Casas da Lapa: rumo ao paraíso perdido

Na estética romântica, o fragmento ocupa o inacessível entre o finito e o infinito. Nele, persiste o sentido do uno através do múltiplo, da totalidade através do fragmento, do absoluto através do relativo.
Tendo a presente edição como mote o carisma, partimos à descoberta de um refúgio que encerrasse em si o preâmbulo. Encontrámo-lo numa aldeia de montanha dentro do Parque Natural da Serra da Estrela. Sejam bem-vindos às Casas da Lapa.


Artigo originalmente publicado no número 76 da Espiral do Tempo (outono 2021) e aqui complementado com fotografias exclusivas.


Na mala, levámos um Tudor Black Bay 41, que, à semelhança de todos os modelos desta linha, adotou os ponteiros angulares Snowflake, um clássico desde 1969. Resultado de uma mistura subtil de estética tradicional e relojoaria contemporânea, a linha Black Bay está, contudo, longe de ser um relançamento idêntico ao de uma peça comum. O que mais atrai neste relógio é a ausência de ‘alarido’; basta atentar ao mostrador prateado com acabamento polido e acetinado para compreender todo o seu carácter sóbrio e distinto.

Piscina exterior com vista para uma colina verde com árvores e Tudor Black Bay 41 pousado em folhagem verde.
Tudor Black Bay 41 | Ref: M79540-0011 Ø 41mm | Aço | Corda automática | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Entrados no outono, uma estação que encerra em si algo de contraditório — uma vontade de dispersão, um ímpeto errante e, ao mesmo tempo, uma força que conduz ao lugar inicial, ao paraíso perdido — convidamo-lo a descobrir a aldeia da Lapa dos Dinheiros, no distrito da Guarda. Um lugar de revelação do humano e do sagrado. Com as temperaturas mais amenas, a pedir roupas e comidas quentes, e o aconchego dos elementos em madeira, entre e acomode-se no coração de uma casa serrana. Lá fora, há rebanhos à solta, soitos, montes e vales a perder de vista. Encontrará também aldeões que, mesmo que atarefados nas suas hortas, irão recebê-lo com uma profunda generosidade. Todos o cumprimentarão amistosamente e prontificar-se-ão a ajudá-lo. Em tudo consistente com o que encontrará no interior do alojamento: acolhimento de excelência e autenticidade. Harmonizado com um luxo sóbrio, sem extravagâncias. O Éden do carisma.

Entrada das Casas da Lapa e pormenor da cascata privada.
Entrada e a cascata privativa como alternativa às duas piscinas exteriores localizadas em patamares diferentes | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Turismo de natureza

As Casas da Lapa contam com 15 quartos, oito dos quais são suites. Com duas piscinas panorâmicas de exterior, ladeadas por vinhas, amoreiras, macieiras e castanheiros, e uma cascata privativa, é um destino de turismo de natureza e de pessoas à procura de descanso num local com muita qualidade, que alia tradição a contemporaneidade.

Cascata privada e exterior das casas da Lapa.
| © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Pousadas as malas, comece-se com uma caminhada na natureza. As Casas da Lapa são o ponto de partida para a Rota da Caniça, ao longo de uma ribeira, numa paisagem dominada por soitos, lameiros, matos e afloramentos rochosos. Neste percurso, merece especial destaque o soito da Lapa, um bosque de castanheiros centenários que suporta uma elevada diversidade de espécies de fauna e flora, algumas das quais de ocorrência rara em Portugal.

Um idílio para quem quer usufruir do ar livre

Na ribeira e sua envolvente, merecem particular referência as quedas da Caniça, os Cornos do Diabo, curiosa formação rochosa, e o buraco do Sumo, onde um curso de água corre subterraneamente. Para os menos friorentos, aconselha-se fulgurantemente umas braçadas na praia fluvial da Lapa dos Dinheiros (ou praia da Caniça). Neste afluente da margem direita do rio Alva, encontrará uma pequena praia com um enquadramento paisagístico magnífico sobre a montanha, com notáveis afloramentos graníticos juntamente com um espelho límpido de água que atrai todos os que por ali passam. Porém, fica a reserva: a temperatura é gelada, muito gelada.

