Relógios e automóveis: corridas lendárias

Na história do desporto motorizado, houve sempre competições que se tornaram mais relevantes do que outras. Quais os fatores que as catapultaram para o estatuto de lenda? Numa análise aos mais diversos templos da velocidade e às provas que lhes estão associadas, há sempre um conjunto de míticos circuitos que se destacam — e com eles também relógios emblemáticos.

Texto publicado no número 52 da Espiral do Tempo

Miguel Seabra, com João Carlos Costa

Corridas Miticas: Mille Miglia
Mille Miglia, 1932 © Bruno Guerrini
| Foto de abertura: Spa-Francorchamps © Raidillon

Qualquer modalidade desportiva tem os seus principais locais de culto — verdadeiras mecas que os respetivos adeptos sonham visitar em peregrinação pelo menos uma vez na vida. Wimbledon, no ténis. Augusta National, no golfe. Wembley e Maracanã, no futebol. No desporto motorizado, a romaria é mais dispersa porque as muitas disciplinas existentes implicam uma maior diversidade geográfica e são várias as competições que conseguem capturar o imaginário dos aficionados. E, consequentemente, o interesse das marcas relojoeiras.

O que é que consegue transportar uma determinada corrida para a lenda? Os fatores são múltiplos e vão dos mais objetivos até aos inevitavelmente subjetivos. Para começar, a história assume um peso determinante — os campeões que participaram e ganharam, os episódios mais dramáticos e as anedotas mais rocambolescas ao longo do tempo. Depois, o desafio que constitui e a dificuldade que lhe é inerente. O enquadramento também se afigura particularmente relevante, desde o envolvimento urbano até à beleza paisagística. E, claro, o desejo que desperta em pilotos profissionais e amadores, que sentem instintivamente na pele quais os circuitos que mais gostariam de experimentar e as corridas específicas que desejariam ganhar.

"Carrera
Carrera Panamericana © TAG Heuer

Desde o advento do desporto motorizado que surgiram corridas e circuitos um pouco por todo o mundo. Das corridas que atingiram maior fama, várias houve que tiveram de ser canceladas por motivos de segurança e algumas foram reinventadas. Dos circuitos mais emblemáticos, muitos foram reconvertidos ou substituídos por outros em paragens diferentes. Houve corridas que inspiraram modelos ou mesmo linhas relojoeiras inteiras que ainda vigoram, como sucedeu com Daytona, a Carrera Panamericana e a Mille Miglia; e há circuitos que invariavelmente ajudaram a batizar relógios, como o Monaco e o Silverstone. Pesando todos os fatores, pode-se chegar a uma lista de corridas/circuitos atualmente em vigor e elaborada segundo critérios alargados – com a ajuda de João Carlos Costa, jornalista especializado em desportos motorizados e que já acompanhou no local todas as mais lendárias corridas, aqui vai uma seleção variada, sem qualquer ranking estabelecido e por isso apresentada de forma aleatória.

Le Mans

Circuit de la Sarthe © Rolex/Jad Sherif
Le Mans, circuito de La Sarthe © Rolex/Jad Sherif

Ao longo de um fim de semana na província, Le Mans concita as atenções do mundo: o circuito de La Sarthe, com um total de 13.629 km, é um misto de pista permanente e de estradas públicas que são encerradas durante a prova. Com diversas classes de carros com diferentes níveis de performance dirigidos por equipas de três pilotos que se revezam, é uma corrida em que a velocidade e a resistência se combinam ao longo de 24 horas — durante as quais as condições mudam do dia para a noite. O trajeto é quase plano e inclui troços lendários, como a reta das Hunaudières ou as curvas Arnage, Dunlop e Porsche. A primeira edição teve lugar em 1923 e a maior das tragédias ocorreu em 1955, quando o carro de Pierre ‘Levegh’ se despistou e provocou a morte de 85 pessoas; apesar disso, a prova continuou a realizar-se anualmente e hoje em dia passa por ser a mais famosa do Planeta. A Rolex é cronometrista oficial da prova principal e a Richard Mille da competição Le Mans Classic para carros vintage. O cronógrafo quadrilátero Monaco da TAG Heuer tornou-se famoso por ter sido usado por Steve McQueen no filme Le Mans, de 1971.

