) e iniciar a procura por um modelo clássico que preenchesse todos as áreas de interesse na coleção. Rapidamente as premissas de procura ficam limitadas a quatro características base: movimento automático, fundo branco, sem data e enquadrar-se tão bem em ambientes formais como em ambientes mais casuais. Voltando uma vez mais aos automóveis clássicos, e sendo proprietário de um Volkswagen 1300 ‘Carocha’, de 1966, comecei a pesquisar peças com aproximações estéticas a essa década e que casassem na perfeição com esta minha outra paixão.
Já conhecia a marca de relógios alemã Junghans e sempre fui apreciador dos seus modelos mais clássicos, bem como da sua ligação ao movimento Bauhaus, pelo que a escolha recaiu no modelo mais conhecido desta casa, o famoso Max Bill Automático, ref.ª 027/3500.04, cujo relógio original foi desenhado em 1961 pelo próprio Max Bill (estudante de Artes na Escola Bauhaus, designer gráfico, designer de produto, pintor, arquiteto, escultor e um dos expoentes máximos ligados a este movimento) e que até hoje mantém a sua forma e desenho praticamente inalterados.
Escolha feita e já me imaginando ao volante do ‘Carocha’ com o Junghans no pulso, chegámos à semana do meu aniversário. Com a lista dos três representantes da marca bem estudada, fiz-me ao caminho e parti para a fase da aquisição. Assim pensava eu. Com o incentivo adicional da minha esposa que, já não podendo mais ouvir falar do Junghans decidiu fazer dele a minha prenda de aniversário, aproveitei todas as oportunidades disponíveis para fazer ‘visitas de estudo’ às lojas onde a marca se encontra representada para poder testar a minha ligação ao modelo, mas acabei por, durante algum tempo e por diversas razões, ter alguma dificuldade em encontrar o relógio no mercado.
Entretanto, como faço parte de um grupo de aficionados por relógios, através de uma conversa por WhatsApp, expliquei de forma resumida que estava a ter alguma dificuldade em encontrar o relógio. No entanto, após alguns minutos, surge uma mensagem de um outro participante, alguém bastante respeitado no mundo dos relógios e que nele faz o seu percurso profissional – Miguel Seabra — a dizer que tinha acabado de encaminhar a minha situação para o distribuidor da marca e que assim eu conseguiria certamente obter mais informações. Não estando ainda a perceber o que se passava (nem sequer tinham decorrido 10 minutos desde a última mensagem) recebi um telefonema muito simpático e fui informado de que, caso me pudesse dirigir a uma ourivesaria na avenida da Liberdade teria, ainda nesse dia, o Max Bill no pulso. Não pensei duas vezes, aliás… acho que nem sequer pensei. Entrei no carro e só parei à porta do local indicado. Entrei na loja e, ainda sem ter tempo para dizer o que quer que fosse, fui cumprimentado com um «Boa tarde Sr. Bruno Severino, estávamos à sua espera» (confesso que provavelmente não terei conseguido esconder a minha emoção ao entrar na loja, sendo imediatamente denunciado) e logo me foi apresentado o tão desejado Junghans.
Coloquei o relógio no pulso e fiquei imediatamente rendido e apaixonado. As formas simples, o design clássico e ao mesmo tempo perfeitamente atual, o engenhoso desenho das asas que permite ocultar a união da bracelete com a caixa, a textura da bracelete, o peso do conjunto quase impercetível e, acima de tudo, aquele mostrador… 38mm de uma cor intermédia entre o branco e o prateado harmoniosamente preenchido por uma numeração de génese Bauhaus (números de cantos arredondados com aquele pormenor ‘especial’ no algarismo 4 – patenteado pela marca) e o cristal em hesalite côncava, criam um conjunto perfeito numa peça já por si verdadeiramente icónica. Estamos perante o verdadeiro relógio Bauhaus, o standard para todos os outros que nele foram depois buscar inspiração.
Finalmente consegui passar a ser o feliz proprietário de um Junghans Max Bill Automático, ref.ª 027/3500.04. Ao fim de dois meses de utilização posso afirmar que não poderia estar mais satisfeito. É uma peça lindíssima, alvo dos mais variados elogios, icónica e bastante versátil. Ganhou lugar de destaque na coleção e, acima de tudo, tem uma história única. Uma história de amizade e entreajuda que ficará sempre gravada na minha memória e, acima de tudo, uma peça especial, oferecida por alguém muito especial. Não há dia em que, ao colocar o meu Max Bill no pulso, não recorde o dia em que o recebi com especial emoção.
Esta é a história da minha paixão e do meu Junghans ‘Max Bill’.
Sobre o leitor convidado:
Engenheiro Civil de profissão, Bruno Severino tem uma grande parte da sua vida dedicada à paixão por automóveis clássicos e por relógios de pulso. Feliz com o ronronar de um motor ‘boxer’ debaixo do capot e o tique-taque de um diver no pulso. Apreciador de cinema mainstream e amante de viagens, com alguma dificuldade em escolher o relógio certo para cada uma das ocasiões.
Para seguir: @carwatchstation