M.A.D. Gallery: Gloriosos rebeldes das loucas máquinas

EdT52 — Maximilian Büsser faz o que quer, com quem quer e, quase, para quem quer. Se isto lhe parece arrogância, saiba que não é. É antes a convicção de um homem sereno e com uma paixão: conceber máquinas relojoeiras nunca antes pensadas e fazê-lo com a inspiração que os seus amigos lhe proporcionam. Os dos relógios e os outros. E é dos outros que falamos hoje. Na M.A.D. Gallery Max, faz questão de expor ‘almas gémeas’ com outras paixões mecânicas e com a mesma paixão pela perfeição. Afinal, só mesmo um apaixonado consegue compreender a ‘loucura’ de outro.

Texto originalmente publicado no número 52 da Espiral do Tempo.

O pequeno filme que anuncia a caixa de música com que a MB&F — uma das mais vanguardistas e independentes empresas relojoeiras do novo milénio — celebra este ano o seu 10.º aniversário é um hino ao que pode ser. Tem a forma da nave TIE da Guerra das Estrelas e pode tocar seis músicas de genéricos de filmes icónicos como, evidentemente, a Guerra das Estrelas, mas também O Padrinho, Missão Impossível, Feliz Natal, Mr. Lawrence, James Bond e da clássica série televisiva The Persuaders. O prazer estético que deriva deste objeto único — só foram feitas 99 — remonta às convicções de Walter Pater e dos seus colegas ‘estetas’ do final inglês do século XIX: podemos, e devemos, retirar prazer de algo que não tenha por fim outra coisa que não seja oferecer-nos esse mesmo prazer. No caso da Music Machine 3, a perplexidade que nos surge é acompanhada pela admiração por quem se propôs a realizar tão bela e complexa peça.

Music Machine 3 da MB&F, uma das criações de celebração dos 10 anos da marca. © MB&F
Music Machine 3 da MB&F, uma das criações de celebração dos 10 anos da marca. © MB&F

Foi Max Büsser que, das suas paixões de infância — Star Wars e Star Trek —  e também do facto de, durante seis anos, ter sido ‘lanterninha’ de cinema para ajudar a pagar os seus estudos universitários, idealizou esta caixa de música única e a desenvolveu em conjunto com os seus amigos da JMC Lutherie e da Reuge.

E é este génio particular de Max — o de fazer amigos, amigos criativos, autênticas ‘almas gémeas’ na paixão de criar máquinas belas, inspiradoras na sua complexidade escheriana e infinitamente celebradoras do génio humano para as mais arrebatadoras aventuras mecânicas — que vos descreveremos nesta edição da Espiral do Tempo.

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Maximilian Büsser com o seu HM5. © MB&F

Não satisfeito com as colaborações inspiradas que desenvolve na MB&F, Max abre a M.A.D. Gallery em 2011, em Geneva (hoje conta com uma outra M.A.D. em Taiwan e está previsto abrir outra no Dubai). M.A.D. não se refere, embora pudesse, aos ‘loucos’ cujas criações exibe juntamente com as maravilhas da relojoaria mecânica da MB&B. M.A.D. é o acrónimo para Mechanical Art Devices e os ‘loucos’ inspiram Max tanto como os filmes da infância ou os carros de design clássico como o Lamborghini Miura de 67 — inspiração para o icónico HM5 da MB&F.
Para esta nossa edição — dedicada aos motores —, escolhemos dois criadores de um talento e de uma paixão fora do comum: o japonês Chicara Nagata e o norte-americano Bob Potts. «São pessoas muito diferentes que, na verdade, partilham a mesma filosofia de vida e as mesmas motivações. Os dois deixaram para trás uma vida ‘normal’ para mergulharem no desconhecido guiados apenas pelo seu ‘drive’, uma vontade indómita de realizarem as máquinas que tem na cabeça. São verdadeiro artistas rebeldes. Saúdo-os do coração. Foi especificamente para artistas deste calibre que criámos a M.A.D. Gallery.», afirma Max.

Melchior © MB&F
Melchior, mais uma peça desenvolvida no âmbito do 10.º aniversário da irreverente MB&F, sob o lema «A creative adult is a child who survived». © MB&F

As criações de ambos foram expostas na M.A.D. e a sua reputação cresceu ainda mais. O que sobressai nos relatos de Chicara e Bob — e também de Max — é o respeito mútuo, respeito e admiração que nasce do reconhecimento do esforço, do custo pessoal que estas paixões, obsessões mesmo, envolvem para quem mergulha na busca da perfeição mecânica. Como diz Max, «A M.A.D. permitiu-me conhecer ‘almas gémeas’ do mundo inteiro. Todos ‘obcecados’ com máquinas que possam também ser arte. Isto não só me deixa feliz como tem permitido a muitos destes criadores ficarem famosos e, mais importante ainda, permitiu-nos uma polinização de ideias para novas criações deles e minhas. A M.A.D. é tanto um orfanato como um ‘think tank’.» E adivinhamos-lhe um sorriso generoso nos lábios.


«Viver a vida é comunicar. Comunicar é criar.»

