Garrett McNamara

EdT47 A TAG Heuer Portugal anunciou, no passado dia 9 de abril, Garrett McNamara como amigo da marca. Para já, ainda não foram revelados os principais detalhes desta associação, mas sabemos que dará bons frutos em breve. A este propósito, recordamos a entrevista que fizemos ao famoso surfista — no âmbito da edição da Espiral do Tempo, dedicada ao mar. 

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Garrett McNamara com um TAG Heuer Aquaracer 500 Ceramic (Ref. WAK2110.BA0830). © Kenton Thatcher

A maior onda do mundo alguma vez surfada foi-o por Garrett McNamara, na Nazaré. É isso que faz de Gmac um nazareno? Não. O próprio diz que foi o mar, as paisagens, a gastronomia e, sobretudo, o povo da Nazaré que o fizeram apaixonar-se pelo «mais bem guardado segredo da Europa». Outros dizem que foi a sua personalidade, cativante, que apaixonou os nazarenos, levando-os a adotá-lo como um dos seus. Uma coisa é certa, a cumplicidade das gentes da Nazaré com este americano, que enfrentou e venceu o Adamastor nazareno, é evidente. A personalidade inspiradora do americano também.

Pat Garrett e Billy the Kid pertencem à mitologia americana. É verdade que o Garrett era uma espécie de Billy quando era miúdo?
(pausa) Bem, soa-me bem. A minha mãe diz que eu, quando tinha um ano, escapei de casa, e foram dar comigo a um quilómetro. Até aos 11 anos, quando mudámos para o Havai, estava sempre à procura de emoções fortes e a fazer coisas doidas. A partir daquela altura, tudo o que fazia era surfar.

Como é que o surf entrou na sua vida?
A minha mãe obrigou-nos a ir para o Havai, e foi aí que tudo começou, na costa norte de Oahu. Naquela altura, gostávamos muito de fazer skateboarding e o surf era como fazer skate na água. Era lindo: a água era quente e mais conveniente, porque é preferível cair na água do que no cimento. (risos) Tudo aquilo de que nós precisávamos na vida era de uma prancha de surf.

O que o atraiu nas ondas grandes?
Ao princípio, tinha medo das ondas grandes e, até aos 16 anos, achava que nunca surfaria ondas com mais de dez metros. A primeira vez que o fiz não correu bem, mas, depois, houve um dia em que me saí muito bem e amei a sensação, de tal forma que achei que queria ondas cada vez maiores, que queria viver para as ondas grandes.

Foi nessa altura que pensou em tornar-se profissional?
Não, isso foi um pouco por acidente. A partir dos 16 anos, fazia surf o dia todo, mas nunca pensei que pudesse fazê-lo profissionalmente, porque havia muita gente muito melhor do que eu que comecei um bocado tarde. Aos 17 anos, estava a acabar o liceu e não tinha a certeza do que poderia vir a fazer na vida. Tinha um patrocinador que me inscreveu numa prova — que eu não ganhei, mas onde fui suficientemente longe para ganhar dinheiro — e, naquela altura, se ganhássemos dinheiro éramos considerados profissionais. Aceitei alegremente o dinheiro e tornei-me surfista profissional. (risos)

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Garrett McNamara com a prancha com a qual bateu o recorde de maior onda alguma vez surfada, em 2011. No pulso está a usar um TAG Heuer Aquaracer Chronograph (Ref. CAN1011.BA0821). © Kenton Thatcher

Lembra-se dessa primeira grande onda?
Da onda exatamente não, mas lembro-me do dia, da sessão. Lembro-me de ter usado a prancha de um amigo e de lha ter partido. (risos)

É depois de entrar no circuito profissional que aprende a falar fluentemente japonês. Porquê japonês?
No Havai, há muitos japoneses e um dos nossos melhores amigos era japonês, e era uma espécie de embaixador não oficial. Ele recebia muitos japoneses que iam surfar para o Havai. Nós andávamos juntos, e foi assim que comecei a aprender a falar japonês. Depois, arranjei patrocinadores japoneses e comecei a ir ao Japão todos os anos.