Mas é reconfortante saber que, em apenas cinco minutos a pé, estará de regresso ao alojamento, onde lhe espera uma piscina de interior aquecida (com exclusividade horária), ou uma massagem com aromaterapia com a chancela de qualidade da marca belga Pranarom, seguida de jantar e pernoita num espaço excecionalmente acolhedor. E há ainda uma cascata na propriedade a certificar-se de que o suave burburinho da água irá embalá-lo num doce-doce sonho.

Piscina exterior à noite e pormenor da piscina interior das Casas da Lapa.
| © Paulo Pires / Espiral do Tempo

É o local perfeito para desfrutar dos sons da natureza e das belas paisagens serranas. Um idílio para quem quer descansar e usufruir do ar livre, fazer passeios pedestres ou piqueniques no campo.

O projeto, segundo a proprietária, Maria Manuela Silva, surgiu da ligação familiar à aldeia. Nuno, o seu marido, nasceu ali e, apesar de viver em Coimbra, manteve sempre uma forte ligação (e paixão) à sua terra. Acreditando muito no potencial turístico da zona, compraram a primeira casa em 2001. Abriram ao público, em 2005, com seis quartos; dois anos depois, ampliaram a unidade para oito. Mais tarde, surgiram as Casas do Soito, na mesma aldeia: dois apartamentos com piscina, serviço de alojamento, pequeno-almoço, self-catering e limpeza diária. Depois, estiveram fechados para obras de ampliação, reabrindo em junho de 2020, em plena pandemia. A unidade hoteleira conta agora também com biblioteca, sala de cinema, de leitura e de reuniões.

Interior das partes comuns das casas da Lapa com estante com livros e vista para uma sala com cadeiras de estar.
Uma ‘buraca’, um refúgio dentro de um refúgio na sala de leitura | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

As obras foram complexas, até pela localização, mas, atualmente, tudo está perfeitamente adaptado às novas circunstâncias. Os hóspedes podem estar em teletrabalho, tanto no quarto como nas várias salas distribuídas pelo complexo, tendo ao seu dispor secretárias, excelente sinal de wi-fi e incontáveis canais de televisão pagos disponíveis gratuitamente. Com a vantagem acrescida de não haver imposição de horários. O pequeno- almoço é servido a partir das 9h00, sem tempo limite, o room service adapta-se ao ritmo de cada um. Até o check-out pode ser tardio, se a lotação assim o permitir. É um serviço bespoke, totalmente personalizado.

A decoração foi toda pensada pelo casal. Privilegia a matéria-prima local, o burel — tecido artesanal feito de lã dos ovinos de raça Serra da Estrela do tipo Bordaleira e Merina Branca, e a madeira, aliados a belíssimas peças de design clássicas (candeeiros, sofás, tapetes). Um ambiente pensado para ser suave e intemporal.

Sala de leitura e burel da Serra da Estrela nas almofadas dos sofás da sala comum das Casas da Lapa.
O sempre presente burel honrando a tradição têxtil da Serra da Estrela | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Também à mesa se privilegiam os produtos locais, todos nacionais e sazonais. A cozinha é contemporânea, de autor, mas com uma raiz tradicional. Tem um menu diário elaborado de acordo com os produtos mais frescos, constituído por cinco elementos: couvert — o pão é feito na casa duas vezes ao dia, sopa, prato principal (sempre com uma opção de peixe, carne ou vegetariano) e sobremesa.

Depois do jantar, recomenda-se a sala de leitura, com uma ampla oferta de livros de autores portugueses e estrangeiros. E, para júbilo de quem gosta de ler sossegado, ali encontrará um refúgio encantador — a reinterpretação das tradicionais buracas, grutas escavadas na parte de trás das casas da aldeia.

