A Frederique Constant celebra este ano o seu 35.º aniversário. Uma data mais do que suficiente para o lançamento de interessantes novidades, incluindo um novo Manufacture equipado com o 31.º calibre in-house da marca. Com 2023 a terminar, é tempo de revisitar os pilares da Frédérique Constant e o seu momento atual, com a ajuda das palavras de Niels Eggerding, CEO da marca, que passou recentemente por Lisboa e pela Dubai Watch Week.
Por Cesarina Sousa e Miguel Seabra
Em Genebra, Lisboa e Dubai.
Tem sido um caso à parte no contexto da relojoaria… e a sua trajetória de sucesso não para de surpreender. O ano de 2023 está a ser extraordinário para a Frederique Constant — não só por marcar o 35.º aniversário da marca, mas também pela proliferação de lançamentos relevantes ao longo dos meses. Desde as novidades desveladas no salão Watches and Wonders até aos mais recentes lançamentos na Dubai Watch Week, passando pelo evento realizado em Lisboa no mês de setembro: são muitos os relógios que merecem ser destacados, numa demonstração de força e maturidade por parte de uma companhia suíça que foi fundada por holandeses.
Pode ser que a Frederique Constant ainda nos surpreenda com mais novidades em dezembro, mas a sua presença na recente Dubai Watch Week foi especialmente relevante e ficou marcada com uma festa de arromba que comemorou o 35.º aniversário perante colecionadores, imprensa, amigos e um parceiro muito especial: o DJ e produtor Tristan Casara, mais conhecido pelo nome artístico The Avener e com quem a marca lançou duas edições limitadas. Desde 2022 que o francês é embaixador da linha Highlife e no Dubai acompanhou o lançamento de duas peças com a sua chancela baseadas no Highlife Automatic — um modelo em aço com bracelete metálica dotado de um mostrador preto/azul que evoca as frequências da música num estúdio de gravação (1995 euros) e outro modelo em aço escurecido via DLC com padrão concêntrico das ondas de som no mostrador (2495 euros).
Mas houve uma outra novidade, e essa bem mais complexa no plano técnico: o Highlife Perpetual Calendar Tourbillon é o mais complicado relógio jamais concretizado pela Frederique Constant e surge agora numa edição comemorativa em ouro rosa com tiragem restrita a — adivinhem! — 35 exemplares. Comparativamente com o modelo estreado em 2021, a edição limitada comemorativa do 35.º aniversário apresenta um mostrador mais fechado e uma diferente abertura para a gaiola do turbilhão. Para um preço de 44.995 euros, uma fasquia bem mais elevada do que a média dos relógios do catálogo regular da marca e que mostra bem a evolução técnica gradual da firma sediada em Genebra.
35 anos a crescer
A Frederique Constant é uma casa relojoeira suíça baseada em Plan-les-Ouates, nos arredores de Genebra. Fundada em 1988 pelo casal Aletta Bax e Peter Stas, a marca teve como um ponto de partida um objetivo ainda louvável nos tempos que correm: a criação de relógios de superior qualidade, mas com preços acessíveis. O nome escolhido não nasceu de nenhum nome sonante da história da relojoaria, mas antes de uma homenagem aos avós de cada um dos fundadores: Frédérique Schreiner (1881–1969) e Constant Stas (1880–1967). Se quisermos descortinar uma ligação aos relógios mais óbvia associada ao nome da marca, podemos referir que Constant Stas fundou uma empresa de produção de mostradores em 1904.
Em 2016, o Citizen Group adquiriu o grupo Frederique Constant — que integrava as marcas Frederique Constant, Alpina e Ateliers deMonaco. Em 2019, a marca inaugurava oficialmente o alargamento da sua unidade de produção para 6200 metros quadrados. Este passo teve como objetivo o aumento da produção de 160 mil para 250 mil relógios nos cinco anos seguintes. Atualmente, continua em frente e pode orgulhar-se de contar no seu portefólio com 31 calibres produzidos in-house, o mais recente lançado em 2023. Também em 2023, a Frederique Constant fez a sua estreia no Watches and Wonders e participou na Dubai Watch Week.