Maurice de Mauriac Chronograph Modern Le Mans © Maurice de Mauriac
Richard Mille Le Mans Classic
Richard Mille Le Mans Classic © Richard Mille

Mónaco

Corridas lendarias: Grand Prix de Monaco
Grand Prix de Monaco, 1929 © TAG Heuer/Archives A.C. de Monaco

O Grande Prémio do Mónaco realiza-se nas apertadas ruas de Monte Carlo desde 1929 e integrou a primeira temporada do Campeonato Mundial de Fórmula 1 em 1950, granjeando fama desde muito cedo como a mais glamorosa de todas as corridas por se realizar num local polvilhado de ricos e famosos, de nobreza e realeza — sendo ao mesmo tempo um delicioso anacronismo porque há muito que o tamanho e a potência dos bólides se tornou excessiva para um trajeto tão apertado e sinuoso. Acaba por ser esse mesmo o desafio, não havendo grande margem para o erro e para ultrapassagens: a precisão e a habilidade de condução assumem maior importância, pelo que apenas os melhores pilotos são bem-sucedidos. Nelson Piquet afirmava ser o equivalente a andar de bicicleta o mais depressa possível dentro de casa! As subidas e descidas, os túneis, a Praça do Casino, a Marina e os seus iates, a curva de Massenet e a lenta curva do antigo Hotel Loews fazem parte do imaginário de qualquer aficionado. A TAG Heuer é o relógio oficial da prova e do Automobile Club de Monaco, ao passo que a Chopard patrocina o Grand Prix de Monaco Historique para bólides de Fórmula 1 vintage.

Corridas lendarias: Chopard Grand Prix de Monaco Historique
Chopard Grand Prix de Monaco Historique © Chopard
Corridas lendarias: TAG Monaco Chronograph Calibre 12
TAG Monaco Chronograph Calibre 12 © Espiral do Tempo Studio

Daytona

Corridas lendarias: Daytona
Daytona International Speedway © Rolex/Stephan Cooper

A extensa praia de areias duras em Daytona, na Flórida, sempre proporcionou uma pista ideal para corridas contra o tempo. Foi lá que Sir Malcolm Campbell alcançou, de 1930 a 1935 e com um Rolex Oyster no pulso, múltiplos recordes de velocidade a bordo de várias versões do seu Bluebird equipadas com motores de avião. As corridas não só transformaram Daytona no centro nevrálgico do desporto motorizado americano, como também fizeram com que se tornasse lendária em todo o mundo, passando posteriormente para um circuito de quatro curvas inclinadas, inaugurado, em 1959, sob o nome Daytona International Speedway. Pouco depois, a Rolex associava-se às 24 Horas de Daytona (num traçado que inclui também uma parte fora da oval), e essa ligação daria origem ao mais famoso de todos os cronógrafos: o Cosmograph Daytona, mítico relógio que tantos pilotos famosos envergaram e que se mantém como peça de eleição; o Cosmograph 6239 de 1960 antecedeu o 6239 de 1963 com a primeira designação Daytona no mostrador e estreou uma linhagem que ficou para a lenda. Através de Daytona e do Daytona, a Rolex ultrapassava o âmbito do pioneirismo e da exploração para se associar a uma apaixonante disciplina desportiva tão ligada ao perfecionismo. Em 1992, potenciou a parceria com o Daytona International Speedway ao estatuto de title sponsor da lendária prova de resistência, que passou denominar-se Rolex 24 At Daytona — mas o Daytona 500 da Nascar é ainda mais popular, ostentando com razão o título de Great American Race.

Corridas lendarias: Rolex Cosmograph Daytona Ref. 6239
Rolex Cosmograph Daytona Ref. 6239 © Antiquorum
Corridas lendarias: Cosmograph Daytona - 950 Platinum
Cosmograph Daytona – 950 Platinum © Rolex

Indianápolis

Corridas lendarias: 500 Milhas de Indianápolis
500 Milhas de Indianápolis, 1913. Fonte: Flickr Commons project, 2009

Um aparentemente simples circuito oval com pouco mais de 4 km carregado de história: construído em 1909, passa por ser a primeira pista de velocidade no mundo — e logo no dia de estreia proporcionou drama com uma pedra que partiu os óculos protetores de Louis Chevrolet e o cegou temporariamente, além da tragédia que foi a morte de Wilfried Bourque e do seu copiloto, e de mais mortes no terceiro dia. Mais de um século depois, é o maior recinto desportivo do mundo com uma capacidade permanente para cerca de 260 mil espetadores que esgotam o circuito durante as famosas 500 Milhas de Indianápolis. As elevadíssimas médias de velocidade são estonteantes, bem acima dos 300 km/h, e tanto a prestigiada lista de vencedores como as bizarras tradições — uma garrafa de leite para o vencedor e o beijar da pequena linha de tijoleira que define a meta (antigamente o pavimento era de tijolo!) — contribuem para o rico folclore da prova. A TAG Heuer tornou-se cronometrista oficial e editou alguns modelos celebrativos.

