Entre os muitos edifícios associados à relojoaria, a Maison Ebel (originalmente designada Villa Schwob) é seguramente um dos mais emblemáticos. Idealizado pelo lendário arquiteto Le Corbusier, fica localizado em La Chaux-de-Fonds e foi lá que o fomos visitar — tendo por anfitrião o próprio CEO da Ebel, Flavio Pellegrini.
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Em La Chaux-de-Fonds
A Maison Ebel é um notável exercício de arquitetura, mas também simboliza os tempos áureos de uma marca que atingiu os píncaros entre a década de 80 e a década de 90 — chegando mesmo a ‘morder’ os calcanhares da Rolex nessa altura, para entretanto perder todo esse protagonismo num processo de mudança de donos que inevitavelmente se refletiu no estatuto que detinha. É verdade: chegou mesmo a haver um tempo em que as pessoas preferiam um Ebel Sport Classique ao Audemars Piguet Royal Oak ou ao Patek Philippe Nautilus…
Nesse tempo de glória para a marca, os relógios Ebel eram vistos nos pulsos dos mais famosos tenistas, golfistas e pilotos de Formula 1, eram a escolha de prestígio em Monte-Carlo ou Saint-Tropez. Don Johnson usava um Ebel em Miami Vice. O ondulado da confortável bracelete metálica era inconfundível.
O relógio de sonho de Max Büsser era um Sport Classic Chronograph, dotado de um movimento El Primero — e foi uma encomenda da Ebel que trouxe de volta a moda dos cronógrafos mecânicos na primeira metade da década de 80, permitindo à Zenith ganhar algum fôlego financeiro para sobreviver à crise do quartzo e relançar a produção de tão famoso calibre também com a ajuda da Rolex, que no seguimento da Ebel escolheu igualmente o El Primero para o seu Daytona.
Três décadas volvidas, o cenário é bem diferente e a marca fundada por Eugene Blum e Alice Levy (Ebel integra as iniciais dos nomes do casal) em 1911 procura atualmente ganhar estabilidade e fôlego para recuperar a fama de antanho no seio do grupo MGI (Movado Group Inc, que também inclui a Movado e a Concord) sob a batuta do seu CEO, Flavio Pellegrini. E foi precisamente Flavio Pellegrini que nos recebeu em La Chaux-de-Fonds para uma visita guiada muito especial à Maison Ebel, que foi adquirida pela marca em 1986 e que deu posteriormente guarida a famosas personalidades que nesse passado glorioso foram embaixadores da Ebel, como Madonna, Harrison Ford, Sharon Stone ou Giselle Bundchen.
O selo de Le Corbusier
No entanto, o edifício não foi originalmente idealizado para acolher visitantes famosos. Na base da sua concepção esteve uma encomenda do empresário da indústria relojoeira Anatole Schwob em 1912, ficando concluído em 1916 e tornando-se no mais conhecido exercício de arquitetura numa cidade que foi reconstruída a pensar na sua essência relojoeira. É também o mais relevante projeto em solo suíço de Charles-Édouard Jeanneret-Gris — o reputado arquiteto, urbanista, escultor e pintor que ficou conhecido para a posteridade pelo pseudónimo Le Corbusier depois da sua mudança para Paris, mas cuja carreira profissional começou precisamente na relojoaria.
Originalmente apelidada Villa Schwob em razão do dono, também é conhecida por Villa Turque devido ao seu estilo oriental reforçado pelo uso de tijolos ocres combinados com cimento, apesar da cornija clássica neo-grega. Representa um autêntico compêndio das ideias técnicas e estéticas de Le Corbusier com a aplicação dos princípios ‘Dom-Ino’ por ele patenteados em 1914. Os conflitos — associados ao atraso na construção e à enorme derrapagem orçamental — que a sua conclusão gerou entre o arquiteto e o dono foram uma das razões da partida de Le Corbusier para França.
A casa explana-se em volta de um bloco central com uma grande abertura à volta da qual se situam dois andares. Duas absides laterais acolhem uma sala de jogos e uma sala de jantar no rés-do-chão, enquanto que no primeiro andar se situam duas suites. O lado sul, com grandes janelas e vista para o jardim, contrasta claramente com a fachada oposta, por onde se faz o acesso através da Rue du Doubs e que é praticamente fechada para preservar a intimidade da propriedade e os ventos frios do norte.
Logo depois da entrada, causa grande admiração o espaço que se abre de cima a baixo e iluminado por uma enorme área central envidraçada. A disposição da nave central com blocos laterais plenos de cantos recônditos faz imediatamente recordar os princípios arquitectónicos das igrejas que tanto inspiraram Le Corbusier. O edifício assenta numa ossatura de 15 postes de betão armado e a parte superior inclui um terraço com um solário, algo de inesperado numa localidade situada a mil metros de altitude e com um tão rigoroso inverno; por outro lado, o sol de verão pode bater forte…
Regresso às raízes
A casa foi adquirida pela Ebel em 1986, numa altura de grande pujança da marca que se estenderia até meados da década de 90. Pierre-Alan Blum, neto dos fundadores, revelou-se um génio na estratégia de marketing e sponsoring; rapidamente aproveitou a associação ao edifício para dele fazer o seu centro de relações públicas e projetar o mote que ficará para sempre ligado à Ebel, ‘Les Architectes du Temps’ (mesmo que esse lema tenha sido considerado ‘demasiado masculino’ e mudado para o mais abrangente ‘Beauty Marries Function’). No seguimento de problemas noutras áreas de negócio iniciadas por Pierre-Alan Blum, a marca foi vendida em 1994 e ficou sob a alçada de um grupo de investimento, que depois a vendeu à LVMH; entretanto, foi adquirida pela MGI em 2004.
Mais recentemente, o CEO Flavio Pellegrini recuperou o mítico Sport Classic para a coleção e retomou a histórica associação ao ténis que tanto contribuiu para colocar a marca nos píncaros na década de 80. Com a aparente reentrada em moda do design integrado dos anos 70 com a caraterística combinação entre caixa e bracelete metálica, o Sport Classic — originalmente idealizado pelo lendário designer Eddy Schöpfer em 1977 — poderá recuperar o seu lustro de antanho e reposicionar a Ebel no lugar que historicamente merece estar. Para concluir a nossa reportagem, aqui fica o vídeo da visita…
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