A Hermès voltou a impressionar na edição deste ano da Watches and Wonders. Considerada como uma das mais legítimas e estáveis marcas de luxo, a maison parisiense tem vindo a investir gradualmente no setor relojoeiro e não só apresentou uma nova coleção como também assinou um dos melhores relógios do certame.
Em Genebra
O relatório da Morgan Stanley sobre o ano de 2023 na indústria relojoeira é claro: a Hermès tem-se imiscuído entre as principais marcas do setor e cotou-se num honroso 16.º lugar, com 79.000 unidades vendidas e uma faturação de 593 milhões de francos suíços. A classificação e os números prometem melhorar nos próximos tempos, já que a casa parisiense sabe o que faz, entende perfeitamente os meandros do luxo, tem uma estratégia para o seu departamento relojoeiro e vem estabelecendo uma base industrial que não só lhe dá autonomia, como também assegura um crescimento vertical sustentado.
Esse crescimento vertical esteve bem patente na divulgação das novidades na Watches and Wonders. A Hermès apresentou uma linha de base completamente nova, denominada Cut e pensada para ser o equivalente feminino da bem-sucedida H08 no masculino — embora sendo ambas suficientemente versáteis no tamanho e no estilo para serem usadas indiscriminadamente por homens e senhoras. Mas também apresentou um hino aos métiers d’art no Arceau Chorus Stelarum e ainda o mecanicamente complicado Arceau Duc Attelé, que junta um turbilhão central à função acústica da repetição de minutos e foi justamente considerado por muitos como uma das vedetas da feira e até por alguns como o melhor relógio do certame.
O raciocínio da Hermès é mais do que justo. Tem sido considerada uma das marcas mais sólidas da constelação do luxo nas últimas décadas, face à flutuação no valor e na perceção pública de várias outras casas consagradas. Há especialistas que a definem mesmo como a casa número um no setor do luxo e da moda. Como outras maisons, criou um universo próprio e uma linha de boutiques com acessórios variados e relativamente acessíveis que atraem clientes aspiracionais — das canetas aos óculos, passando pela perfumaria.
E há cerca de uma dúzia de anos percebeu que o elevar da fasquia no setor relojoeiro seria fundamental para a sua afirmação ao mais alto nível. Foi-se desfazendo dos relógios de quartzo e investindo na relojoaria mecânica, graças a produtos inovadores que até resvalam para o campo das complicações lúdicas (como no aclamado Le Temps Suspendu). Para além disso, assegurou uma participação relevante no capital da Vaucher Manufacture Fleurier (que faz calibres para a Parmigiani, Audemars Piguet, Richard Mille e até mesmo o movimento cronográfico rattrapante do novíssimo Monaco Split-Seconds Chronograph).
Atualmente, a Hermès apresenta um catálogo relojoeiro dividido em cinco famílias de pendor masculino e sete mais feminino, incluindo o novo Cut — que surge na peugada do H08, uma linha que já se pode considerar icónica atendendo ao estilo único e diferenciado que faz dela um caso sério no segmento dos relógios desportivos elegantes. Na última meia dúzia de anos, a Hermès tem crescido mais depressa do que outras marcas de prestígio e de maior tradição relojoeira. E conta melhorar todos os seus índices.
A estreia do Cut
Parece ser redondo à distância, mas é mais do que isso — é «um círculo dentro de uma forma arredondada», como o define a Hermès. E é uma nova aposta da Hermès num formato midsize que está direcionado para um público mais feminino… mas não só. Sobretudo, o novo Cut é um exercício de estilo com 36mm de diâmetro que vem complementar o H08 e reforçar a oferta da marca no âmbito da relojoaria sport chic, para ser usado descontraidamente durante a semana e desportivamente ao fim-de-semana.
Até porque pode ser usado com bracelete metálica (que lhe dá uma aura de design integrado) ou uma variada seleção de braceletes em cauchu em oito tonalidades. Como tem sucedido com as últimas linhas da Hermès, o Cut apresenta uma tipografia que foi exclusivamente ‘inventada’ para ele — o que mostra bem o empenho da maison parisiense em criar produtos de forte identidade e diferenciados.
E a identidade do Cut apresenta uma forte componente geométrica, graças a uma caixa que se pode considerar de tipologia cushion e com a coroa colocada assimetricamente à 1h30. Apesar do tamanho ‘médio’, o mostrador é espaçoso e o modelo de base integra um mostrador prateado com algarismos luminescentes e alguns toques com o cor-de-laranja Hermès que lhe dá o tal espírito mais casual.
O Cut é alimentado pelo calibre automático H1912 com 50 horas de autonomia e apresenta-se disponível em quatro variantes: aço, aço com luneta em diamantes, aço com luneta e coroa em ouro rosa 5N e aço com luneta em ouro rosa cravejada de diamantes.
A excelência do Arceau Duc Attelé
Inspirado no universo equestre tão caro à Hermès, o Arceau surgiu originalmente em 1978 com um traçado do designer Henri d’Origny assente numa caixa redonda acompanhada de asas assimétricas que evocam um estribo.
É uma forte imagem de marca do departamento relojoeiro da maison e a histórica linha recebeu agora o mais complexo relógio jamais integrado na coleção: o Arceau Duc Attelé, que tem sido justamente apontado como um dos protagonistas da Watches and Wonders graças à combinação de um turbilhão triaxial com um repetidor de minutos.
Com uma caixa de 43mm em titânio polido ou ouro rosa encimada por um vidro de safira abobadado, o Arceau Duc Attelé revela o turbilhão de eixo triplo com motivo de duplo H no centro e os martelos de ‘formas equídeas’ da complicação acústica na parte inferior, juntamente com o indicador de reserva de carga às 6h.
O mostrador é decorado com um guilloché assente em losangos de revestimento antracite, mas também existe uma versão em aventurina. E o fundo transparente em vidro de safira revela o Calibre H1926 de corda manual com 48 horas de autonomia. Cada variante (titânio ou ouro rosa) está limitada a uma tiragem de somente 24 exemplares.
A decoração do Arceau Chorus Stellarum
Já o Arceau Chorus Stellarum assenta numa caixa Arceau de 41mm em ouro branco — e é uma homenagem aos métiers d’art no contexto da cultura equestre, declinado em duas séries (ambas em ouro branco, mas uma com luneta cravejada de diamantes) ainda mais limitadas de seis exemplares cada. Apresenta um mostrador onde, para além do cavalo e respetivo cavaleiro que podem ser animados através de um botão, brilha uma sinfonia celestial decorada com a técnica champlevé, pintura miniaturizada, gravações e superfícies esmaltadas.
A inspiração vem do lenço da Hermès concebido por Daiske Nomura e designado Chorus Stellarum, com esqueletos a cavalgarem majestosos equídeos num fundo celestial assente na coleção Émile Hermès. E a motorização assente no calibre Hermès Manufacture H1837 de corda automática com 50 horas de carga.
Em suma: uma nova linha sport chic, um relógio ultracomplicado e uma demonstração de artes decorativas — mais um passo seguro da Hermès na consolidação da sua oferta relojoeira ao mais alto nível. E seguramente que, dentro de 10 anos, a maison parisiense estará a ombrear com as principais manufaturas tradicionais do universo exclusivamente relojoeiro.