Corridas lendarias: TAG Heuer F1 Indy 500
TAG Heuer Formula 1 Chronograph – Special Edition Indy 500 © TAG Heuer

Spa-Francorchamps

Corridas lendarias: Spa-Francorchamps
Spa-Francorchamps, curva Raidillon (também conhecida por Eau Rouge).

O circuito belga da floresta das Ardenas é seguramente um dos favoritos para qualquer piloto e chega a ser considerado por muitos como o melhor —  além da beleza cénica e de segmentos de condução excitantes, apresenta muitas vezes condições climatéricas tão distintas ao longo do traçado que dificultam ainda mais a afinação dos carros e a escolha de pneus. Passou dos 14 km iniciais para os 7 km atuais sem perder o fascínio e a curva Raidillon (que, por engano, quase todos apelidam Eau Rouge)  é de cortar o fôlego, sempre em grande velocidade: as forças G verticais na descida e depois laterais na zona sinuosa na subida proporcionam uma vertigem única. No início, eram usadas estradas públicas e o traçado envolvia três povoados e várias quintas; vários acidentes na década de 60 e o boicote do Grande Prémio de Fórmula 1 de 1969 originaram um repensar da corrida, mas houve mais tragédias nas 24 Horas de Spa na década de 70. O circuito reabriu em 1981 numa versão mais curta — mas sempre aliciante. No início da década passada, um grande aficionado de Spa fundou a Raidillon, em honra ao circuito e aos relógios desportivos; é a única marca relojoeira cujo nome deriva diretamente de um circuito.

Corridas lendarias:
Raidillon Racing Chronograph Spa-Francorchamps © Espiral do Tempo / Miguel Seabra

Nürburgring/Nordschleife

Corridas lendarias: Nürburgring
Nürburgring © Mike Roberts

Localizado nas imediações de Colónia, foi batizado de ‘Inferno Verde’ por Jackie Stewart e apresentava-se um dos mais perigosos do mundo, com cerca de 21 km de extensão e 154 curvas de todo o tipo entre árvores de grande porte. Atualmente, os acidentes em corridas oficiais são raros, mas a pista está aberta ao público e há sempre mortes a registar em cada ano — sobretudo entre os espetadores. A especificidade e complexidade do ‘Ring’ tem fascinado os melhores pilotos da história e a longa tradição inclui inúmeros episódios míticos. Existe uma legião de  aficionados que levam a paixão ao limite — por exemplo, pintando graffitis no asfalto da pista! As 24 Horas de Nürburgring realizam-se em porções do novo circuito construído para acolher de volta a Fórmula 1 e na secção de estradas públicas de Nordschleife, muitas vezes com cerca de duas centenas de bólides participantes. A parte mais antiga do circuito nasceu na década de 20 e o mais recente traçado adotado pela Fórmula 1 nos tempos modernos foi estreado em 1984. O acidente de Niki Lauda que lhe queimou parcialmente o rosto na corrida de 1976, após sugerir o cancelamento por razões de segurança, entrou diretamente para a lenda do desporto motorizado.

Corridas lendarias: Nürburgring
Audemars Piguet Royal Oak Concept Michael Schumacher Laptimer © Audemars Piguet

Silverstone

Corridas lendarias: Silverstone
Silverstone 2015. © Vignesh Viswanath

Construído sobre um antigo aeródromo militar da Segunda Guerra Mundial, o circuito de Silverstone começou por albergar uma improvisada corrida entre amigos em 1947 (na qual Maurice Geoghan atropelou fatalmente uma ovelha) para pouco depois receber o primeiro Grande Prémio do Campeonato do Mundo de Fórmula 1, em 1950. Ainda hoje tem um peso enorme na disciplina, não só porque é das provas com mais espetadores, mas também pela importante tradição britânica nos desportos motorizados. Foi-se aperfeiçoando ao longo do tempo e alguns dos seus troços, que incluem famosas curvas como Luffield, Stowe e os esses Maggots e Becketts, foram mesmo replicados noutros circuitos. Como não podia deixar de ser, o nome mágico Silverstone foi utilizado para batizar diversos modelos de relógios inspirados pelas corridas de automóveis, como o modelo de 1974 que a TAG Heuer reeditou em edição limitada (da qual ainda existem, surpreendentemente, alguns exemplares em montras portuguesas) ou a linha homónima da Graham e uma versão do Maurice de Mauriac Chronograph Modern com um anel exterior no mostrador a replicar o padrão axadrezado das bandeiras de chegada.

