Indústria relojoeira: Coco & Friends

Inesperadamente, a MB&F anunciou a entrada da Chanel no seu capital — num reforço da posição da conhecida maison de luxo francesa no universo da alta-relojoaria, após o investimento no seu próprio departamento relojoeiro e da participação na Bell & Ross, Romain Gauthier, F.P. Journe, Kenissi e Châtelain

A uma semana do arranque da Geneva Watch Days e praticamente seis anos depois da entrada no capital da F.P. Journe em 20 por cento, a Chanel apanhou o mundo relojoeiro de surpresa com o investimento em 25 por cento na galardoada marca de alta-relojoaria conceptual MB&F, liderada por Max Büsser — que mantém uma participação maioritária. O fundador e CEO passa a deter 60 por cento, ao passo que o seu business partner e responsável dos departamentos de pesquisa, desenvolvimento e produção, Serge Kriknoff, completa o ramalhete com 15 por cento.

Max Büsser e a sua MB&F receberam investimento de peso da Chanel
Max Büsser e a sua MB&F receberam investimento de peso | Foto: MB&F

O anúncio foi surpreendente, mas acaba por ser lógico tendo em conta o caminho que a Chanel tem vindo a percorrer nas últimas duas décadas e o seu investimento anterior na Bell & Ross, na Romain Gauthier, na já referida F.P. Journe e ainda nos pólos industriais especializados G&F Châtelain (caixas e braceletes) e Kenissi (movimentos).

A Chanel tem investido significativamente na alta relojoaria | Foto: Chanel

A entrada da Chanel no capital da MB&F (iniciais de Maximilian Büsser & Friends), mesmo minoritária, vem dar mais força e estabilidade a uma jovem companhia que ainda não completou sequer duas dezenas de anos… mas que apresenta já um currículo impressionante, com nove galardões no Grand Prix d’Horlogerie de Genève e uma faturação anual acima dos 40 milhões de francos suíços, e que pensa no seu futuro a longo termo. Como faz questão de sublinhar Max Büsser, seguramente um dos protagonistas da relojoaria contemporânea no século XXI.

Criações MB&F na MAD House | Fotos: Miguel Seabra/Espiral do Tempo

«Era responsabilidade nossa, num contexto atual favorável e com a direção da marca em boa forma, tomar este passo para assegurar o nosso futuro a longo termo», refere o fundador da MB&F; «trata-se de uma evolução natural para uma empresa que no próximo ano irá celebrar o seu 20.º aniversário: o investimento da Chanel vem fortalecer as nossas operações ao proporcionar, quando necessário, acesso ao seu alargado ecossistema e rede de fornecedores especializados, para além de permitir que nos mantenhamos num trilho independente e livre de qualquer pressão».

M.A.D. House, o quartel-general da MB&F em Carouge, nos arredores de Genebra | Foto: Miguel Seabra/ Espiral do Tempo

A MB&F foi fundada em 2005 para se tornar numa espécie de laboratório conceptual de alta-relojoaria que foi congregando os melhores especialistas da indústria (mestres relojoeiros, designers, artesãos e mesmo jornalistas) na criação de autênticas esculturas cinéticas e obras de arte mecânicas que deram novos mundos ao mundo relojoeiro. Max Büsser foi um pioneiro que desbravou muitos caminhos e abriu muitas mentes; hoje em dia, a MB&F tem uma produção anual à volta dos 400 relógios de pulso (entre Legacy Machines e Horological Machines, foram 419 em 2023) e ainda concebe extraordinários relógios de mesa e de parede (normalmente em parceria com a L’Epée), para além da marca mais acessível M.A.D. Editions (3.500 peças em 2023) e das M.A.D. Gallery que comercializam os produtos da marca e peças decorativas de artistas mecânicos.

MB&F HM9 Sapphire Vision em azul sob fundo preto.
Versão azul do Horological Machine Nº9 Sapphire Vision | Foto: MB&F

O império fundado por Coco

Fundada por Coco Chanel, a griffe parisiense — cujo nome está tão ligado à moda — pode parecer estar num universo completamente distinto do da MB&F ou das outras marcas de alta-relojoaria nas quais tem participação. Mas não: basta acompanhar atentamente as criações que a Chanel tem apresentado na última década e meia para se constatar a extrema qualidade de cada um dos seus produtos, da alta-joalharia à alta-relojoaria, passando pelos exemplares de Métiers d’Art (as peças Mademoiselle Privé são autênticas obras-primas) e até pelos modelos regulares da coleção. Para além das excecionais peças femininas, o minimalista Monsieur de Chanel e o complexo J12 Rétrograde Mystérieuse Tourbillon, idealizado pelo mestre Giulio Papi em 2010, são excelentes exemplos de alta-relojoaria masculina.

Chanel Mademoiselle Privé Pincushion Lace Motif
Chanel Mademoiselle Privé Pincushion Lace Motif | Foto: Chanel

A Chanel é também dona da G&F Châtelain (empresa produtora de braceletes e caixas para marcas de alta-relojoaria, especialista em cerâmica) e tem forte participação na Kenissi (manufatura de movimentos), para além do investimento em companhias exclusivamente relojoeiras de excelente reputação — com uma participação no capital da Bell & Ross, também sediada em Paris, e da Romain Gauthier, manufatura fundada por Romain Gauthier (um protegido de Philippe Dufour que até já foi galardoado com o Grand Prix d’Horlogerie de Genève pelo seu modelo Logical One), para além da associação a François-Paul Journe e a entrada no capital da manufatura F.P. Journe. A MB&F representa mais um passo estratégico e determinante para o estabelecimento da Chanel no universo da mais alta-relojoaria.

Caveira em suspenso: o BR 01 Cyberskull nas versões em safira e cerâmica preta.
A Bell & Ross faz parte do lote de companhias relojoeiras com participação da Chanel | Foto: Bell & Ross

Globalmente, a Chanel é um potentado no universo do luxo que emprega mais de 36.500 pessoas em todo o mundo. E, para além de estar na linha da frente em áreas tão diversas como a alta-costura e a perfumaria, tem promovido e patrocinado a cultura, a arte, a criatividade, o savoir-faire e a sustentabilidade. Frédéric Grangié, presidente do departamento de relojoaria e joalharia da marca parisiense, referiu «a satisfação de assinar uma parceria estratégica com a MB&F, que tem os mesmos padrões de independência, criatividade e excelência; o anúncio faz parte da nossa estratégia de longo termo para preservar, desenvolver e investir em know-how especializado, reafirmando o nosso posicionamento na alta-relojoaria».

Mostrador do Chanel Mademoiselle J12 Acte II
Cerâmica em destaque: o Chanel Mademoiselle J12 Acte II com caixa e bracelete confecionadas na Châtelain | Foto: Chanel

Com a marca de Coco cada vez mais rodeada de amigos, resta saber quais os passos seguintes a dar por outros colossos da moda e do luxo que já estão tão mergulhados na alta-relojoaria — como a Louis Vuitton, que tem desenvolvido a manufatura La Fabrique du Temps para recuperar as marcas Gerald Genta e Daniel Roth, e a Hermès, que estará interessada no pólo industrial ligado à Vaucher Manufacture de Fleurier.

Imagem de abertura: os vinte calibres, em menos de 20 anos, criados pela MB&F | Foto: MB&F

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