Dubai Watch Week: cinco especialidades alternativas

Das várias dúzias de relógios apresentados na recente Dubai Watch Week, escolhemos revisitar uma mão cheia de modelos que se distinguem pela sua apresentação incomum e descentrada do tempo — sendo um deles uma obra-prima e os restantes quatro de preço relativamente acessível no contexto da relojoaria mecânica de qualidade.

A habitual linguagem analógica do tempo e da relojoaria mecânica consiste num mostrador tradicionalmente redondo com ponteiros concêntricos das horas e dos minutos (e na maior parte dos casos, também segundos) a partir de um eixo central. Mas há muitos outros idiomas capazes de expressar o mesmo tempo de maneira distinta — e uma das linguagens alternativas é a dos mostradores reguladores, que tão em voga estavam há mais de dois séculos e que ressurgiram no final da década de 80.

O ensaio sobre a relojoaria de Ferdinand Berthoud e um regulador de bolso | © DR

O relógio do tipo regulador foi idealizado por Louis Berthoud no final do século XVIII e tinha por característica mais marcante a posição descentrada do ponteiro das horas. A ideia do lendário mestre francês visava dar protagonismo aos segundos e impedir que a leitura do respetivo ponteiro fosse comprometida; com o advento da Revolução Industrial, os relógios de pêndulo de alta precisão passaram a adotar esse tipo de mostrador e começaram a ser usados essencialmente nas paredes de observatórios, centrais horárias, manufaturas relojoeiras, escolas e fábricas. Daí a justificação do nome ‘regulador’ para um instrumento de pêndulo com segundos ao centro e no qual os ponteiros das horas e dos minutos estavam claramente afastados, a fim de evitar uma justaposição que causasse problemas de leitura a quem necessitava de uma rápida e imediata percepção do tempo. E depois vieram as versões de bolso.

Dubai Watch Week 2021
Dubai Watch Week 2021, já considerada o melhor evento relojoeiro de sempre | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

No século XX surgiram os reguladores de pulso. Que continuam a proporcionar excelentes exercícios de estilo em pleno século XXI. em pleno século XXIEntre as várias novidades em primeira mão e os muitos modelos de lançamento mais ou menos recente que as marcas expositoras mostraram na Dubai Watch Week, destacamos hoje cinco interessantes peças no que diz respeito ao figurino do mostrador — podem não ser reguladores clássicos, mas apresentam a tal separação que os coloca dentro da mesma tipologia. Todos eles são edições de tiragem mais ou menos limitada e cada qual apresenta um visual completamente fora da caixa.

1. Ferdinand Berthoud Chronomètre FB 1.RS6

Karl-Friedrich Scheufele, co-presidente da Chopard, é um grande aficionado dos históricos cronómetros de marinha de Ferdinand Berthoud (isso constata-se pelo espólio do seu museu L.U.Ceum em Fleurier) e decidiu recuperar o lendário relojoeiro do século XVIII ao lançar uma marca de alta-relojoaria sob o seu nome em 2015. O superlativo modelo inaugural Chronomètre FB 1 conquistou a crítica e ganhou mesmo o prémio principal no Grand Prix d’Horlogerie de Genève em 2016.

Mostrador do Ferdinand Berthoud Chronomètre FB 1.RS6 em fundo preto
Mostrador e movimento do Chronomètre FB 1.RS6 | © Ferdinand Berthoud

A linha FB 1 é inspirada nos cronómetros de marinha e não apresenta a disposição tradicional dos reguladores ‘inventados’ por Louis Berthoud, sobrinho de Ferdinand Berthoud. Coloca habitualmente as horas e os minutos num submostrador às 12 horas, deixando o protagonismo para os segundos de eixo central. Mas o Chronomètre FB 1.RS6 tem a separação das horas e dos minutos da tipologia regulador (daí o R na referência), embora de maneira original: as horas são apresentadas num disco sob a janela aberta às 2 horas, enquanto os minutos se mantêm no tal submostrador das 12 horas; outra diferença é a presença de um grande turbilhão às 6 horas, quando nos outros modelos FB 1 o turbilhão só é visto a partir do fundo em vidro de safira.

Os dois lados que revelam a complexidade do Chronomètre FB 1.RS6 | © Ferdinand Berthoud

No Chronomètre FB 1.RS6, a típica caixa geométrica com escotilhas laterais da linha FB 1 é declinada num material inédito: aço inoxidável ‘cimentado’, uma espécie de aço de estrutura molecular reforçada por um processo termoquímico. As restantes valências técnicas de exceção (turbilhão de força constante com transmissão por fuso e corrente) são comuns aos modelos FB 1, com a diferença de o calibre ser esqueletizado pela primeira vez na variante FB1.RS6. É limitado a 10 exemplares, sendo que a combinação de mostrador e movimento também se pode encontrar numa tiragem de 10 peças FB 2RS.2 com caixa redonda em ouro rosa. Preço sob consulta… mas a fasquia está acima dos 200.000 euros. Noblesse oblige!