Em ano de celebração de um aniversário redondo, é possível assim fazer um balanço: «A marca celebra 35 anos e eu acompanho-a já há 12 e diria que tem sido um percurso muito desafiante e sinuoso», refere Niels Eggerding, o CEO. «A marca é nova — celebramos 35 anos quando outras marcas celebram 200, 150 ou 175 anos —, mas celebramos com orgulho porque fizemos muito ao longo deste tempo. Fizemos a nossa própria manufatura de movimentos apenas há 20 anos, a primeira, e desde então lançámos 31 movimentos in-house. E isto torna-nos os únicos, na nossa categoria de preços, a ser capazes de fazer isto. Foi um grande feito, mas ao mesmo tempo tem sido um percurso muito sinuoso».
A identidade
No vasto mundo da relojoaria, não é fácil construir uma identidade e desenvolver um percurso coerente que vá ao encontro dos valores identitários de base. Para Niels Eggerding, a Frederique Constant é «uma jovem e inovadora manufatura de relógios de Genebra que oferece um produto de elevado valor com preços muito razoáveis e penso que isso faz de nós únicos.» E complementa: «é muito dinâmica, uma marca que desafia os limites, que faz os seus próprios movimentos de manufatura, que faz a própria conceção em casa: design, produção e montagem».
Seria assim que o CEO apresentaria a Frederique Constant a alguém que não a conhecesse. «É possível ter acesso a uma marca com muito valor, muito estilo e muita qualidade por um preço justo. Eu diria que é preciso olhar para a coleção e que a partir desse momento vai apaixonar-se».
Os pilares da coleção
Atualmente, o portefólio da Frederique Constant compreende uma diversidade de relógios que varia entre modelos de perfil mais clássico (mais associados às origens da marca) e perfil mais casual, organizados entre as compostas coleções Manufacture, Highlife e Classics. Em destaque ainda o Slimline Monolithic Manufacture com um oscilador que é uma peça única em silício. Pelo caminho, foram ficando outras linhas — incluindo uma incursão inovadora pelo mundo dos smartwatches. Mas os pilares de hoje estão bem arrumados.
A coleção Manufacture inclui tendencialmente relógios com movimentos de produção própria, com um design elegante dito intemporal, com um nível artesanal de elevada qualidade e com complicações. Por outro lado, a coleção Classics é conhecida por apresentar relógios elegantes e simples, com uma estética clássica, mas muita vezes aliada a caraterísticas modernas. Já a coleção Highlife foi uma surpresa relativamente recente, seguindo a ideia de atrair uma audiência mais alargada; para isso, foi criada uma linha de relógios de design integrado, com caraterísticas modernas e versáteis e funcionalidades distintas. Como a possibilidade de troca facilitada da bracelete, por exemplo.
E para um jovem que contacte com a marca pela primeira vez, o CEO tem uma sugestão no que diz respeito ao primeiro relógio da marca: «Se fosse uma pessoa jovem, diria para olhar para o Highlife Automatic COSC, de cerca de 2000 euros. Um relógio muito bonito, com plaqué dourado (10 mícrons de plaqué de ouro 18kt), movimento de cronómetro automático, mostrador muito bem desenhado com o globo identificador, data, vidro de safira com tratamento antirreflexos nos dois lados, muito luxuoso e uma caixa de 39mm. Serve perfeitamente em pulsos mais pequenos e, quando visto, parece ser de um segmento mais elevado. Tem aparência de um relógio de 5000 euros. Mas apresenta um preço muito razoável.»
O cliente
Com tanta oferta no mercado de relojoaria, é preciso enquadrar a Frederique Constant e faz sentido perceber quais são as pessoas que com ela se identificam. Falamos do cliente. Quem procura um Frederique Constant? «A nossa marca tem algo de especial. Quando alguém se casa ou termina a faculdade com 21 anos é comum receber uma prenda dos pais, do marido, da esposa. Muitas vezes, esses presentes são de grandes casas relojoeiras, se o budget o permitir. Mas a nossa marca, em específico, as pessoas sentem que podem comprar porque querem ser elas próprias a comprar. Por isso, temos algo de único. As pessoas compram porque sentem ligação à marca e compram porque podem», sublinha Niels Eggerding.
E acrescenta: «O cliente que nós temos atualmente é de uma audiência mais alargada do que costumávamos ter. Costumávamos ter um cliente muito clássico — um jovem profissional, de 25 anos, que queria ter o seu primeiro relógio à séria. Começavam por um relógio automático ou de quartzo e depois começavam a crescer na marca e compravam o seu primeiro Manufacture. Depois, lançámos o Highlife para pessoas jovens, mas mais dinâmicas. Portanto, costumávamos ter um cliente muito clássico, mas um cliente clássico não podia comprar um relógio moderno nosso porque não o tínhamos e saltava para outra marca. Agora, conseguimos manter o cliente com este design e ele compra este novo design porque continua a ser muito próximo do nosso ADN. Mas o mais importante: abrimo-nos a uma nova audiência que nunca olharia para uma marca clássica como a nossa.»
