A Jaeger-LeCoultre revelou o resultado da sua mais recente colaboração no âmbito do programa Made of Makers: Nicolas Bonneville foi desafiado a interpretar a identidade da marca através de fragrâncias originais. A propósito deste projeto, tivemos oportunidade de falar com o perfumista francês e também com Matthieu Le Voyer, Chief Marketing Officer da Jaeger-LeCoultre.
Há uns anos, em entrevista, o perfumista Luís Matos dizia à Espiral do Tempo que os cheiros são ‘gatilhos de memória’. E, de facto, os cheiros têm o dom de nos transportar para momentos ou épocas específicas da nossa vida. Talvez aqui possamos enquadrar o cheiro dos bolos acabados de fazer na cozinha da mãe, o cheiro das castanhas assadas nas ruas ou o perfume bem marcado da avó preferida. Estes exemplos são clichés, é certo, mas perfeitos para mostrar que o tempo e os cheiros podem mesmo andar de mãos dadas. Ainda assim, existem outras formas de estabelecer relações entre o tempo e o olfato, como o fez recentemente a Jaeger-LeCoultre através do programa Made of Makers. A marca suíça desafiou o perfumista Nicolas Bonneville a criar assinaturas olfativas originais que captassem coletivamente a identidade da Grande Maison, ao mesmo tempo que expressassem individualmente um aspeto particular da sua história.

«Este deve ter sido provavelmente o maior desafio que alguma vez fizemos no programa Made of Makers», admitiu Matthieu Le Voyer, Chief Marketing Officer da marca, «porque perguntámos literalmente ao Nicolas se poderia inventar e criar uma identidade olfativa da Jaeger-LeCoultre. Se pensarmos bem, é um pouco estranho porque perguntámos-lhe a que cheiraria a Jaeger-LeCoultre se a Jaeger-LeCoultre tivesse um cheiro.» Reconhecido como um dos perfumistas mais talentosos da sua geração, Nicolas Bonneville ficou agradavelmente surpreendido e aceitou o desafio, como o próprio nos explicou: «No início fiquei muito orgulhoso, porque é uma oportunidade única para um perfumista ilustrar o ADN olfativo de uma marca tão icónica como a Jaeger-LeCoultre. Eu costumo dizer que a memória olfativa é muito forte. É uma espécie de máquina do tempo. Está muito ligada à emoção, pelo que foi um grande privilégio criar a representação olfativa da Jaeger-LeCoultre, conhecida como o ‘relojoeiro dos relojoeiros’».

O desejo da Jaeger-LeCoultre de criar uma identidade olfativa surgiu da afinidade entre os mundos da perfumaria e da relojoaria, disciplinas complexas que combinam a criatividade artística e a precisão da ciência. Por isso, aceitar o desafio fez todo o sentido para Nicolas Bonneville, quando ainda para mais o artista descobre os tais aspetos comuns entre o trabalho dos relojoeiros e o dos perfumistas: «Todos trabalhamos com tempo e com matéria. Tive a oportunidade de visitar a manufatura e achei incrível o facto concentrar todas as habilidades debaixo do mesmo teto. Existe um equilíbrio entre tradição e modernidade. E partilhamos os valores de excelência e paixão pelo nosso métier. Todos procuramos inovação e precisão.»
O processo de criação
Nicolas Bonneville desenvolveu a sua carreira como autodidata e o início do seu percurso profissional foi orientado pelo perfumista Jacques Maurel e, depois, por Francis Kurkdjian. O artista tende a inovar através de fragrâncias distintas que misturam técnicas tradicionais e vanguardistas, bem como essências raras e ingredientes naturais milenares. Ao mesmo tempo, o seu trabalho distingue-se pela forma como explora novas associações de aromas e ingredientes, que vão além dos códigos clássicos e das fronteiras culturais.

«Na perfumaria, como na pintura, manter a pureza das misturas é essencial», explica. «Da mesma forma, na criação de perfumes, é fundamental dosear com cuidado as matérias-primas para preservar o seu caráter olfativo único, sem diluição excessiva. O princípio ‘menos é mais’ garante que a sua fragrância mantém a sua clareza e profundidade; consegue-se um aroma único com um caráter e distinção reais.» Esta abordagem minimalista de alta perfumaria foi transportada para a interpretação da identidade da Jaeger-LeCoultre.