Ferdinand Berthoud Chronomètre FB 1.RS6 no pulso na Dubai Watch Week
O Chronomètre FB 1.RS6 na caixa de luz da Dubai Watch Week | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

2. Chronoswiss Open Gear ReSec Kingfisher

Se há marca com legitimidade para fazer da tipologia do regulador o principal esteio da sua coleção, essa marca é a Chronoswiss. Porque o formato ‘regulador’ foi adaptado aos relógios de pulso após uma aposta pessoal de Gerd-Rüdiger Lang, que fundou a Chronoswiss em 1983 numa altura em que os relógios digitais a pilha dominavam o mercado. O mestre alemão permaneceu convicto de que existia um mercado para edições limitadas de relógios mecânicos inspirados em elementos de estilo de outrora — e o grande salto da Chronoswiss deu-se precisamente com o ‘Régulateur’, um relógio de corda manual em edição limitada que então esgotou num ápice devido ao seu mostrador pouco usual a partir de três eixos diferentes. A partir daí, o ‘Régulateur’ tornou-se mesmo numa linha emblemática da Chronoswiss e nos últimos dez anos passou a dominar quase por completo o catálogo da marca com variantes modernas.

Chronoswiss Open Gear ReSec Kingfisher
Azul e laranja: a apelativa combinação do Open Gear ReSec Kingfisher | © Chronoswiss

Na Dubai Watch Week foram apresentadas duas novas variantes do regulador moderno da Chronoswiss com caixa em aço de 44 milímetros — o Open Gear ReSec, com uma escala de 30 segundos retrógrada em que o ponteiro percorre meio minuto e salta para trás, reiniciando instantaneamente a sua marcha de 30 segundos antes do recomeço (daí o nome ReSec). O Open Gear ReSec Jungle ostenta um mostrador dominado por um verde profundo; já o Open Gear ReSec Kingfisher, então revelado sob embargo e entretanto oficialmente divulgado, mostra um jogo de contrastes entre o azul e o laranja que evoca a penugem do arisco pássaro conhecido por guarda-rios ou martim-pescador. Os fanáticos do automobilismo verão a combinação cromática que tanto sucesso teve em Le Mans nos anos 70…

Chronoswiss Open Gear ReSec Kingfisher no pulso
No pulso durante a Dubai Watch Week: o Open Gear ReSec Kingfisher | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

Consoante o ângulo de visão, o tom azul do mostrador de 42 componentes varia devido aos efeitos visuais proporcionados pelo guilloché. A Chronoswiss utiliza habitualmente uma fórmula secreta de deposição de vapor químico para dar mais vida aos seus mostradores; a tonalidade é replicada no rotor visto através do fundo transparente em vidro de safira. O padrão guilloché executado à mão dá um belo efeito ondulado — e a tridimensionalidade do mostrador típico do modelo Open Gear ReSec oferece o tal espírito ‘Modern Mechanical’ que surge como lema da Chronoswiss. A adição do laranja faz sobressair mais o azul e surge também na coloração do rotor. Preço: 9.500 euros.

3. Louis Erard Régulator seconde/seconde/

A Louis Erard tem surfado muito bem a vaga das colaborações que ultimamente vem caraterizando a indústria relojoeira. Sob a batuta do experiente Manuel Emch, a marca já apresentou associações a reputados mestres cuja fasquia de preço se situa num plano muito mais elevado — conseguindo disponibilizar essas prestigiadas parcerias a um preço bem mais democrático. Isso aconteceu com Alain Silberstein e Vianney Halter, dois grandes protagonistas dos anos 90 que foram recuperados para o mediatismo relojoeiro graças à argúcia de Manuel Emch; a mais recente colaboração não tem a ver com um antigo mestre, mas com um artista contemporâneo muito especial.

Louis Erard Régulator seconde/seconde/
Erro’ propositado: o delicioso detalhe do Régulator seconde/seconde/ | © Louis Erard

A nova versão do modelo regulador da Louis Erard é interpretada pelo designer parisiense que está por trás da marca ‘modificadora’ seconde/seconde/, destacando-se a passagem do nome Erard para Error numa inspiração muito computadorizada do ponteiro central dos minutos. A prática habitual de Romaric André é original: troca o ponteiro dos segundos em relógios vintage e substitui-os por um imaginativo elemento icónico ‘pixelado’ que surpreende qualquer observador e torna a peça especial (o relógio é sempre entregue com o ponteiro original numa caixinha à parte, pelo que é sempre possível regressar à versão original). Isso não acontece no caso da sua colaboração com a Louis Erard, mas o resultado é igualmente imaginativo… e espetacular quando o ‘404’ da cauda do ponteiro central dos minutos se junta ao Error às 3 horas. Com uma caixa em aço de 42mm, está limitado a 178 exemplares a um preço unitário de 2404 francos suíços.