O Japão é ‘surfável’?
Sim, sim, há muito boas ondas — e grandes também — no Japão. Bem, não em Fukushima…

São curiosas, as voltas da vida. Sabe que há palavras japonesas que derivam do português?
Há palavras japonesas que derivam do português?

Sim. Os portugueses foram os primeiros ocidentais a chegar ao Japão, em meados do séc. XVI, e, mais tarde, no final deste século, um português escreveu a primeira gramática de japonês e o primeiro dicionário japonês-português.
Uau, não fazia ideia.

Porque acha que a Nazaré era um segredo, até o Garrett a descobrir?
Não sei. O Kelly Slater já tinha andado a surfar aqui dois anos antes de mim, e sei que se punha aqui nas rochas a ver as ondas. Ele era a única pessoa com quem eu estava em contacto e com quem eu falava em surfar aqui.

Mas ele não se deixou seduzir pelas ondas grandes…
Ele gosta de ondas grandes, mas não de ondas gigantes.

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Garrett McNamara foi agora anunciado pela TAG Heuer Portugal como amigo da marca. O surfista americano foi capa da Espiral do Tempo em 2014 .© Kenton Thatcher

Em matéria de surf, o que torna a Nazaré diferente de Jaws, por exemplo? O que a torna tão desafiante?
O que a torna única é o canhão subaquático e o facto de a onda nunca quebrar duas vezes seguidas no mesmo sítio, estando sempre a mexer-se, sempre em movimento. O fundo do mar da Nazaré não é recife, é areia, por isso tudo muda: as marés mudam, o fundo do mar muda, as ondas mudam.

Há a onda perfeita, aquela que o deixaria definitivamente satisfeito?
A onda perfeita para mim terá 15 a 20 pés (4,5 m – 6 m) e um tubo perfeito. As Fiji têm a onda perfeita. Em Portugal, também deve haver. Há tantas ondas em Portugal que o meu sonho, a minha onda, tem de estar aqui. (risos)

A incerteza deste mar aumenta o perigo, certo?
Sim, porque não é previsível. Pode-se estar a descer a onda e as coisas mudarem.

E o que se faz então?
Tenho de continuar a surfar a onda, seguir em frente, continuar com ela, lidar com ela… (risos)

É nesta altura que a segurança se torna importante, presumo. Que logística lhe permite surfar estas ondas com alguma segurança?
A segurança é a linha que separa a vida da morte, ficar ferido de não ficar. Comecei a observar atentamente o mar, a verificar sites, a preocupar-me com a segurança ainda no Havai. Aqui temos tudo em condições: três jet ski, nadadores-salvadores, bombeiros, ambulância, comunicações. É uma grande operação. Quando surfamos este tipo de ondas, temos de confiar em nós próprios acima de tudo, mas é bom ter outras pessoas que te possam dar indicações e ajudar.

Foi a preocupação com a segurança que o arrastou para a parceria com a Mercedes Benz?
Sim. Uma prancha, para fazer este tipo de ondas, tem de ir mais depressa do que as outras, tem de ser forte, mais leve nuns sítios, mais pesada noutros, equilibrada, flexível nuns sítios, dura noutros. Pode surfar-se estas ondas com outras pranchas, mas é simpático ter uma prancha que faz uma parte do trabalho. A prancha, de facto, funciona.