O artista teve carta branca, com apenas um pedido, como explicou Matthieu Le Voyer: « queríamos usar o que há de melhor em perfumaria, mas também queríamos uma abordagem nova e descritiva para o fabrico de fragrâncias tradicionais. Por sua vez, Nicolas referiu que gostaria de utilizar fórmulas precisas, como menos ingredientes, mas que esses poucos ingredientes permitiriam um carácter olfativo mais claro e refinado. Por outro lado, gostaria de utilizar apenas ingredientes nobres, porque são raros e prestigiados, permitindo criar a singularidade destas fragrâncias. E o último ponto foi o nível de concentração muito elevado porque, segundo Nicolas, quando se utilizam estes ingredientes raros com um nível de concentração muito elevado, está-se a explorar novos territórios.»

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Para levar a cabo o projeto, o perfumista passou um tempo no Vallée de Joux, na Suíça, onde pôde explorar as belezas naturais da área, e visitar a manufatura Jaeger-LeCoultre, em Le Sentier. A este propósito, Nicolas Bonneville reforçou a sua admiração: «É um lugar muito agradável onde não há espaço para o supérfluo. Há muito savoir-faire, muita humildade e vê-se a perfeição em todo o lado. É incrível. Mas o meu irmão é joalheiro e eu não estava propriamente em branco. Por isso, foi a ocasião ideal para aprofundar os meus conhecimentos sobre relojoaria.»
O cheiro da Jaeger-LeCoultre
Na relojoaria, cada elemento de um relógio deve ser funcional e meticulosamente ajustado, desempenhando o seu papel com precisão. Da mesma forma, na criação de perfumes, cada matéria-prima desempenha um papel crucial e deve ser ajustada e equilibrada para alcançar o resultado desejado. Foi assim, com esta precisão, que Nicolas Boneville trabalhou.
As três assinaturas olfativas para a Jaeger-LeCoultre foram criadas com fórmulas simples que passam por elevadas concentrações de ingredientes nobres, raros e até de origens distantes, que deixam vestígios diferenciados e sofisticados. E cada uma delas nasceu de diferentes inspirações. É caso agora para perguntar novamente: a que cheira, então, a Jaeger-LeCoultre?

A assinatura The Timeless Stories, evocativa do modelo Reverso, distingue-se pelo caráter amadeirado e coriáceo que lembra o aroma de estábulos e selas, tendo em conta a ligação do relógio reversível ao polo. Por outro lado, uma nota inicial de folha de violeta evoca a frescura da relva aparada, enquanto que o coração da fragrância é envolvido por uma nota de Orris e termina numa base de acorde de couro.
Já a assinatura The Celestial Odyssey presta homenagem ao cosmos, que sempre cativou os relojoeiros, através de uma fragrância ambarada e picante, que se abre com Coração de Patchouli, e depois, em ondas quentes e minerais, com as Madeiras Âmbar e Âmbar Cinzento, e o aroma de Vanilla Tahitensis como base. Esta combinação evoca os céus estrelados que guiaram os navegadores e oferece um toque de sensualidade.

A terceira assinatura, The Precision Pioneer, distingue-se pelo caráter amadeirado e picante, inspirado no coração da manufatura, que se abre com notas quentes de Incenso, numa representação das origens através do calor do fogo do ferreiro, onde as matérias-primas são transformadas. Este ponto de partida é ampliado pelo distinto aroma da Madeira Vibrante, evocando a bancada do relojoeiro. Depois, a nobres essências de Cedro, Guaiaco e Madeira de Oud fundem-se no Acorde de Âmbar, numa ponte entre o artesanato ancestral e a inovação de ponta.
Como dá para perceber, cada assinatura guarda em si diferentes aspetos do ADN da Jaeger-LeCoultre, numa interpretação olfativa de Nicollas Boneville. Mas será que a mensagem passa para quem está cá fora? Será que há necessidade de compreender em detalhe a composição das assinaturas para que a sua mensagem passe efetivamente? E será que compreendê-las vai ajudar a apreciá-las mais, como acontece no mundo dos relógios?

