Edição impressa | A linhagem Memovox (em latim, ‘voz do tempo’) é uma das mais distintas no longo currículo da Jaeger-LeCoultre — que tem reeditado algumas célebres versões do seu famoso relógio dotado de alarme mecânico. A mais recente recupera fielmente um histórico modelo de mergulho do meio do século passado: o Deep Sea.
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Texto originalmente publicado no número 38 da edição impressa da Espiral do Tempo
As heranças relevantes devem ser partilhadas — e, numa era em que o espírito vintage está tão em voga, sucedem-se as reinterpretações históricas por parte das mais antigas casas relojoeiras. Nem todas as reedições são bem-sucedidas, porque o original não é tão apelativo e nem todas são fiéis ao original porque são demasiado modernizadas. Há, contudo, marcas e modelos que têm o condão de se tornar clássicos instantâneos. Nessa perspetiva, a auréola da Jaeger-LeCoultre e a reputação do nome Memovox constituem garantia de sucesso.
As raízes do Memovox (em latim, ‘voz do tempo’) remontam ao primeiro relógio de pulso com alarme e mecanismo de corda manual da Jaeger-LeCoultre, em 1950, e ao seu sucessor de corda automática, em 1956. O investimento da histórica manufatura de Le Sentier no seu glorioso passado manteve a linhagem Memovox bem viva ao longo das décadas e atualmente o clássico Master Memovox é mesmo uma das vedetas da sua coleção regular, mas a ‘Grande Maison’ tem vindo a lançar edições limitadas de versões especiais: em 2008, foi a vez do Memovox Tribute to Polaris homenagear um modelo de 1968 cujo grafismo até esteve na base da atual linha desportiva Master Compressor. Este ano, foi apresentada uma série designada Memovox Tribute to Deep Sea, reminiscente do modelo de 1959 que foi o primeiro relógio automático de mergulho com alarme.
Velha guarda
Não se trata de um relógio ‘comercial’; se há modelos que são reeditados porque apresentam linhas intemporais que apelam para uma faixa consumidora mais alargada e que não precisa de ser particularmente informada (modelos simplesmente atraentes, usáveis em quaisquer circunstâncias e que, por essa razão, são comercialmente seguros até para um público mais jovem), também há modelos de nicho para os saudosistas ou que requerem educação para serem encarados com o devido valor. O Memovox Tribute to Deep Sea encontra-se nesse patamar, e a sua bagagem histórica deve ser compreendida para melhor ser apreciada.
A Jaeger-LeCoultre sempre se especializou na conceção de alarmes mecânicos, e o Deep Sea, de 1959, foi um dos ícones da relojoaria desportiva do século XX, surgindo curiosamente declinado em dois falsos gémeos destinados a lados diferentes do oceano Atlântico — e a reedição retoma essa dicotomia, com a versão europeia denominada Memovox Tribute to Deep Sea ‘Classique 1959’ a ser limitada a 959 exemplares, e a americana, Memovox Tribute to Deep Sea ‘LeCoultre Spécial Amérique’, confinada a 359 peças. Porquê a diferença? Na altura, a marca não podia usar o seu nome em toda a extensão nos Estados Unidos, por razões de propriedade intelectual, e isso explica o branding abreviado ‘LeCoultre’; por outro lado, o mercado americano quis algo de diferente do europeu e esse desejo viu-se refletido no grafismo que enche mais o mostrador, ao passo que a versão destinada ao Velho Continente é bem mais depurada.
Eco Subaquático
A outra pergunta que se coloca prende-se com a utilidade de um alarme mecânico subaquático: pode parecer estranho, mas o som propaga-se melhor dentro do que fora de água. E porque a Jaeger-LeCoultre quis fazer um relógio de mergulho diferente dos que então se faziam com uma luneta rotativa para recordação do tempo, investiu na sua especialização acústica para optar pelo alarme de aviso em detrimento dessa luneta rotativa. O que explica a razão por que o Deep Sea tem a luneta fixa.
O original de 1959 estava dotado do Calibre 818; depois de vários aperfeiçoamentos desse mecanismo ao longo de meio século, a reedição Tribute to Deep Sea aproveita todos os últimos desenvolvimentos da Jaeger-LeCoultre na área das complicações acústicas e alberga o mesmo Calibre 956 (com 268 peças, 23 rubis e 45 horas de reserva de corda) que é utilizado no Master Memovox da coleção regular. É simplesmente o melhor: os relógios-despertadores mecânicos da maior parte das restantes marcas produzem um som inferior e que dificilmente acordaria gente com sono leve — mas já se sabe que as complicações acústicas são uma especialidade da casa Jaeger-LeCoultre, que parece deter o segredo da alquimia metalúrgica…
Um minúsculo martelo faz vibrar o timbre suspenso na periferia do interior da caixa; a qualidade sonora é excelente (com uma frequência que agrada ao ouvido, nem demasiado baixa nem excessivamente elevada) devido à descoberta de uma liga especial que permanece sigilosa e à conceção de uma forma específica para o timbre. A caixa em aço com 40,5 milímetros de diâmetro (ligeiramente maior do que no original) foi concebida de modo a obter a melhor ressonância possível para que a eficácia do alarme seja máxima até em circunstâncias subaquáticas.
Para aficionados
Até a bracelete de borracha, o vidro em plexiglass e a estanqueidade de 100 metros respeitam a versão original de 1959 — tal como a utilização preponderante do preto com retoques contrastantes em amarelo-torrado. As coroas, colocadas nas duas e nas quatro horas, são de fácil manuseamento: a que está às quatro horas é a de acerto da horas e minutos quando puxada (inclui a função stop-seconds para maior precisão no ajuste); a coroa das duas horas serve para dar corda manual ao alarme e, puxada, para ajustar a hora do toque através da seta presente no disco giratório ao centro do mostrador.
Apenas um outro relógio de mergulho com alarme concorria com o Deep Sea no início da década de 60, e, curiosamente, também foi reeditado este ano (em comemoração do seu 50.º aniversário): o Vulcain Cricket Nautical, se bem que dotado de um calibre de caraterísticas diferentes — com um som menos límpido e mais vibratório. Tal como o Tribute to Deep Sea, também é um modelo apelativo que prova que os arquivos das marcas tradicionais suíças (e o da Jaeger-LeCoultre é vastíssimo) constituem uma fonte de inspiração quase inesgotável. Não há dúvida de que a moda new-vintage/neo-rétro vai continuar a fazer a delícia dos aficionados que gostam de ter no pulso algo especial em edição limitada.
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