A relojoaria está a reagir de maneira emocional aos tempos sombrios de crise e pandemia – recorrendo à euforia policromática para transmitir positividade. Desde os anos 70, não se via uma paleta de cores tão diversificada!
Artigo originalmente publicado no número 75 da Espiral do Tempo (verão 2021)
Imagem de abertura | A nova coqueluche da Oris: a série Divers Sixty-Five Cotton Candy © Oris
A história do século XX ensinou-nos que, nos períodos que se sucederam a guerras, pandemias e crises, sempre houve uma explosão de criatividade e de emoções – e adivinha-se que os «Loucos Anos 20» possam vir a ser replicados neste século, logo que as múltiplas variantes do vírus estejam mais bem controladas e a vacinação ganhe abrangência global. A indústria relojoeira conta com o chamado revenge shopping para atenuar o rude golpe financeiro que chegou a atirar algumas marcas para a bancarrota, enquanto vai reagindo com vivacidade aos sombrios tempos de tristeza e incerteza que durante um ano deprimiram tanta gente – e a melhor maneira de o fazer é através de cores que transmitam sentimentos positivos.
Na verdade, essa tendência colorida já era de certo modo patente nos anos pré-Covid-19. A entrada no novo milénio representou uma nova era para a indústria relojoeira – e a eclosão de marcas com um estilo muito técnico, assente em mostradores recortados que revelavam orgulhosamente a mecânica interior, também foi acompanhada de tons sombrios que reforçavam esse tecnicismo urbano: eram os tempos em que o titânio imperava e a moda de relógios pretos (com tratamento DLC ou PVD) se generalizava. A reação a esse modernismo monocromático e à sofisticação do negro deu-se com o regresso ao passado e a adesão ao estilo rétro; subitamente, a psicadélica década de 70 voltou a estar na moda e, com ela, veio também uma maior audácia policromática. Ao longo dos últimos dez anos, começou por se ver o azul alagar as coleções; depois, o verde entrou em força a acompanhar o ímpeto ecologista e o encarnado dava sinais de imperar quando o mundo foi paralisado pela pandemia. Tal como sucede após uma tempestade, o arco-íris veio seguidamente tomar conta da paleta relojoeira.
O maior banho de cor na segunda metade de 2020 foi proporcionado pela Rolex, que renovou completamente a sua linha de base Oyster Perpetual com uma colorida panóplia de alegres mostradores. Se a aposta em cores menos usuais por parte de marcas independentes (como a H. Moser & Cie.) já tinha sacudido o paradigma dos incontornáveis mostradores pretos, brancos/prateados e azuis, a escolha caleidoscópica de uma marca habitualmente conservadora como a Rolex transformou definitivamente essa tendência em moda. Mas não se pode categorizar o conservadorismo da Rolex como sendo habitualmente monocromático; basta olhar para os lançamentos Oyster Perpetual desde 2014 com mostradores azul, bordeaux, champanhe, verde-azeitona e salmão… ou recordar os espetaculares modelos Day-Date dos anos 70 com os chamados «Stella Dials» de mostradores esmaltados ou lacados em tons especialmente vibrantes. No total, foram oito as diferentes cores apresentadas pela Rolex nos Oyster Perpetual de 2020; também houve os tons mais ‘óbvios’ (preto, azul e prateado), mas não há dúvida de que foi a maior frescura do amarelo, verde, turquesa, vermelho e rosa que fez furor entre os mais empedernidos aficionados da Rolex.
Este ano, o salão digital Watches and Wonders confirmou todo o efeito terapêutico da cor – com o verde a ter grande representação e a ganhar claramente o campeonato cromático, muito possivelmente pela inevitável associação ecológica num período em que tanto se disse que a pandemia tinha sido uma reação do planeta às agressões de que tem sido gradualmente vítima.
Um largo espectro
Mas como é que as cores podem interferir com o estado de espírito pessoal e coletivo? A cor é uma perceção visual provocada pela ação de um feixe de fotões sobre células especializadas da retina que, por sua vez, transmitem impressões para o sistema nervoso através de informação pré-processada ao nervo ótico. O olho humano tem a capacidade de distinguir cerca de dez milhões de cores diferentes. Mas a cor não é um fenómeno físico; um mesmo comprimento de onda pode ser percebido diferentemente – é um fenómeno fisiológico, de caráter subjetivo e individual. E é algo que nos é tão familiar que se torna difícil compreender que não corresponde a propriedades físicas do mundo, mas sim à sua representação a nível cerebral; os objetos não têm cor porque a cor corresponde a uma sensação interna provocada por estímulos físicos de natureza muito diferente que dão origem à perceção da mesma cor por um ser humano.
Obviamente, não se tratando de uma propriedade do objeto, mas sim de um elemento percetivo, a cor tem implicações psicológicas. A perceção individual da cor pode causar uma série de sensações, que também variam de indivíduo para indivíduo ou de povo para povo, de acordo com a sua cultura. Artistas, arquitetos e designers usam as cores para influir na perceção humana; são tão importantes que existe mesmo uma prática pseudocientífica que consiste na utilização da luz de diferentes cores para o tratamento de doenças, alegadamente para equilibrar as energias do corpo humano e curar maleitas: a cromoterapia. Uma mesma cor pode ter um significado completamente diferente consoante o local (o branco é a cor do luto no Japão), mas, geralmente, é interpretada de maneira similar por várias raças e culturas. As cores podem provocar lembranças e sensações. Nas artes, são geradoras de emoções e sensações, tal como sucede na relojoaria.
Num relógio, o mostrador é a face mais visível; a correia/bracelete também contribui muito para o impacto visual, mas é cada vez mais comum ver a própria caixa colorida – como sucede nos novos Chronoswiss. E se existe a crença de que as cores terão diferentes efeitos psicológicos sobre as pessoas (embora isso seja colocado em causa pela comunidade científica), é fácil conotar um relógio mais colorido com determinadas emoções que pode suscitar. Uma mesma cor pode ter grandes variações, como se pode constatar pela clara diferença entre o British Racing Green de um Jaeger-LeCoultre Reverso e o verde-menta do Oris Momotaro, ou entre o vermelho-vivo do novo Portugieser Chronograph da IWC e o vermelho-sangue do L2 Diver Deep Red da Maurice de Mauriac inspirado pela camisola da seleção portuguesa do Mundial de 1966. Mas numa era em que as sociedades se estão a tornar gradualmente mais inclusivas, o arco-íris tem-se mostrado muito popular – das tabelas de descompressão no mostrador do Mido Ocean Star Decompression Timer aos indexes do Breitling Superocean Heritage ’57, passando pelas pedras preciosas luminescentes no Excalibur Glow Me Up da Roger Dubuis e pela esqueletização colorida do Vanguard Skeleton Sapphire Color Dreams da Franck Muller, sem esquecer a inspiração da mira técnica no Zenith Defy 21 idealizado por Felipe Pantone. Provas coloridas de que a relojoaria sempre foi uma fonte inesgotável de diversidade!