Corridas lendarias: Silverstone
TAG Heuer Silverstone Calibre 11 Chronograph Limited Edition © TAG Heuer

Monza

Italian Grand Prix 2012 © Andreas Viertler
Monza, Italian Grand Prix 2012 © Andreas Viertler

Também se foi modificando significativamente desde a inauguração, mas é um dos principais circuitos do Planeta com competições relevantes ao longo das suas dez décadas de existência — sobretudo os Grandes Prémios de Fórmula 1, que sempre suscitaram uma paixão exacerbada entre os tifosi (e os portoghesi, designação dada aos borlistas!) e um interesse suplementar pelo facto de a Ferrari correr em casa. Inaugurado a norte de Milão em 1922 e inicialmente de configuração mista (tinha uma parte oval), foi palco de um horrível acidente em 1928 que vitimou 28 pessoas e foi finalmente encurtado na sequência de outra grande fatalidade em 1961 em que houve 16 mortes — recebeu chicanes, mas o perigo manteve-se e só decresceu a partir de 1978, após uma profunda remodelação. A Variante Ascari e a Curva Parabolica fazem parte do léxico de qualquer aficionado; o nome Monza (localidade onde está situado o circuito num parque municipal) serviu para batizar uma linha da TAG Heuer, que aparentemente irá regressar em força num futuro próximo…

Corridas lendarias: Monza
TAG Heuer Monza Automatic Chronograph Calibre 36 © TAG Heuer

Ilha de Man

Corridas lendarias: Ilha de Man
Ilha de Man © Graham

De todas as competições de motociclismo, nenhuma atinge os índices míticos do Tourist Trophy — a perigosíssima prova que encerra uma louca semana de corridas num circuito em estradas públicas com cerca de 60 km na Ilha de Man, localizada entre a Grã-Bretanha e a Irlanda. As suas origens remontam a 1907 e era parte integrante do calendário dos Grandes Prémios (1949 a 1976), mas o risco extremo fez com que deixasse o Mundial de Motociclismo e passasse a ser um festival de velocidade autónomo que atrai milhares de aficionados puros e duros. Só os mais corajosos correm e a peregrinação justifica-se: as velocidades ultrapassam facilmente os 200 km/h entre casas e muros de pedra, num cenário verdadeiramente ímpar. Os espetaculares e por vezes fatais acidentes fazem parte do encanto (!!). A Graham associou-se ao espetáculo durante vários anos, dedicando-lhe modelos em edição limitada.

Corridas lendarias: Graham Chronofighter TT Isle of Man
Graham Chronofighter TT Isle of Man © Graham

Dakar

Corridas lendarias: Dakar
Dakar 2006, Guerlain Chicherit, BMW X3 © Maindru Photo

Inicialmente conhecido por Paris-Dakar e posteriormente com edições iniciadas em Lisboa, o Dakar é um rally-raid de longa duração para diversas classes de carros, camiões e motocicletas. Estreado em 1978 e também aberto à participação de amadores, granjeou fama na década de 80 sobretudo pela sua extensão e dificuldade — ao mesmo tempo que as inóspitas paisagens desérticas e os acidentes fatais (entre eles o do progenitor — Thierry Sabine) lhe granjeavam uma auréola mítica, tanto mais que vedetas do showbiz e do jet set participavam regularmente. A mudança para o hemisfério sul após o cancelamento da edição de 2008 por alegados motivos de segurança desvirtuou um pouco o espírito africano original, mas acrescentou-lhe a paixão do público sul-americano pelas corridas. Continua a ser uma prova incontornável do calendário anual e uma das maiores aventuras no calendário anual do desporto motorizado. A Edox assumiu o estatuto de cronometrista oficial no início da década.

