Uma das caraterísticas a que qualquer aficionado presta atenção quando analisa um relógio mecânico é a sua autonomia — seja ele um relógio automático ou de carga manual. E a indicação da reserva de corda num relógio é sempre algo de muito apreciado. Aqui ficam alguns casos destacados que adornam exemplares de todos os preços e feitios.
Um relógio mecânico precisa de energia para que a miríade de rodagens e componentes do movimento possam fazer avançar os ponteiros e todas as demais indicações/complicações que lhe possam estar associadas. E também precisa de energia armazenada — a que vulgarmente se chama de reserva de marcha, reserva de corda ou reserva de carga. A autonomia de funcionamento é habitualmente expressa através do número de horas ou de dias e, numa equivalência relojoeira à percentagem de bateria num telemóvel, acaba por ser uma das valências relevantes aos olhos dos aficionados aquando de uma nova aquisição.
Normalmente, a reserva de carga de um relógio mecânico de fabrico contemporâneo — seja ele de corda automática ou de corda manual — anda entre as 38 horas e os três dias. E muitos deles ostentam precisamente essa indicação que permite ao utilizador saber qual a autonomia do relógio. Obviamente, tal informação é sobretudo útil nos exemplares de corda manual, porque precisam mesmo de ser carregados manualmente de modo periódico para que se mantenham em funcionamento. Mas também há vários modelos automáticos que incluem essa informação, mesmo que o seu uso regular no pulso mantenha o relógio carregado. Numa era em que se muda tanto de relógio consoante a ocasião ou da semana de trabalho para o fim-de-semana, convém saber a quantas um relógio anda…
Há vários fatores que contribuem para influenciar a reserva de corda de um relógio — a começar pelas complicações ou indicações adicionais que consomem mais energia, como sucede quando os cronógrafos estão em funcionamento. Os calendários perpétuos e os modelos com horas e/ou minutos saltantes são outros exemplos. Sem esquecer que relógios dotados de uma frequência mais elevada (como os Zenith com o calibre El Primero, que bate a 36.000 alternâncias por hora) também consomem mais energia. E quando a reserva de corda é baixa, a carga residual afeta negativamente a precisão. É precisamente para informar o utilizador de que um relógio pode estar quase a parar ou está a funcionar nos mínimos que existem os indicadores de reserva de marcha.
Reserva de corda: diferentes tipologias
Há diversos modos de mostrar a indicação de reserva de corda num relógio — a grande maioria no mostrador, embora nalguns casos a informação também possa ser dada no fundo da caixa para que a estética do mostrador não seja afetada, ou quando o mostrador já está muito congestionado. Esses indicadores podem também ser reveladores do estilo e da criatividade de uma marca… sem esquecer os casos em que se tornam num modo de vangloriar a sua superlatividade técnica, como sucede quando o movimento é capaz de proporcionar uma autonomia de funcionamento fora do comum graças a tambores de corda múltiplos (sobrepostos ou sequenciais) ou uma mola principal particularmente extensa.
Nos relógios de mostrador esqueletizado, por vezes é possível observar o desenrolar da mola principal e aferir a quantidade de corda remanescente. Mas a melhor maneira de constatar o estado da reserva de marcha é mesmo através de um indicador concebido para esse efeito. A indicação de reserva de carga é uma pequena complicação em si mesma, muitas vezes assumindo o protagonismo no mostrador ou mesmo no nome de um determinado relógio. Não sendo uma complicação muito falada, é sempre uma complicação popular junto dos aficionados.
E há cada vez mais relógios dotados de indicadores de reserva de carga — sejam eles de modo circular, semicircular ou linear, através de ponteiro ou disco, com ou sem a ajuda de cores suplementares, de maneira tradicional ou recorrendo a alguma folia criativa.
Recordes de autonomia
A maneira mais comum de revelar a reserva de carga é a apresentação de um pequeno segmento, normalmente descentrado, em que um ponteiro independente percorre uma pequena escala das horas ou dos dias. Esse segmento pode ir dos 40 graus aos 300 graus e mesmo 360 graus nas indicações circulares. Há casos em que, como sucede nalguns modelos Mille Miglia da Chopard, a inspiração automobilística do relógio faz com que a escala da indicação de reserva de corda seja apresentada como se fosse um manómetro do tanque da gasolina.
