Foi depois de mais um longo dia no Watches and Wonders (aliás, depois de vários longos dias no grande evento) que tivemos a ‘cereja no topo do bolo’. Ou melhor, os chocolates, se quisermos ser mais precisos. Na agenda, estava uma experiência gastronómica exclusiva e uma entrevista a Mathieu Davoine, o jovem chef chocolateiro que este ano colaborou com a Jaeger-LeCoultre no âmbito do programa Made of Makers.
No Watches and Wonders Geneva 2025
Trabalhar artesanalmente o chocolate é arte ou é ciência? O que leva alguém a dedicar a sua vida ao minucioso mundo do chocolateria? E o que é que o chocolateria tem a ver com a relojoaria? Não fizemos nenhuma destas perguntas a Mathieu Davoine, mas fizemos outras parecidas que nos ajudaram a conseguir as respostas que tanto queríamos. A meio de uma semana intensa no Watches and Wonders 2025, em Genebra, e depois de um longo dia com muitas histórias pelo meio, conseguimos chegar finalmente ao stand da Jaeger-LeCoultre para uma entrevista com Mathieu Davoine, o jovem chef chocolateiro que este ano se juntou à manufatura de Le Sentier no âmbito do programa Made of Makers.

Esta iniciativa, com já alguns anos, tem como objetivo promover o diálogo entre a relojoaria e diferentes formas de arte, e a colaboração entre a marca suíça e Mathieu Davoine surge no contexto da celebração das origens do Reverso, o incontornável relógio com caixa reversível que tem na sua base o mundo do polo.
A Jaeger-LeCoultre desafiou, assim, o chef a criar quatro delícias de chocolate exclusivas para fazerem parte do enquadramento de toda a presença da marca no Watches and Wonders. Desta forma, os visitantes tiveram a oportunidade de usufruir de uma experiência gastronómica muito especial no bar do próprio espaço da manufatura, durante toda a semana do evento.
Quanto a nós, entre conversas sobre chocolate e relógios, Mathieu recebeu-nos, com a energia de quem vive a sua arte com entusiasmo e começou por falar sobre a paixão que tem pelo chocolate desde sempre. Nada como começar pelo princípio.

«O chocolate é algo que me acompanha desde a infância — sempre adorei, desde muito pequeno. Não me interessava se era ao pequeno-almoço, ao lanche depois da escola ou até ao domingo, para mim qualquer momento era bom para comer chocolate. Sempre foi uma verdadeira paixão», começa por explicar. «Mais tarde, quando comecei a frequentar escolas de pastelaria e a fazer a minha formação, aprendi a apreciar verdadeiramente um bom chocolate e comecei a descobrir as suas características e a aprender a trabalhar com este material».
Depois, foi seguir em frente. Mathieu Davoine é atualmente considerado como uma estrela em ascensão entre os ditos Chefs Chocolatiers de Genebra e trabalha atualmente na Othmane Khoris, nessa mesma cidade. Recentemente selecionado para o Swiss Culinary National Team, prepara-se agora para participar no Culinary World Cup de 2026 e nos Culinary Olympics de 2028.

Tal como na relojoaria, trabalhar o chocolate exige um domínio técnico que leva anos a aperfeiçoar, explica-nos. Para Mathieu, entender as caraterísticas e os componentes do chocolate é fundamental, já que possui diferentes cristais e moléculas que é preciso conhecer desde o início para poder ser trabalhado das mais diferentes formas e apresentações – na forma sólida, na forma líquida ou esculpido, com base nos mesmos ingredientes. «Sem este conhecimento é muito difícil trabalhar o chocolate», explicou. Além disso, há uma componente de precisão impossível de contornar. «Na relojoaria, temos essa precisão na montagem, nos mecanismos, nas complicações. No fabrico do chocolate, tudo se resume à temperatura exata e ao tempo exato. É tudo muito preciso: mais um segundo, menos um segundo, mais um grau, menos um grau.» Paralelos entre os dois mundos que têm em comum a base artesanal. «São profissões de paixão», refere.
A criatividade, no entanto, é o que realmente entusiasma Mathieu. Para ele, o processo de pesquisa, de testar novas ideias e ver como elas ganham vida é o que lhe dá mais satisfação no trabalho. «O desafio está em experimentar, errar e, depois, acertar. Conseguir concretizar uma ideia e ver as reações das pessoas é muito gratificante», explica-nos, sempre com um sorriso.

Por isso, o desafio de criar as quatro delícias de chocolate para a Jaeger-LeCoultre foi muito bem recebido. A colaboração surgiu quando a marca o contactou: « Fui contactado pela Jaeger-LeCoultre que me apresentou o programa Made of Makers. Discutimos o projeto, as expectativas, o briefing e a inspiração no polo e no Vale de Joux. Depois do primeiro encontro de apresentação, tivemos reuniões de degustação, digamos assim, falámos sobre ideias e rapidamente começámos a testar para apresentar possíveis associações, possíveis criações.». A partir daí, Mathieu teve a liberdade de experimentar e explorar diferentes possibilidades para criar algo inovador e surpreendente com o chocolate.
Durante a colaboração, Mathieu teve a oportunidade de visitar a manufatura da marca em Le Sentier e lembra com entusiasmo as visitas que fez, tanto no início como no fim do projeto. «Foram experiências incríveis. Eu fiquei impressionado com a paixão dos relojoeiros e com a complexidade do trabalho deles. Descobri que, apesar de parecerem mundos distantes, há uma ligação natural entre as duas profissões. Há uma proximidade». Para Mathieu, a experiência foi reveladora e despertou um respeito profundo pela relojoaria suíça. Apesar de, desde criança, sempre ter tido relógios para aprender a lê-los, Mathieu nunca tinha tido um contacto direto com o mundo da relojoaria até se mudar para a Suíça. «Aqui, a relojoaria é uma parte essencial da cultura e da paixão do país. Foi aqui que comecei a interessar-me mais pelos relógios», contou.