Mil Lagos

Corridas lendarias: Mil Lagos
Leo Kinnunen e Bengt Söderström no Raly Mil Lagos, 1964

Entre todos os ralis, o dos Mil Lagos permanece um dos que mais desperta (juntamente com o mais antigo Monte Carlo) o imaginário dos aficionados — embora já não inclua a evocativa designação ‘Mil Lagos’ no seu nome atual. O Rali da Finlândia ganhou fama não só por ser o maior evento anual realizado em países nórdicos e por atrair cerca de meio milhão de espetadores, mas também pela histórica hegemonia dos muitos pilotos de elite finlandeses: a ‘sua’ competição tinha obrigatoriamente de ser de elevado nível e só quatro pilotos não nórdicos (Carlos Sainz, Didier Auriol, Sebastien Loeb e Sebastien Ogier) lograram vencer a competição que mais altas velocidades médias regista no calendário competitivo. Começou em 1951 e passou a integrar o calendário do WRC logo desde o ano de estreia, em 1973. A especial mais famosa é Ouninpohja, com os seus espetaculares saltos.

Corridas lendarias: Richard Mille
Richard Mille RM 36-01 G Sensor Sebastien Loeb © Richard Mille

Mount Panorama

Corridas lendarias: Mount Panorama
Mount Panorama, 2005 © Wikimedia Commons / Benchill

Também conhecido por Bathurst, é encarado como um dos mais espetaculares circuitos do mundo e realiza-se em Mount Panorama, no estado australiano da Nova Gales do Sul — só o nome da localidade já é bem elucidativo da sua relevância panorâmica. Tecnicamente, é uma pista de estrada que começou por ser realizada em vias públicas ao longo de 6213 km e acolhe as cada vez mais emblemáticas 12 Horas de Bathurst, destinadas aos GT, mas sobretudo é conhecida pela Bathurst 1000 (The Great Race, com 1000 km), prova-rainha dos V8 Supercars, a competição de turismo mais popular nos antípodas. A pista é única no seu desenho, com longas porções de reta a abrir e a fechar a volta, e a zona do monte, muito sinuosa e estreia. A inclinação é acentuada, com um diferencial de 174 metros. É um aliciante desafio para os pilotos e digna de ser considerada o santuário de desporto motorizado australiano — e também da Ásia-Pacífico.

A analogia com a relojoaria

Corridas lendarias: João Carlos Torres e Yannick Dalmas
João Carlos Costa com Yannick Dalmas, quatro vezes vencedor em Les Mans. Fotografia: DR

João Carlos Costa é um dos mais experientes jornalistas portugueses especializados em desportos motorizados e já acompanhou de perto todas as mais famosas competições nos mais lendários circuitos — e também gosta de relógios. «Sinto-me privilegiado. Das localidades e respetivas provas míticas selecionadas, já fiz a cobertura in loco de todas à exceção de Mount Panorama. Todas são diferentes na génese competitiva, mas iguais na paixão que despertam. Verdadeiras romarias de aficionados e locais de culto para os pilotos, como se a ausência delas num palmarés o tornasse menos preenchido, por muitos que sejam os títulos ou as vitórias alcançadas. Estar lá é fazer parte da história. É isso que carregam: um passado que serve para melhor as transportar ao futuro», afirma.

E estabelece a comparação com a relojoaria: «No fundo, é como um relógio, daqueles que passam de geração em geração, mas sempre carregando o prestígio de um modelo, de uma marca. A analogia entre o desporto motorizado e a relojoaria é perfeita. Por que razão existem e se assiste a corridas de veículos a motor? Parece uma parvoíce, mas a verdade é que tal acontece quase desde que existiram dois carros — não se explica, porque se trata de uma paixão, tal qual a relojoaria. Para medirmos as horas, qualquer máquina de plástico e movimento de quartzo serve. Mas não é a mesma coisa do que ter no pulso uma peça de relojoaria mais ou menos exclusiva na sua complicação. Uma peça com tradição, com história, com caraterísticas únicas. As provas aqui retratadas são isso também: quem teve a oportunidade de as ‘usar’ sabe que entrou num clube exclusivo. E tal como nos relógios, há sempre uma que nos deixa de coração derretido. Querem saber a minha? As 24 Horas de Le Mans, ainda que nos relógios seja mais fã do Cosmograph Daytona — um e outro são eternos!».

A opinião dos pilotos

Três grandes pilotos nacionais apresentam uma visão muito pessoal acerca do tema.