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Chicara Nagata com uma das suas peças — Chicara Art Three. © MB&F

Chicara Nagata nasceu em Kyushu, uma ilha no sul do Japão. Aos doze anos, nos idos de 1975, construiu com peças uma bicicleta totalmente original que vendeu pela assombrosa quantia, à época, de 400 euros. Um ano mais tarde, comprava a sua primeira moto, uma Yamaha GT 50, e começava assim um love affair com as duas rodas que não deixaria nada nem ninguém perturbar.

A primeira moto por si construída, em 1993, exigiu-lhe três anos de dedicação, as seguintes exigiram-lhe menos tempo e Nagata fica-se, hoje, por uma moto por ano, meticulosamente desenhada, refletida, construída. São 500 peças por si criadas, aplicadas à volta de motores vintage, construídos entre os anos 30 e 60 do século passado, que, quando emergem do atelier Chicara, espantam pela beleza formal e pelas proporções.

MB&F Chicara_Art
Chicara Art One, Chicara Art Four e Chicara Art Three © MB&F

Em 2004, Chicara começa uma série de quatro peças — chamar-lhes motos começa a ser pouco — intitulada Chicara Art que lhe traz fama internacional e o leva, em 2006, a conquistar o título de melhor customizer do mundo com a Chicara Art One. No ano seguinte, leva para o Japão o segundo lugar com a apropriadamente apelidada Art Two.

Há cinco anos, «out of the blue», diz Chicara, «recebi um e-mail de Max. Propunha uma colaboração. Como era bom demais para ser verdade, não lhe pude responder atempadamente. Uns meses depois, outro e-mail de Max apareceu-me na caixa de entrada. Vinha a Tóquio numa viagem de promoção e propunha que nos encontrássemos. Foi uma boa e grande surpresa. Nunca pensei que conheceria Max pessoalmente. Ter conhecido o Max» — afirma Chicara — «através do resultado do meu processo criativo é um dos acontecimentos mais maravilhosos da minha vida. Faz-me sentir verdadeiramente privilegiado.»

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Chicara Art V, A mais recente peça de Chicara Nagata © Frank Kletschkus

«Como queria muito que ele ficasse com uma boa ideia do meu trabalho, coloquei três das minhas motos numa carrinha e fiz os 1200 km do meu atelier até Tóquio.» O resto é, como dizem, história. As motos de Chicara Nagata foram expostas na M.A.D., em Geneva, e a lenda Chicara cresceu ainda mais. Tais criações são fundadas no génio e também numa dedicação ímpar, quase maníaca, à obra. Lembra Max: «Em Tóquio, depois de três horas de intensa conversa sobre escolhas de vida e a arte da mecânica, perguntei-lhe como tinha conseguido viver durante os quinze anos em que não vendeu nenhuma das suas criações. Respondeu-me que fazia trabalho de design gráfico para comer e pagar a renda, e acrescentou, ‘a minha mulher deixou-me, os amigos foram desaparecendo… mas não consigo parar de fazer o que faço…’ Sempre que olho para uma das criações do Chicara e me lembro daquela resposta, é como se me tivessem dado um murro no estômago…»


A natureza feita mecânica

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Bob Potts © Bryan Root

Bob Potts, aos 72 anos, persegue ainda o impossível: recriar mecanicamente a beleza e a graça dos movimentos da natureza. Fá-lo com criações mecânicas minimais, sem ornamento ou floreado. Talvez estes não sejam necessários quando queremos reproduzir o bater de asas de uma águia ao levantar voo. Bob sintetiza: «o meu trabalho resulta das ideias que me chegam do mundo natural. Da graça e da forma de todas as coisas vivas. Da forma como interagem. Tudo isto deixa-me em estado de espanto permanente.»

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Cosmographic Voyager © Bryan Root

A conexão com a M.A.D. aconteceu de forma simples quando, na galeria, se depararam com vídeos do trabalho de Bob no YouTube. A ligação do mundo de Potts e da relojoaria mecânica é óbvia aos olhos do escultor: «Sempre pensei nas minhas esculturas como peças relojoeiras. Elas realizam um ciclo cinético e tentam conquistar a nossa atenção e imaginação. O tempo passa.»

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Ascension, Kinetic Sculpture de Bob Potts. © Bryan Root

Um criador intuitivo, Bob declina a utilização de software computorizado para conceber os movimentos intricados que se formam na sua imaginação: «Muitas vezes tenho o desafio de pegar num mecanismo específico e exploro os caminhos por onde me leva. Outras vezes imagino uma peça e vou à procura do mecanismo que me possa ajudar a concretizá-la.» Ajuda também ser um marceneiro de exceção. Bob constrói os seus próprios modelos e protótipos em madeira para encontrar as dimensões e proporções adequadas a cada escultura sua. O design das peças vai-se revelando durante este processo — talvez a mais fascinante parte do trabalho de Bob — e muitas vezes o resultado final é inesperado, mesmo para o artista. «É muito gratificante observar uma peça crescer e evoluir. Não é a arte um reflexo da evolução do artista?»

Como remata Bob, «os objetos fabricados em massa satisfazem as necessidades de muitos. Eu, sozinho, na minha oficina, com uma peça feita por mim talvez possa alimentar a alma de muitos». É provavelmente isto que, intima e profundamente, estas máquinas — das criações idiossincráticas de Nagata e Potts à brilhante relojoaria mecânica de Büsser — conseguem despertar em nós: o reconhecimento do génio nas realizações no outro, que também somos nós. ET_simb

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