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Garrett McNamara com um TAG Heuer Aquaracer Chronograph (Ref. CAN1011.BA0821). © Kenton Thatcher

Uma das suas mais emblemáticas experiências foi a de surfar as ondas provocadas pelo degelo de glaciares. Foi uma experiência que teve muito que ver com a gestão do tempo porque esteve uma semana, dias inteiros, horas a fio, à espera de que caísse um bocado suficientemente grande do glaciar para provocar a onda. Em que pensou, enquanto olhava para o glaciar?
A princípio, a ideia era gira, mas a realidade tornou-se assustadora. O primeiro dia foi mesmo desafiante e eu queria ir-me embora, queria desistir. Ficámos e, à medida que o tempo passava, eu ia ficando mais confortável com a situação, e começou a tornar-se divertido. Não era seguro, de todo, mas tínhamos estudado o necessário e tivemos tempo para enfrentar os nossos medos.

Às vezes, está horas na água. Está sempre concentrado ou dispersa-se?
Estou sempre concentrado. No caso que referiu, às vezes tinha o meu colega a fumar ou a dormitar no jet ski, mas eu estava muito focado e preocupado com a situação. Não nos podemos dispersar.

Que tipo de treino físico e psicológico faz?
Ioga, corrida, circuito, tipo CrossFit, mas sem os pesos. Mas ioga é ótimo.

A gastronomia portuguesa é compatível com a dieta exigida?
É notável. Como muita coisa, mas sobretudo sopa, salada e algum marisco.

Quando surfa uma onda gigante, aqueles segundos parecem-lhe horas?
Não; tudo passa muito depressa, mesmo muito depressa. (risos)

E ter uma parede de 30 metros de água atrás de si que ameaça cair-lhe em cima, não o perturba?
Não. Estou muito concentrado em surfar bem, em fazer as coisas bem-feitas; em entrar no tubo, e em quando virar. Quando eu estou no topo da onda, vejo o filme do que devo fazer, e tento fazê-lo, estando atento às alterações que possa haver. Temos tempo para olhar, para usar os nossos conhecimentos, para avaliar, para pensar no que fazer e em como fazê-lo. Não pensamos no medo, estamos demasiado concentrados. É quando começamos a pensar noutras coisas que o medo se atravessa.

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Garrett McNamara posa no farol do forte da Nazaré, ao lado da prancha que desenvolveu em parceria com a Mercedes. © Kenton Thatcher

E quando faz o seu desporto favorito: andar enrolado nas ondas? Os segundos parecem então horas ou está a divertir-se demasiado?
(risos) É, é mesmo divertido. De repente, tornamo-nos num grão de areia, ficamos totalmente sem controlo e, por isso, sentimo-nos especialmente vivos. Temos de nos concentrar em relaxar e deixarmo-nos ir. Às vezes, parece muito tempo, mas estamos a falar de 20, 30 segundos; não estamos debaixo de água assim tanto tempo. Parece, mas não é. A ansiedade é que pode tornar este tempo maior. O pior é quando são duas ondas seguidas, então já pode passar para o minuto e tal. A sensação é a de estar dentro de uma máquina de lavar roupa: é violento, sobretudo se tentarmos contrariar a força da água. Mas se nos deixarmos ir, é divertido. (risos) É sempre divertido, desde que não nos aleijemos.

O que fizeram o mar e o surf por si?
O mar é o meu recreio e a minha igreja. É a coisa que mais me tranquiliza, é rejuvenescedor e torna-nos humildes. Se não faço surf durante uns dias ou uma semana, quando volto à agua tenho uma sensação fantástica de deleite, de regresso a casa. Lar, doce lar. (risos)

Até quando, Garrett?
Penso que vou surfar o resto da minha vida: se não dentro de água, a ajudar outros. Já estou mais numa onda de ajudar os outros a atingir os objetivos deles do que na de alcançar os meus. Hoje, encontro mais satisfação nisto; em ajudar alguém a surfar pela primeira vez, por exemplo. É tão bom ver o gozo dos outros, e a sensação de realização deles faz-me gostar ainda mais do surf, pelo prazer e pela afirmação pessoal que ele pode proporcionar. É bom partilhar a felicidade e é divertido fazer as pessoas felizes; nada nos faz sentir melhor do que fazer os outros felizes. É das melhores recompensas: ver o sorriso na cara dos outros e dar-lhes qualquer coisa sem esperar nada em troca.