Falamos assim de uma clientela para a linha Highlife que oscila entre os 25 e os 35 anos. Já a linha Manufacture, mais sofisticada, tende a contar com um segmento de idade um pouco mais elevado.
O ano em curso
Para 2023, a marca tem apostado em diversas novidades: «Há quatro anos trabalhámos na implementação do Highlife, porque eu queria atrair uma clientela mais alargada. Queria ganhar cota de mercado com esta linha. Mas, após dois anos, comecei a preparar a minha equipa para regressar ao Classic Manufacture. E, para mim, o Classic Manufacture é um relógio com mais story telling. E aí é que somos únicos. Portanto, este ano queria elevar a marca, mas isso não significa um aumento de preços, mas o crescimento pelo qual todas as marcas estão a passar no segmento premium. O segmento médio não está fácil e isso ficou bem claro durante dois anos. Portanto, posicionei a marca, embora não quisesse aumentar os preços na vertente Automatic. Quis mantê-la onde está, porque economicamente existem ondas. Por vezes, corre tudo muito bem economicamente e todos saltam para o premium, mas depois há um recuo. Se se optar por aumento de preços, depois não há volta a dar. Quis assim deixar os relógios de quartzo e os automáticos entre os 750 euros e os 2000 euros. Mas quis elevar o Manufacture», esclarece Niels Eggerding.
Nesse sentido, a opção foi a criação de novos calibres e o regresso de um mesmo design em dois modelos diferentes: «Este ano, juntámo-nos pela primeira vez ao Watches and Wonders e precisávamos também de uma masterpiece. Para celebrar os 35 anos da companhia, lançámos o Manufacture Classic Tourbillon, o turbilhão mais clean alguma vez produzido pela marca. E funcionou, tendo em conta o número de vendas. Essa peça foi lançada em ouro, mas também em aço por um preço de 15.000 euros, um dos mais acessíveis turbilhões clássicos do mercado. Mas o mais importante: é o único com 39mm. Todos os outros têm 41, 42mm. Uma proposta muito única. E no verão, durante os Geneva Watch Days, lançámos um calibre novo».
O Classic Power Reserve Big Date Manufacture com indicação das fases da Lua, reserva de corda e Data Grande descentrada. Foi assim lançada uma versão em platina com mostrador de meteorito, numa edição limitada a 25 exemplares e um preço de 25.995 euros, uma versão em ouro rosa por um preço de 17.995 euros e uma versão standard em aço, com um preço de 4800 euros.
«Trata-se de um segmento mais elevado, mas a concorrência começa nos 10.000 euros. Por isso, continua a ser acessível e justo no preço.» Ou seja, um luxo acessível, bandeira da marca — embora na Dubai Watch Week fosse apresentada uma edição limitada do Highlife Perpetual Calendar Tourbillon a um preço já perto dos 50.000 euros… mas o aniversário justificava mesmo algo de verdadeiramente especial.
31 Calibres in-house
A Frederique Constant tem vindo a apostar na criação de movimentos próprios e o lançamento do 31.º calibre este ano tem a sua relevância. Para o CEO, este lançamento «é importante para mostrar as inovações que temos feito. Penso que o cliente olha para nós como uma marca inovadora e sempre fizemos as coisas rapidamente, mas também fazemos por inovar. E com isso conseguimos elevar o valor da marca. Eu próprio queria fazer um relógio com data grande. Somos uma marca clássica e a indicação de data grande é muito clássica e é uma complicação, por isso, levei a minha equipa a criar um data grande combinada com uma reserva de marcha. O design andou para a frente e para trás porque a equipa de design queria ter a data na parte superior, mas achei a configuração demasiado ‘A. Lange & Sohne’ e queria fazer algo diferente. Depois decidimos seguir então seguir a direção que deu origem ao relógio», recorda.
E acrescenta: «É um relógio tipicamente Frederique Constant, com indicação das fases da Lua, mas que mostra mais uma vez a credibilidade da casa e daquilo que somos capazes de fazer. Para mim, foi muito importante. Infelizmente, não conseguimos alargar para os 35 calibres in-house no âmbito dos 35 anos. Mas este é o Calibre base 700 35. Para celebrar os 35 anos, lançámos assim o 31.º calibre in-house da marca: o Calibre 700 35.»