Pedro Lamy © Espiral do Tempo / Kenton Thatcher
Pedro Lamy © Espiral do Tempo / Kenton Thatcher

Pedro Lamy, embaixador TAG Heuer, é o mais experiente dos três e apresenta um currículo impressionante, sendo mesmo co-detentor de vitórias (5) nas 24 Horas de Nürburgring. «Diria que os três mais famosos eventos do automobilismo são Le Mans, o Mónaco e Indianápolis. Le Mans é a prova mais mediática e de maior dimensão a todos os níveis, incluindo público e duração – bate todas as outras de longe, é a mais emblemática. O Mónaco é lindo, é um circuito muito apertado mas espetacular. Nunca corri em Indianápolis, infelizmente». E acrescenta: «Spa-Francorchamps é um circuito modernizado mas ainda à antiga, é um clássico moderno que tem uma zona rápida que todos adoram: a curva Eau Rouge/Raidillon; quando se pergunta aos pilotos que circuito mais gostam, a maior parte responde Spa. Nürburgring na pista grande é um circuito muito extenso; talvez seja a corrida mais intuitiva, a meteorologia é uma incógnita e pode haver partes secas e molhadas. Silverstone deu-me muito nos últimos tempos, sendo agora um circuito muito mais completo; foi lá que tive o acidente em treinos de Fórmula 1 que me partiu as pernas; é muito emblemático também por ser em Inglaterra é o centro do automobilismo. Também gosto muito de Monza, foi lá que fiz o meu primeiro Grande Prémio de Fórmula 1; tem um carisma muito grande, é preciso ter um carro bem afinado e estar bem nas chicanes. Daytona, com a sua oval e a parte de dentro, é pequeno e não tem muitas curvas – mas também é muito especial».

Corridas lendarias: Filipe Albuquerque
Filipe Albuquerque © Audi Communications Motorsport / Michael Stahlschmidt

Filipe Albuquerque, embaixador oficial da Oris, está atualmente vinculado à Audi e tem um bom conhecimento dos melhores percursos do planeta. «As minhas pistas de eleição são Spa-Francorchamps, uma pista longa de cerca de 6 km com todo o tipo de curvas – rápidas, lentas e chicanes, nomeadamente a Eau Rouge/Raidillon, feita a cerca de 280 km/h, é cheia de adrenalina por ser cega e por ter uma grande compressão em que o chassi toca sempre no chão; e a Puon, uma dupla esquerda a descer também muito rápida e difícil de fazer no limite. Em Daytona, fazer os dois bankings da pista de Nascar é verdadeiramente único – cerca de 60% de inclinação é espetacular; é uma pista simples e rápida em que algumas vezes vamos a 300 km/h. O ambiente das 24h de Daytona é fantástico e todos os pilotos do mundo querem participar porque não coincide com nenhuma corrida. Sempre me dei bem em Nürburgring, tive bons resultados nas várias categorias em que lá corri; tem um bom ritmo e bons pontos de ultrapassagem. E por fim, a prova que é muito provavelmente a melhor: as 24 Horas de Le Mans! Vamos constantemente acima dos 300 e fazer uma média de 280 km/h por volta é de doidos; cada curva tem o seu truque e todas elas exigem respeito, as curvas Porsche feitas a 230 km/h sem nenhuma escapatória intimidam todos os pilotos… mas também fazem crescer aquele bichinho de querer fazer cada vez mais rápido».

Miguel Barbosa
Miguel Barbosa

Miguel Barbosa, pluricampeão nacional de todo-o-terreno, destaca naturalmente o Dakar e tem um fraquinho por Spa-Francorchamps: «No Dakar africano, existia a mítica chegada ao Lac Rose e certa vez fiquei verdadeiramente fascinado com uma Especial no meio de uma vegetação incrível na Guiné-Conacri. No Dakar sul-africano, impressionou-me sobretudo uma chegada no Chile em que descemos uma duna com mais de 2 km em direção ao mar — é impressionante porque no topo da duna só se vê mar à frente e mais nada devido à grande inclinação. A travessia dos Andes a mais de 5000 km de altitude também é um momento solene. Dos outros, Nürburgring apresenta-se muito difícil pela dificuldade em memorizar tantas curvas; o Mil Lagos é espetacular pelos constantes saltos e topos cegos, mas o que mais me impressiona e que, para mim, é o melhor é Spa-Francorchamps, sobretudo a parte de Eau Rouge e Blanchimont. Monza tem a mística da Ferrari ligada aos tifosi, que faz a diferença no circuito e é também um bom sítio para um piloto que se queira mostrar.

E para o caro leitor, qual é a mais mítica das corridas e o mais apetecível dos circuitos? ET_simb

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