Louis Erard Régulator seconde/seconde/ no pulso
Em teste durante a Dubai Watch Week | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

4. Reservoir Kanister

Fundada em 2015 por François Moreau, a Reservoir é uma jovem marca que se destaca pelo visual assente numa combinação analógica/digital entre o ponteiro retrógrado dos minutos e a hora saltante numa janela — com uma indicação suplementar da reserva de corda. Não se trata de um relógio com as caraterísticas tradicionais dos modelos reguladores e nem sequer apresenta um ponteiro dos segundos, mas a separação das horas e dos minutos mereceu a sua inclusão na nossa seleção. Até porque se trata de um conceito muito cool, em especial na sua variante Kanister.

Reservoir Kanister no pulso e ao volante de um automóvel
O Kanister e a sua declarada inspiração vintage automobilística | © Reservoir

O Kanister inspira-se na instrumentação de bordo (mais precisamente o velocímetro) do lendário Porsche 356 Speedster e nas cores pastel tão em voga nos anos 50. A caixa de 41,5mm em titânio de grau 5 polido contém um calibre ETA 2824-2 complementado por um módulo de 124 componentes exclusivo da Reservoir. Apesar de a marca ser parisiense, o fabrico é suíço. E o resultado é verdadeiramente iconoclasta, oferecendo uma original maneira de revelar o tempo em cada uma das suas criações.

Mostrador do Reservoir Kanister em fundo escuro
Minutos retrógrados, horas saltantes e indicador de reserva de corda | © Reservoir

O cool Kanister inclui-se na secção do catálogo associada aos carros, juntamente com os modelos Longbridge, Supercharged e GT Tour; a linha Airfight representa a aeronáutica e as gamas Hydrosphere e Tiefenmesser são inspiradas no mundo dos mares. O preço do Kanister situa-se nos 3.990 euros.

Reservoir Kanister na caixa com as braceletes adicionais
Uma voltinha com o Kanister na Dubai Watch Week | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

5. Konstantin Chaykin Minions

Konstantin Chaykin é um destacado membro da AHCI (Academie Horlogère des Créateurs Indépendants) que ganhou fama pelas suas criações completamente fora da caixa; começou por dar nas vistas com o surpreendente Cinema — mas foi o antropomórfico Joker que o catapultou para a ribalta, tornando-se incrivelmente popular e cobiçado até pelos mais exigentes colecionadores. Naturalmente, passou a ser o ex-libris do mestre de 47 anos oriundo de São Petersburgo… e dele nasceu a coleção Wristmons, que recentemente recebeu a adição do Minions.

Konstantin Chaykin Minions
Tão traquinas como as criaturas que o inspiraram: o Minions | © Konstantin Chaykin

O Joker foi o primeiro relógio de grande sucesso de Konstantin Chaykin, forçando o mestre a refazer a linha de produção e contratar mais gente para a montagem em série dos movimentos na sua nova manufatura de Moscovo. Facultou a descoberta de uma nova direção na relojoaria de prestígio e fez com que os aficionados puros e duros se interessassem por modelos mais lúdicos. E é precisamente devido aos colecionadores que qualquer variante do Joker se esgota praticamente antes de ser publicamente apresentada. O conceito assenta na apresentação separada dos minutos e das horas em discos que evocam globos oculares, enquanto a língua é evocativa das fases da lua. O Minions, estreado na Dubai Watch Week, apresenta a mesma solução — mas com uma aura completamente diferente.

Konstantin Chaykin Minions na Dubai Watch Week
Boa disposição na caixa de luz da Dubai Watch Week | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

As criaturas amarelas que acompanhavam o vilão Gru no filme ‘Despicable Me’ ganharam tal popularidade que passaram de personagens secundários a protagonistas — e a prova disso está no relógio Minions, devidamente sancionado através de um acordo oficial com a Universal Pictures. A caixa, em aço, tem 40 milímetros de diâmetro (o Joker e os restantes exemplares da linha Wristmons têm 42mm) e faz-se acompanhar de uma bracelete têxtil (do tipo micro-denim). O Calibre K07-3 de corda manual tem por base o robusto e fiável ETA 2892-A2. Não se pode dizer que seja um relógio regulador na verdadeira acepção do conceito… mas valeu a pena incluí-lo na seleção, não? A produção do Minions de Konstantin Chaykin está limitada a 38 exemplares, com um preço de 13.800 euros.

Konstantin Chaykin Minions
O Minions é o máximo: um relógio decididamente original | © Miguel Seabra / Espiral do Tempo

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