O vagar dos dias

Todo o espaço apela ao descanso, a saborear o vagar dos dias. A noção de tempo está sempre presente, até porque, pela sua localização privilegiada, a Lapa dos Dinheiros encontra-se debruçada no cimo da encosta de um monte, não tendo, portanto, nada a obstruir. Por essa razão, dali o horizonte é tão longínquo quanto os olhos humanos o permitam. Mas nada condiciona, não há pressões. Os proprietários pensaram em todos os aspetos, em cada pormenor, para permitir que os hóspedes descansem, namorem, conversem. «Encontram aqui uma zona de conforto. O tempo pode passar rápido ou devagar; tem é de ser agradável e adaptado ao ritmo de cada um. Tentamos ter uma presença discreta e cordial. Há hóspedes que querem conversar, saber a história da região, e outros que preferem passar despercebidos. Queremos corresponder ao máximo das expetativas», disse-nos a proprietária.

Piscina exterior e pormenor de um canto com mesas no interior das Casas da Lapa.
| © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Maria Manuela Silva é professora universitária — leciona química farmacêutica em Coimbra, não trabalha no hotel, mas encontramo-la todos os dias a tratar dos mais ínfimos pormenores. O projeto é familiar, até os filhos e os pais do casal se empenharam nele; é um desígnio de vida.

Lendas, cores e cheiros

Da Lapa dos Dinheiros, ouvem-se contar passagens interessantes, mas pouco há documentado para poder traçar as linhas históricas desta pequena aldeia. Uma de entre muitas as espalhadas pelas encostas da serra da Estrela, fica situada na Beira Alta, pertencente ao concelho de Seia. Da História, pouco se sabe, mas tudo indica que esta localidade terá nascido de aglomerados de pastores que ali se foram fixando. A avaliar pelo nome, tendo em conta as datas do reinado de D. Dinis, a Lapa já existia no século XIII e, segundo consta, terá sido este rei a dar nome à aldeia.

Conhecido pelas suas caçadas, há testemunhos do rei em vários pontos da serra da Estrela. Consta que, certo dia, D. Dinis terá sido recebido pelos habitantes da aldeia com um bom repasto, servido sobre uma lapa — uma pedra grande, muitas vezes aproveitada para a construção de uma das paredes das casas. No fim da refeição, mostrou-se surpreendido com a qualidade e quantidade do que lhe foi servido. Perguntou como é que se justificava tamanha abundância, ao que os aldeões responderam: «Foi com os dinheiros de cada um.» E assim, reza a lenda, D. Dinis terá decidido atribuir àquela região o nome de Lapa dos Dinheiros.

Tudor Black Bay 41 e um pormenor do interior das Casas da Lapa.
Tudor Black Bay 41 Ref: M79540-0011 Ø 41mm | Aço | Corda automática | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Ao longe, saltam à vista casinhas brancas, realçando o vermelho da telha Marselha, e é-se brindado com uma paisagem maioritariamente constituída por castanheiros e carvalhos negrais e alvarinhos que, sendo árvores de folha caduca, trocam periodicamente as cores da sua roupagem.

É no outono que esta paisagem de soitos se torna mais fascinante. Nesta estação do ano, quando as castanhas que se protegem dentro dos ouriços arriscam a queda por já estarem maduras, o bosque adquire cores de fogo-fátuo que vão do amarelo-vivo às várias tonalidades de vermelho e alaranjado, realçadas pelos restos de variadíssimos verdes que sobram do verão ou que permanecem nas árvores de folha persistente.

É este o cartão de visita para quem avista a Lapa dos Dinheiros num dia de outono. A paisagem, que até ali fora de pinhais, cujas carumas conservam um verde-seco, subitamente altera-se, apresentando vastas áreas de cor de amarelo-alaranjadas. Depois, há os contrastes trazidos pelos frutos. No interior da aldeia, sente-se o cheiro adocicado a mosto em fermentação e aromas inebriantes provenientes de peras e maçãs maduras. À medida que o frio espreita, acendem-se fogueiras nos terrenos de cultivo para queimar folhagem e ramos velhos, largando um perfume só comparável ao das castanhas quentes, acabadas de assar.


Relógio cedido por Torres Joalheiros.

Visite o site oficial das Casas da Lapa para mais informações.

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