Um mundo em mudança
O mundo da relojoaria está intrinsecamente ligado à tradição de passagem de relógios de geração em geração. Mas não é necessariamente essa a abordagem da Frederique Constant, uma casa jovem, mas que acaba por ser ela própria um ponto de entrada no mundo da relojoaria. Ao conversarmos com Niels Eggerding, torna-se evidente que há uma efetiva compreensão dos nossos tempos.
«Entrei no mundo da relojoaria há 25 anos, numa empresa de distribuição que, além de outras marcas, vendia também Frederique Constant», conta; «foi o meu primeiro contacto com a indústria. Depois estudei e contrataram-me para as vendas e andava com malas no retalho a vender relógios. Tinha 22 anos. A paisagem de retalho tem vindo a mudar desde então. Penso que os retalhistas têm vindo a lutar ultimamente, surgiu o e-commerce e que muitas marcas de grupos tornaram-se mais altivas e o modo amigável de fazer negócio tem vindo a mudar. O retalhista anda sob pressão da parte de grandes marcas e grandes grupos. Portanto, penso que muito mudou no que diz respeito ao retalho. Se olharmos para a Suíça em si, as marcas mantêm-se. São as mesmas que sempre foram. Mas a aproximação ao consumidor de relógios mudou.» Com essa mudança, entra em jogo a importância da experiência e do lado pessoal.
«Normalmente teríamos bonitas revistas para folhear – algo que ainda gosto de fazer no domingo de manhã – mas os jovens, tendo como exemplo dos meus filhos, nunca lêem jornais ou revistas. Estão constantemente online, no TikTok.» De acordo com Niels Eggerding, há estudos que mostram que os jovens, mesmo que visitem os websites e vejam ali os produtos, estão a regressar às lojas. «Querem ver as lojas outra vez, querem sentir, cheirar os produtos, ver. É uma boa experiência que está a regressar. Estou muito feliz com isso. Mas os níveis de paciência da audiência com o TikTok são muito baixos.» Para chegar a estas gerações é preciso então direcionar a comunicação e saber chegar até elas primeiro através do seu smartphone e das redes sociais, por exemplo. «Ou eles não chegam até nós», refere. «Tentamos captá-los para a experiência de loja. E também através de eventos. Organizámos diversos eventos em Genebra em que procurámos conectar-nos com uma audiência mais nova – eventos de skateboard,por exemplo – pequenos eventos nomeadamente com a Alpina, a outra marca do grupo. Tentamos estabelecer ligação com as novas gerações ao vivo.»
Os desafios
Em tempos mais voláteis, quais os maiores desafios para a marca? A indústria relojoeira e o luxo estão a crescer, por isso, «manter o talento, manter as pessoas e atrair nova gente para a manufatura» é o grande desafio na perspetiva do CEO, sempre tendo em conta o contexto de uma marca que pretende manter os preços justos. Por isso, a Frederique Constant está a trabalhar com diversas escolas de relojoaria para atrair novos relojoeiros e treiná-los durante um ano para fazerem realmente relojoaria. Um grande investimento de tempo e naturalmente de dinheiro. No que diz respeito ao mercado, «o maior desafio é a instabilidade. A China está muito instável economicamente, temos a instabilidade da situação da Rússia e da Ucrânia [a entrevista foi feita nos finais de setembro de 2023]. E depois temos alguns mercados que estão a crescer: Estados Unidos, Índia, Coreia do Sul. Estamos a trabalhar nesse mercado há 20 anos e agora estamos a acelerar, mas a China é muito difícil. A Europa? Comme si, comme ça…».
Portugal
«Portugal é um dos países mais antigos da Europa e temos um historial de trocas comerciais que já vem de há séculos. Estou sempre ligado ao portugueses e tenho de dizer que é um mercado ainda relativamente pequeno, mas com muitos conhecedores. Há muitas pessoas que gostam de ver a marca nas redes sociais e nas fotos. É um mercado pequeno, mas um importante mercado em termos de influência para a Europa e também para o Brasil. O Brasil é uma área em desenvolvimento, mas mais cedo ou mais tarde vai tornar-se importante. E Portugal é a ponte para essa área. Por isso, na minha perspetiva, é bastante importante», remata Niels Eggerding.