Há uma ideia do mundo do surf onde há sempre raparigas louras e bronzeadas, um mundo de pessoas descontraídas, afáveis e saudáveis. Quão longe está a realidade daquilo que imaginamos?
É um belo quadro, esse, de facto. (risos) Mas a minha vida agora é mais socialmente responsável. A minha preocupação hoje é «o que é que eu posso fazer para ajudar», já não é «o que é que eu posso obter». Tenho tido ótimas experiências quando me convidam a ir a escolas falar com miúdos e lhes posso transmitir a minha experiência… dizer-lhes que eles podem fazer o que amam na vida, que não têm de se conformar, seja com o emprego, seja com a mulher que está mais próxima. Digo-lhes que procurem a paixão deles, a alma gémea, que se rodeiem de gente saudável, e que então tudo será possível.

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Garrett McNamara sente-se particularmente bem em Portugal e sente-se reconhecido pelo acolhimento que teve no nosso país. © Kenton Thatcher

O que é que o Garrett gostava de ter sido, se não fosse um surfista profissional?(Pausa longa) Um chef — adoro cozinhar. Um fotógrafo — adoro fotografia. Mas, honestamente, não me vejo a fazer outra coisa profissionalmente. Gosto de ensinar os miúdos a surfar, gosto de fazer conferências, de motivar as pessoas, de as ajudar a atingir os objetivos. Gosto de inspirar os outros como eu fui inspirado. Portugal inspirou-me. Se eu conseguir inspirar uma criança, um trabalhador, um académico, é ótimo. A vida tem muito de partilha.

Isso da partilha é muito próprio da cultura do surf, não é?
Sim, mas… (risos) o surf pode ser um desporto extremamente egoísta, atenção, porque é um mundo de competição. Mas se o fizermos ascender a um outro nível e o partilharmos com os outros, pode ser como uma grande família onde todos tomam conta de todos.

Tem a noção de que é um exemplo, pela sua conduta e atitude?
Acho surpreendente. Sabe, normalmente, tendemos a invejar a paisagem verde que está do outro lado da estrada, mas Portugal é todo ele verde. Eu tenho os meus braços e as minhas pernas, e há pessoas sem braços ou sem pernas que são felizes. Há pessoas com dramas terríveis, tráfico sexual, por exemplo, e nós queixamo-nos de coisas insignificantes. Exageramos os nossos problemas e acho que temos de estar gratos pelo que temos, concentrarmo-nos em viver, em encontrar a nossa paixão, não nos deixarmos quebrar pelas pressões de termos de fazer isto e aquilo. Podemos fazer aquilo de que gostamos. Trabalhar com miúdos tem isto de bom — é fácil, eles tornam as coisas fáceis. Quando se é mais velho, é-se mais cauteloso. Não gosto de dar falsas esperanças às pessoas, de as convencer de algo que seja inatingível, mas nunca é tarde demais. Tracem um plano, um bom plano, um plano inteligente — não um feito na areia — e se o fizerem, tudo será possível.

Qual é a importância de haver uma grande mulher por trás do grande homem?
As pessoas de quem nos rodeamos na vida são algo muito importante. Com boa gente à volta e uma mulher extraordinária, tudo é possível. Uma boa mulher é a diferença entre estarmos felizes ou não. Se não te rodeias de boas pessoas, de pessoas de quem gostas, a vida torna-se muito desafiante, muito difícil. A vida resume-se, em larga medida, a escolher as pessoas certas para nos acompanharem. Estou muito contente por me terem convidado a vir a Portugal e por me terem recebido como receberam. Estas ondas estão aqui desde sempre; Portugal está aqui desde sempre; os portugueses governaram meio mundo, reinaram no mar, e eu sinto-me extremamente reconhecido pelo vosso acolhimento. ET_simb

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