E depois há marcas particularmente propensas para a colocação de indicadores de reserva de carga no mostrador, como a A. Lange & Söhne. O lançamento do Lange 1 em 1994 contribuiu muito para a popularização desse tipo de indicação — e a A. Lange & Söhne continuou a promovê-la nas suas peças, desde o Datograph Auf & Ab (ou Up & Down, na tradução inglesa que significa que a carga está em cima ou em baixo) até ao Zeitwerk. O Lange 31 exibe orgulhosamente a sua autonomia de… 31 dias!
- No Datograph Auf & Ab a referência ‘Auf & Ab’ (Up & Down) significa que a carga está em cima ou em baixo | Foto: cortesia A. Lange & Söhne
- A corda do Lange 31, um relógio que, como o nome indica, tem 31 dias de autonomia | Foto: cortesia A. Lange & Söhne
- O Lange 31 exibe orgulhosamente a sua autonomia de 31 dias | | Foto: cortesia A. Lange & Söhne
Claro que o facto de muitos relógios da manufatura de Glashütte serem de corda manual contribui muito para a afirmação desse recurso como elemento de design preponderante. É o que sucede com outra marca de Glashütte, a Nomos — com uma abertura no mostrador que revela um disco cujo segmento vermelho alerta para o facto de a autonomia da carga estar a acabar. O encarnado é uma cor muito comum na escala dos indicadores de reserva de carga, mostrando o ‘perigo’ de a corda estar quase a acabar.
Depois há os sistemas lineares, seja com o recurso a um ponteiro que percorre uma escala horizontal ou vertical, seja através de uma ranhura que, afinal, mais não mostra do que segmentos coloridos de um disco situado logo abaixo do mostrador. A Panerai é talvez a marca que mais tem insistido nos sistemas de indicação linear, como acontece com o novo Luminor Dieci Giorni GMT PAM01482 da Panerai, que tem 10 dias de reserva de corda.
A MB&F seguiu outra via: apresentou um sistema vertical em que a indicação de reserva de corda subia ou descia no mostrador do modelo Legacy Machine destinado a comemorar os 10 anos dessa linha mais clássica da marca fundada por Max Busser.
Já a configuração preferida da IWC é um círculo que quase parece um submostrador de pequenos segundos ou um totalizador de cronógrafo. Esse ‘submostrador’ surge em destaque nalguns modelos Pilot e no Portugieser Automatic 7-Days, com uma semana inteira de autonomia — mesmo tratando-se de um relógio automático.
Claro que há quem ache que o indicador de reserva de carga num relógio de corda automática é um contrassenso, mas é verdade que por vezes se põe um relógio automático de lado durante um fim-de-semana ou simplesmente quando se alterna de companheiro de pulso e é possível ver num relance o estado da autonomia graças à indicação no mostrador. Até porque há quem tenha um estilo de vida mais sedentário e convém que o relógio tenha sempre uma carga mínima (e um relógio automático necessita habitualmente de 10 a 15 horas até ficar com a ‘corda toda’) para que a precisão não seja afetada, ou para que o relógio não pare e induza depois o utilizador em erro ou lhe estrague o dia com atrasos…
O indicador de reserva de corda acaba por ser um pormenor prático para o utilizador. Abraham-Louis Breguet foi o primeiro a incorporar essa indicação num relógio de bolso por volta de 1800 — indicação essa que se tornou fundamental nos relógios de marinha ou nos relógios dos caminhos de ferro, por exemplo. A Jaeger-LeCoultre foi a primeira marca a usar com maior frequência a indicação da reserva de marcha em relógios de pulso de série, a partir de 1948 e com o chamado Powermatic. A Vacheron Constantin pode gabar-se de ter no seu currículo o Traditionelle Twin Beat Perpetual Calendar com 65 dias de autonomia, e esse é atual o recorde a bater…