72 Horas em Le Mans com a TAG Heuer

Como é ser espetador privilegiado da mais famosa corrida do mundo? Residente em Portugal e amigo da Espiral do Tempo, o colecionador Nicholas Gatehouse passou três dias em Le Mans e dá-nos o seu testemunho na primeira pessoa.

Por Nicholas Gatehouse


Introdução: Nicholas Gatehouse é não só um dos mais importantes colecionadores de relógios Heuer vintage do mundo, mas também um colecionador de viaturas clássicas e um grande aficionado do desporto motorizado. Após passar quase três décadas em Hong Kong, escolheu a zona de Cascais para viver no início do ano passado e foi convidado pela TAG Heuer para vivenciar Le Mans por dentro. O texto que se segue é o testemunho do inglês sobre a experiência vivida ao longo de três dias no mítico circuito de Le Sarthe.


George Ciz, Chief Marketing Officer da TAG Heuer, numa selfie com o autor Nicholas Gatehouse em especial para a Espiral do Tempo | © George Ciz / Espiral do Tempo

A primeira vez que fui a Le Mans ainda era estudante, no final da década de 80, e voltei lá pouco depois para uma segunda visita durante a corrida. A minha mais recente visita tinha ocorrido há cerca de 10 anos, num evento do Tour Auto no qual participei com um Porsche vintage equipado com os inevitáveis instrumentos de bordo Heuer; mas isso foi numa outra prova fora do âmbito das 24 Horas propriamente ditas, pelo que esta se tratou da minha primeira visita à lendária corrida nos últimos 30 anos e a quarta visita a Le Mans no total.

O Alfa Romeo Zagato do autor e o Porsche 911 em exibição no Château | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Apanhei um voo de Lisboa para Paris, porque precisava de ir lá buscar um Alfa Romeo Zagato de 1961 que comprei recentemente e queria testá-lo — e conduzi nele desde Paris até Le Mans. O timing foi perfeito. Levei comigo três cronógrafos Heuer da minha coleção: obviamente o Monaco Ref. 1133b, devido à sua lendária associação a Le Mans porque foi a referência usada por Steve McQueen no filme do mesmo nome; um Autavia Ref. 2446 Mk4 (a última e mais rara das chamadas séries ‘Rindt’ porque tem luminescência no mostrador sem apliques metálicos nos indexes) e um Ref. 750-501 de acabamento PVD, apelidado de ‘No-Name Pasadena’ (é dos raros cronógrafos Heuer a não ostentar nome no mostrador), porque para mim é o que mais se coaduna com a estética dos Porsche no final dos anos 70.

O Ref. 750-501 de acabamento PVD, também conhecido por ‘No-Name Pasadena’ | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Em Le Mans, a TAG Heuer e a Porsche foram atenciosas o suficiente para nos hospedar num belo Château muito perto do circuito de La Sarthe e tinham lá uma frota de carros — os novos 992! — para nos levar de um lado para o outro. Foi um belo fim-de-semana, uma experiência muito bonita. Depois dos treinos e durante a corrida propriamente dita a meteorologia não foi típica de verão: fez sol metade do tempo, no resto choveu. E a chuva até tornou as coisas mais interessantes para os espetadores porque implica mais variáveis e consequentemente emoção — embora a corrida ficasse mais difícil para os pilotos e para os carros.

Vista do interior para o exterior do Château onde ficaram os convidados da TAG Heuer | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Graças à parceria entre a TAG Heuer e a Porsche pudemos aceder e ficar no Porsche Experience Center quando quiséssemos mesmo durante a corrida; o Porsche Experience Center inclui uma bancada, um restaurante e um lounge, mas para além disso os clientes Porsche e os convidados especiais também podem escolher participar numa aliciante driving experience.

Sexta

Na sexta-feira tivemos o enorme privilégio de poder conduzir um Porsche 992 novinho em folha no circuito de La Sarthe na sua configuração de corrida, que para a competição é um misto de pista permanente e de estradas públicas que são encerradas durante a prova. Ou seja, só no período de realização das 24 Horas de Le Mans é que podemos ter acesso ao circuito onde se discute o troféu.

Ao volante de um Porsche 922 no circuito de La Sarthe em Le Mans | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Nessa driving experience realizada na véspera da corrida, cada um de nós teve a ajudar-nos um piloto profissional — no meu caso, um piloto profissional da série GT na Alemanha que chegou a correr oficialmente em Le Mans em 2005. Esses pilotos foram uma espécie de mentores para nós; conversámos sobre o que ia acontecer e primeiro foram os pilotos à frente e cada um de nós seguiu logo atrás noutro carro idêntico, sensivelmente a 50 metros. Podíamos comunicar através de walkie talkie e o ‘meu’ piloto disse-me que iria a média velocidade na primeira volta, que se ele fosse demasiado rápido para eu lhe fazer sinais de luzes para abrandar então um pouco o ritmo, mas que se estivesse tudo bem iriamos gradualmente mais depressa nas voltas seguintes. Foi o que aconteceu e para o fim já estávamos a fazer 300 km/h em Mulsanne.