Aliás, a Jaeger-LeCoultre foi uma grande fonte de inspiração para o trabalho desenvolvido: «A sua reputação enquanto ‘Relojoeiro dos Relojoeiros, a sua imensa habilidade e o incrível domínio tecnológico que lhes permite inovar e destacar-se de outras marcas são pontos muito inovadores» e complementa através de um paralelo com o Reverso: «Tal como no Reverso temos aqui dois lados, um primeiro que é o lado visual e um segundo lado que é o da degustação».
Sobre as delícias que criou para a marca, Mathieu explicou-nos em detalhe cada uma delas: «A primeira chama-se Harmonie de Chocolat e é um chocolate clássico. No interior temos chocolate de leite, chocolate negro, cacau em pérolas e cacau em pó. Tudo de chocolate. Se quiser acrescentar um ingrediente do Vale de Joux pode acrescentar nozes crocantes; depois tem o Galop des bois que é uma trompe-l’oeil para a bola de pólo. Em cima tem praliné de avelãs e chocolate negro em forma de letras ‘Jaeger-LeCoultre’ e na bola tem uma mousse de chocolate branco com cogumelos porcini. E depois tem frutos vermelhos. Se quiser, pode ainda adicionar pó de cogumelo. Experimenta primeiro sem e depois com este ingrediente para ver a diferença.» A explicação seguiu depois para a terceira delícia, apresentada numa lata de metal redonda que, segundo a marca, evoca as caixas de graxa dos calçados dos jogadores de polo. Aliás, todas estas criações evocam o mundo do polo de alguma forma.

«Depois temos um trompe-l’oeil de caviar (Éclat de Caviar). Quando se abre a caixa, temos uma pequena porção de cacau. Na parte de fora temos creme de chocolate negro, biscoito de cacau e um tapenade de azeitonas. Como ingrediente extra tem uma infusão feita a partir de rebentos abetos. Deve experimentar com e sem este ingrediente mais uma vez porque vai notar uma grande diferença. O último chama-se Doceur de Cavalier e é um biscoito clássico francês, conhecido por Petit Écolier, mas aqui feito à base de pólen. Tem uma cobertura de chocolate de leite e no interior tem uma ganache e geleia de ulmária. O ingrediente especial para este biscoito é o pólen.»
Como deu para perceber, a experiência de degustação é, portanto, enriquecida pela participação dos convidados: ou seja, é possível dar um toque especial a cada delícia ao adicionar um ingrediente específico do Vale de Joux.
Para complementar estas quatro iguarias, Mathieu Davoine criou ainda uma bebida especial cujo ingrediente principal é a polpa carnuda (ou mucilagem) que reveste os grãos de cacau no interior de uma vagem madura. Com o seu sabor ligeiramente adocicado e picante que faz lembrar os frutos tropicais, é essencial para o processo de fermentação natural pelo qual os grãos passam antes de serem secos e depois torrados. Neste caso, a bebida deve ser saboreada entre as diferentes delícias, enquanto limpa palato que permite ainda acrescentar um nível extra de sabor.

Para Mathieu, a inspiração por trás das criações veio diretamente da natureza e da simplicidade do Vale de Joux, com os seus elementos puros e autênticos. «Foi um grande desafio trabalhar com ingredientes desta região, porque é um território pequeno que não tem propriamente uma história rica de culinária, e criar uma combinação inovadora, surpreendente e agradável de aromas e sabores em torno do chocolate», revelou. Além disso, o chocolatier destacou ainda que a experiência acabou também por ser muito enriquecedora: «Aprendi a não impor limites a mim mesmo. Devemos testar, correr riscos e permitir-nos criar livremente. Foi uma experiência que me ensinou a ousar mais e a explorar novos caminhos», concluiu.
Por fim, não poderíamos deixar de fazer uma pergunta mais virada para o paralelismo entre relógios e chocolates novamente. Da mesma forma que conhecer os meandros da produção em relojoaria e os detalhes dos relógios contribui para reforçar ainda mais o gosto por este mundo, acontecerá o mesmo com o mundo da chocolataria? Para Mathieu, não há dúvida. Saber mais torna ajuda a tornar melhor a experiência de degustação: «Somos transparentes. Quando compreendemos o modo pelo qual o chocolate é transformado, com um bom cacau, uma boa transformação, como tudo funciona, tendemos a apreciar ainda mais», considera.
Com estas palavras bem presentes, avançámos então para a nossa próoria experiência. Agora, um pouco mais conhecedores deste universo, e certamente mais preparados para saboreá-la em pleno.