Cvstos: Antonio Terranova

Em Barcelona, Sassoun Sirmakes e Antonio Terranova, revelam-nos alguns aspetos que se escondem atrás dos relógios que produzem. De passagem, falam-nos dos últimos oito anos da Cvstos e das perspetivas que têm para o futuro. Na Espiral do Tempo, publicamos as entrevistas individualmente. Hoje, as palavras de Antonio Terranova.

Cvstos é uma marca bastante jovem que procura uma credibilidade que em boa parte desconhece já possuir. Entre as marcas concorrentes, o discurso humilde e quase desconcertante de Antonio Terranova, cofundador, técnico e designer da manufatura, é muitas vezes aproveitado para relegar a marca para uma posição de retaguarda que efetivamente não tem. A Cvstos, está ainda a dar os primeiros passos, mas revela já uma capacidade técnica assinalável e uma visão de futuro que a deverá elevar a pouco e pouco para um novo patamar no campo da alta-relojoaria. Muitos dos que afirmam que o design dos modelos da marca refletem um certo dejá-vu desconhecem que Antonio Terranova fez parte da equipa inicial que criou e desenvolveu os primeiros modelos da Richard Mille. Em Barcelona, para o lançamento da edição limitada do cronógrafo Challenge Dani Pedrosa, a Espiral do Tempo falou com a dupla fundadora da Cvstos. Sassoun Sirmakes, filho do poderoso CEO do grupo Franck Muller, Vartan Sirmakes, e Antonio Terranova falaram-nos do seu trabalho, da sua marca e de como é que chegaram até aqui. As palavras de Terranova:

De uma perspetiva da alta relojoaria, o que representa hoje a Cvstos?
Cvstos representa a pesquisa permanente da performance do movimento. Quando falamos da performance, falamos da obsessão pela indicação da precisão de um relógio mecânico simples ou complicado.

O que distingue a Cvstos de outras marcas similares?
Uma das diferenças que atribuo á Cvstos é o facto de termos movimentos in-house, para além do próprio conceito do movimento. Como somos uma pequena empresa, não temos grandes meios financeiros, pelo que quando desenvolvemos o nosso movimento simples de indicação de horas, minutos, segundos e data, pegámos no nosso movimento de cronógrafo, retirando-lhe este módulo de complicação, mas mantendo o movimento base. Desta maneira, foi-nos possível produzir dois movimentos a partir de um só. Esta foi uma forma inteligente de incorrer em custos menores, já que temos necessidades específicas de ordem financeira que nos obrigam, penso eu, a ser mais inteligentes ao nível industrial do que algumas outras marcas. Depois, para os movimentos de alta-relojoaria como o turbilhão, a repetição de minutos e o cronógrafo com turbilhão, a nossa filosofia define que estes sejam relógios para serem utilizados no dia a dia, capazes de resistirem ao choque e de serem capazes de suportar no mínimo uma pressão de 10 atmosferas quando submersos. Acima de tudo, devem permitir ao proprietário o prazer de viver o objeto de forma diária, seja em que situação for. Não se trata definitivamente de apenas adquirir um relógio de valor elevado e de o deixar depois a dormir numa qualquer gaveta apenas permitindo que ele veja a luz do dia de forma ocasional. Os nosso relógios podem e devem ser utilizados todos os dias, de qualquer forma e em qualquer ocasião. Acima de tudo têm de ser precisos.

Como foi o início da Cvstos?
Iniciámos a Cvstos em 2004, e inscrevemos a empresa nos organismos legais em março de 2005. Desde essa altura, a Cvstos já desenvolveu pelo menos cinco calibres in-house, alguns em colaboração com Pierre-Michel e Jean-Pierre Golay do grupo Franck Muller. Os movimentos foram desenvolvidos a partir das nossas ideias e com o savoir-faire deles ao nível industrial.

O que é já uma performance bastante boa….
Bem, a performance aqui é relativa. Relativa em relação à nossa dimensão, já que somos uma pequena empresa. Somos um pouco como o eletrão livre do grupo Franck Muller, apesar de não fazermos parte do grupo. Somos um pouco um laboratório de desenvolvimento que estuda e promove novos conceitos que posteriormente o grupo Franck Muller é livre de aplicar, ou não, nas suas próprias criações. É como se tratasse de uma joint-venture onde se trocam competências num ambiente académico que nos permite chegar a este género de performances. Trata-se mais de uma história de pessoas e de relações humanas do que uma história de empresas.