Relógios e bólides, uma forte ligação técnica e emocional | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Foi uma grande experiência. Até porque depois ele levou-me no carro ao pôr do sol, numa altura com condições de luz espetaculares, para me mostrar quão rápido ele conseguia conduzir no circuito. Ele era tão bom, tão calmo e tão em controlo absoluto da máquina que eu até achei relaxante apesar da velocidade vertiginosa. Foi mesmo uma enorme satisfação vê-lo e senti-lo conduzir — não tive receio algum, até estava muito menos preocupado do que quando estive eu ao volante.

No lugar de pendura no Porsche 922 conduzido por um dos pilotos da marca, nas zona das boxes | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Já guiei muitos carros potentes, fossem eles clássicos ou contemporâneos. E também já estive com muitos pilotos profissionais. Para mim é sempre um prazer ir com eles porque têm uma tal margem de segurança na sua condução rápida que é uma experiência verdadeiramente extraordinária. La Sarthe em Le Mans é um dos circuitos mais velozes que há, facilmente chegamos aos 300 km/h nas retas. E depois das acelerações crepusculares, encerramos a sexta-feira com um belo jantar.

Sábado

A TAG Heuer tem uma parceria há já algum tempo com o ator americano Patrick Dempsey, que ficou especialmente conhecido através da série televisiva ‘Anatomia de Grey’; para além de piloto, tem uma equipa sua e também está ligado oficialmente à Porsche. Estivemos com ele no sábado de manhã; o Patrick é muito generoso com o seu tempo — claro que, sendo quem é, há sempre muita gente à volta com quem ele tem de falar e que quer falar com ele, mas ele está habituado e adora falar sobre relógios; quando me vê pergunta-me sempre sobre os meus modelos Heuer porque ele vê-me sempre com um cronógrafo vintage no pulso.

Com Patrick Dempsey e as inevitáveis máscaras | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

O Patrick normalmente usa relógios TAG Heuer contemporâneos; a vez anterior em que nos encontramos foi no Mónaco e ele estava naturalmente a usar um Monaco, mas Em Le Mans tinha no pulso a nova edição especial Carrera Porsche. Como me fala sempre dos Heuer vintage, já lhe disse que está na hora de adquirir um para a coleção dele! Ele apresenta credenciais de piloto muito interessantes para um ator: em 2015 ficou em segundo lugar na categoria GTaM e agora tem a sua própria equipa; em 2019 ganhou mesmo Le Mans na respetiva classe. Pelo que alcançou enquanto piloto e o sucesso que teve enquanto chefe de equipa, pode dizer-se que ele já conseguiu de tudo um pouco em Le Mans.

Prontos para a corrida: o Carrera Porsche Special Edition de George Ciz e o Autavia ‘Rindt’ de Nicholas Gatehouse | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

A corrida começou às 16 horas e durante a competição pudemos ir até às boxes da equipa de fábrica da Porsche na classe GT Pro. Eles mostram-nos tudo, como é que os sistemas funcionam, como é que os carros funcionam, a telemetria, a comunicação com os pilotos. Não podemos tirar imagens para não haver o risco de sair nas redes sociais algo que não é suposto ser do conhecimento da concorrência, mas mostram-nos tudo o que podem e é incrível o feedback que têm dos carros; eles têm informação sobre tudo o que se passa com o carro e o condutor em cada minuto das 24 Horas de Le Mans! Não é como nos tempos antigos, em que era o piloto a fazer os ajustes e a ter de relatar tudo pessoalmente aos mecânicos. Agora tudo é tão perfeito que quase que há mais pressão sobre o piloto por isso mesmo.

A agitação antes da partida e o incontornável Monaco ‘McQueen’ | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Estamos numa nova era em Le Mans. Claro que a Porsche costumava ganhar sempre a categoria principal com o 962 nos anos 70 — a Porsche ganhou mais vezes em Le Mans do que qualquer outra marca. Há já algum tempo que só corre nas outras categorias, mas dentro de dois anos todas as grandes marcas, como a Porsche, a Ferrari ou a Aston Martin, vão competir em Le Mans na nova categoria Hypercar estreada agora. Este ano, na estreia, só participaram cinco Hypercars e os dois Toyota em compita terminaram nos primeiros dois lugares, à frente de um Alpine.