«Eu costumo dizer que a memória olfativa é muito forte. É uma espécie de máquina do tempo. Está muito ligada à emoção» conta-nos o perfumista francês. Sendo assim, há sempre um lado subjetivo de quem experiencia uma fragrância. «A emoção que o cheiro de um perfume desperta não é a mesma para todos. Por isso, foi divertido desenvolver as histórias intemporais em torno do Reverso, porque é o relógio mais icónico da Jaeger-LeCoultre. Por exemplo, eu sabia que a equipa da Jaeger-LeCoultre estava à espera de um acorde de couro e sabia também que o Mathieu não gosta de notas de couro. Por isso, foi um desafio aprofundar esta abordagem e oferecer modernidade e singularidade ao acorde.» Mas, se no final, há uma «espécie de magia» quando todos consideram que uma fragrância é agradável, a verdade é que na opinião do perfumista, por mais palavras que existam, «o mais bonito nos perfumes é não haver propriamente ‘um certo’ e ‘um errado’, porque tudo gira em torno da magia e da emoção».
Os desafios
O processo de criação das fragrâncias não foi linear e teve os seus desafios, naturalmente: «Para mim, foi um desafio ir além dos limites do meu conhecimento sobre a minha matéria-prima, porque tive carta branca para mergulhar a fundo nas matérias-primas, incluindo nas mais raras e preciosas como o Orris, uma das mais caras da perfumaria, e eu não estava habituado a ter um nível percentual de utilização tão elevado. Por vezes, acabei por ficar mais perturbado no que diz respeito ao perfil olfativo. Estava fora do meu conhecimento sobre aquela matéria-prima. Por isso, mergulhar a fundo nas matérias-primas e criar algo de memorável e singular que estivesse ao nível da excelência da Jaeger-LeCoultre foi o grande desafio».

Ainda assim, o perfumista refere que aprendeu bastante com esta experiência, incluindo, a importância da constante busca da inovação e de ir além dos próprios limites. «Trabalho com fórmulas muito curtas e posso enganar com matérias-primas, mas há muito espaço para expressarem as suas caraterísticas e perfis únicos. E passarei a ter presente esta mentalidade de que menos é mais. Durante o processo, estava sempre a tentar apagar uma das matérias-primas do acorde para ver se o acorde ainda estava lá, se era necessário utilizar essas matérias-primas. E alguns deles estavam. Não eram uma faceta do acorde, mas tinham o seu propósito técnico como a difusão, a durabilidade, os trilhos. Quanto mais curta for a fórmula, mais necessário será o foco nas matérias-primas. É uma espécie de mentalidade de relojoeiro.»
Um diálogo com futuro
O programa Made of Makers pretende alargar o diálogo entre a relojoaria e a arte através de colaborações com artistas de áreas fora da relojoaria que partilham os valores de criatividade, experiência, precisão e respeito pelo passado com os quais a marca se identifica. Ao longo dos anos, a Jaeger-LeCoultre tem desafiado diversas personalidades para projetos exclusivos que unem arte, relojoaria e tempo de formas inesperadas e inovadoras. Depois da arte contemporânea, da gastronomia e da música, chegou então a vez da perfumaria.

O propósito destas iniciativas não é comercial, pelo que as assinaturas olfativas criadas não serão vendidas. Matthieu Le Voyer explicou-nos que «as fragrâncias poderão ser oferecidas como presente especial aos clientes da marca.» Mas há mais: «Também iremos oferecer masterclasses nas boutiques, porque queremos que seja transmitida ao cliente a mensagem de que existem semelhanças entre a perfumaria fina e a relojoaria. Mas o mais importante é que queríamos criar algo que durasse. É algo que servirá de base para a identidade olfativa geral da Maison. E porque gostaríamos de aprofundar ainda mais esta arte de viver ‘à Jager-LeCoultre’, utilizaremos também as fragrâncias como assinaturas das nossas exposições temáticas e pop-ups.» E, assim, através das assinaturas olfativas, é possível despertar emoções e memórias diretamente relacionadas com a marca.