Qual foi o projeto mais difícil de desenvolver ao longo destes anos?
Até agora o projeto mais difícil foi sem dúvida o cronógrafo rattrapante com turbilhão misterioso que apresentámos em 2010. Foi um movimento que requereu perto de quatro anos de desenvolvimento e, posso afirmar, que ainda se mantém em fase de desenvolvimento porque estamos permanentemente a melhorar diversos aspetos deste movimento de grande complexidade. É um modelo bastante difícil de construir e até agora entregámos apenas quatro exemplares que têm um preço de 250.000 CHF. Um valor apenas ultrapassado, na nossa coleção, pela repetição de minutos que tem um preço de 320.000 CHF. Esta última é uma das raríssimas repetições de minutos acionada por botão de pressão e estanque a 10 atmosferas, e que, adicionalmente, é extremamente audível, contando ainda com um turbilhão antichoque. Quisemos de forma propositada romper com os códigos que regem a construção e o uso deste género de complicações que normalmente exige uma série de regras de utilização que quase nunca passam por uma utilização desportiva.

Os novos materiais e tecnologias de ponta associadas à relojoaria fazem parte do presente e futuro da Cvstos?
Nós aplicamos os materiais e tecnologias de ponta sempre a partir do momento em que eles já foram aplicadas em outros domínios. Estamos, por exemplo, bastante atentos aos materiais utilizados nas telecomunicações móveis, que são em parte uma fonte bastante importante de inspiração e onde vemos aplicada uma boa parte das novas tecnologias que poderemos recuperar para o campo da relojoaria. Não se trata de poder afirmar que fomos os primeiros a utilizar este ou aquele material, mas apenas que utilizamos o melhor material existente para este ou aquele componente de forma a que ele tenha o melhor desempenho possível.

Na Cvstos preferem não falar em complicações, mas antes em funções úteis…
É verdade, pessoalmente não gosto do termo complicação preferindo antes o termo ‘função útil’, que traduz algo que todas as pessoas podem utilizar diariamente. Ninguém verá, por exemplo, uma equação do tempo da Cvstos, porque 99% das pessoas que possuem um relógio com este género de indicação não fazem a mínima ideia do que ela representa ou para o que é que serve. Não se trata de forma alguma de uma indicação vital para o utilizador, mas aceito que tenha um valor poético. Pelo meu lado, prefiro falar de cronógrafos de grande precisão, ou então, de indicações de grande data ou dia e noite.

Como divide o tempo entre a gestão da manufatura e o trabalho em novos projetos?
Atualmente passo dois dias por semana com o Grupo Franck Muller em Genthood a trabalhar em projetos nossos e também em projetos da Franck Muller. Depois tenho a sorte de ter um sócio excecional que se ocupa de todos os aspetos financeiros, industriais e de aprovisionamento da empresa. Assim posso concentrar-me totalmente na criação e nas técnicas de desenvolvimento dos nossos relógios.

O que podemos esperar da Cvstos no futuro?
Estou cheio de ideias para os próximos anos, mas, como já afirmei, todas gravitam em torno da função útil e da precisão. Estamos, por exemplo, um pouco cansados do atual nível de precisão fatídico de entre +-1 minuto por mês num relógio mecânico. Um dos nossos objetivos é o de melhorar esta performance o mais possível, associando-a ao conforto em geral do relógio como objeto. Não queremos que ele se torne apenas um símbolo de status ou um objeto de moda, mas que permita uma certa relação de proximidade e de utilidade como hoje os chamados smartphones já têm.

Hoje a Cvstos é uma verdadeira manufatura?
Sem dúvida. Hoje fazemos tudo de forma artesanal e nem sequer temos uma linha ou cadeia de produção nem de especialistas nesta ou naquela função específica. Nós seguimos um pouco a política de empresas como a AMG, pelo que associamos sempre um relógio a apenas um relojoeiro que é responsável pelo modelo do princípio ao fim da sua construção. Os nossos métodos de montagem são completamente diferentes do que é habitual e permitem-me dizer sem qualquer hesitação que sim, a Cvstos é hoje uma verdadeira manufatura. Este método de construção é um argumento de qualidade que é também uma consequência dos nossos relógios não terem mostrador, permitindo ao utilizador avaliar diretamente a qualidade de todos os componentes do movimento. A qualidade e o detalhe dos acabamentos tornam-se assim imediatamente visíveis, tanto pela frente como pelo verso do relógio, pelo que não posso diluir a responsabilidade da construção ao longo de uma cadeia de montagem. O processo de construção de cada relógio que produzimos na Cvstos é sempre a responsabilidade de um só relojoeiro.

Qual é o maior desafio para o futuro na manufatura?
O maior desafio é indiscutivelmente gerir o nosso próprio crescimento. Chegámos ao fim de oito anos de existência e a uma produção de 2000 relógios por ano de uma forma totalmente autónoma e auto financiada. A médio prazo queremos crescer para as 5000 peças por ano sem sacrificar os nossos critérios de qualidade atuais, o que se traduz na contratação de mais relojoeiros para a nossa estrutura. A longo prazo poderemos alcançar, mas não ultrapassar, as 10.000 peças por ano, precisamente para salvaguardar o bom equilíbrio entre o artesanal e o industrial. Hoje é esse o desafio mais importante que partilho com o Sassoun Sirmakes, a gestão do nosso crescimento. ET_simb

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