Todo o misticismo de Le Mans à noite | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

O melhor de Le Mans é que vemos a partida, depois vamos dar uma volta, voltamos para ver o circuito e eles ainda estão a conduzir; depois vamos ver a corrida ao pôr do sol e o início da fase noturna e eles continuam a conduzir. Seguidamente vamos dormir e quando acordamos eles lá continuam a correr. É um festival do desporto motorizado.

A 300 à hora: sempre a acelerar na reta da meta | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Dormi só umas seis horas, para aproveitar ao máximo o meu tempo. E também porque, no último dia, a manhã iria incluir uma perspetiva completamente diferente da corrida…

Domingo

Prontos para a volta de helicóptero na companhia do relojoeiro Abel Court e de Nicholas Biebuyck, diretor do Museu da TAG Heuer | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

No domingo de manhã levaram-nos de helicóptero e lá de cima pudemos ver o circuito de La Sarthe em todo o seu esplendor com os carros a darem o máximo. É uma visão extraordinária para quem gosta de automobilismo e de Le Mans. Gosto muito da parte Indianapolis/Arnage do circuito, porque é onde os carros abrandam da velocidade máxima alcançada na recta Mulsanne para a curva Arnage muito apertada. É um troço muito mais técnico do que parece. E que é fantástico não só visto de cima, mas sobretudo à noite.

Vista aérea sobre o circuito de La Sarthe e a zona de Le Mans | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Ao falar com a equipa da Porsche eles disseram-me que normalmente o carro está tão bom no fim das 24 Horas de Le Mans como no início da prova. Que fazem sensivelmente o mesmo tempo por volta no final comparativamente com o tempo que fazem no começo — o que é um feito de engenharia incrível. Obviamente substituindo travões e o que for necessário. É uma notável proeza aqueles carros correrem a fundo durante 24 horas e conseguirem manter essa fiabilidade mecânica tendo em conta todo o desgaste inerente.

O Chief Marketing Officer da TAG Heuer, George Ciz, numa visita às boxes da Porsche | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Claro que no caso dos relógios a endurance é ainda maior, já que um relógio mecânico foi feito para funcionar ininterruptamente 24 horas por dia durante toda a vida. O meu pai ofereceu-me o meu primeiro Heuer quando tinha 14 anos e habituei-me desde pequeno a ver o logótipo nos carros de corrida, fosse na Fórmula 1 ou noutras competições. No que diz respeito ao desporto motorizado e aos cronógrafos associados, a Heuer tem uma herança incrivelmente rica — não é uma marca que tenha apenas um Daytona ou um Speedmaster na sua coleção, como sucede com outras. O número de cronógrafos lendários que Jack Heuer lançou nas décadas de 60 e 70 é verdadeiramente impressionante.

A herança motorizada da TAG Heuer e Nicholas Biebuyck com dois Carrera em ouro iguais aos que Jack Heuer costumava oferecer aos ‘seus’ pilotos de Formula 1 | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Claro que todo esse historial da TAG Heuer de ligação às corridas esteve sempre bem presente em Le Mans. O Nicholas Biebuyck, o novo responsável do museu da TAG Heuer, é um velho amigo meu e não só sabe muito de relógios como também é um grande entusiasta dos automóveis. E durante as 24 Horas de Le Mans conduziu um podcast da TAG Heuer que teve como participantes a lenda do volante Derek Bell, o próprio Patrick Dempsey e o atual piloto Neel Jani.

Passado e presente: o Monaco ‘McQueen’ e o Monaco exemplar único concebido para o leilão de beneficência Only Watch deste ano | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Esteve também connosco George Ciz, antigo vice-presidente do ATP Tour (ténis) e que desde há dois anos é o Chief Marketing Officer da TAG Heuer. Entre os convidados que me acompanharam em Le Mans estiveram o belga Abel Court e o inglês Nick Green, dois conhecidos relojoeiros especializados em reparação e restauro de relógios Heuer; Toby Bateman, o CEO da Hodinkee; e o conhecido jornalista Ted Gushue, sempre a tirar as suas belas fotos, entre outros.

Uma experiência única: presenciar Le Mans in loco | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

Quando se é um aficionado de relojoaria e de automobilismo, as 24 Horas de Le Mans constituem uma experiência simplesmente extraordinária. Tão extraordinária que dei comigo a pensar que não há dinheiro que compre a possibilidade de saborear uma tal vivência como eu tive a oportunidade de o fazer ao longo dos três dias — a não ser que se tenha a sorte de ser convidado. Ainda bem que o fui! Porque poder guiar no circuito de tão mítica corrida e passar três dias com as equipas da TAG Heuer e da Porsche foi um enorme privilégio pelo qual estou extremamente agradecido.

Outro ícone entre muitos na história da TAG Heuer: o Autavia ‘Rindt’ (Ref. 2446 Mk4) dos anos 60 | © Nicholas Gatehouse / Espiral do Tempo

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