Visitámos a Parmigiani em Fleurier, uma localidade relojoeira em pleno Val de Travers. E entrevistamos o seu CEO, Guido Terreni. A marca independente fundada pelo mestre Michel Parmigiani há quase trinta anos tem colecionado galardões nos últimos tempos graças a inesperadas e inovadoras soluções na sua coleção Tonda PF.
Em Fleurier
Val de Travers está em alta. Na última década, quase trinta galardões do Grand Prix d’Horlogerie de Genève foram entregues a cinco marcas dessa zona relojoeira no cantão de Neuchâtel — Voutilainen, Chopard, Ferdinand Berthoud, Bovet e Parmigiani Fleurier. E a Parmigiani Fleurier logrou dois troféus do GPHG nos últimos quatro anos graças à sua linha Tonda (Hijri Perpetual Calendar em 2020; Tonda PF Automatic em 2022), para além de múltiplas nomeações e outros prémios que muito contribuíram para o reforço do estatuto da manufatura fundada pelo mestre Michel Parmigiani em 1996.
Com o seu design integrado e linhas puristas, a linha Tonda PF — uma evolução minimalista da linha Tonda — tem dominado a coleção da Parmigiani Fleurier nos últimos anos e surpreendido a crítica com soluções técnicas inesperadas, como a utilização de um mecanismo de recuperação (inspirado nos movimentos cronográficos) em ponteiros suplementares no Tonda PF GMT Rattrapante e no Tonda PF Minute Rattrapante.
[Alguns dos modelos da coleção da Parmigiani Fleurier fotografados durante o Watches and Wonders 2023]
- Parmigiani Fleurier Tonda PF Annual Calendar em ouro rosa | © Paulo Pires / Espiral do Tempo
- Parmigiani Fleurier Tonda PF GMT Rattrapante | © Paulo Pires / Espiral do Tempo
- Parmigiani Fleurier Tonda PF GMT Rattrapante | © Paulo Pires / Espiral do Tempo
- Parmigiani Fleurier Tonda PF Annual Calendar Steel Platinum | © Paulo Pires / Espiral do Tempo
- Parmigiani Fleurier Tonda PF Micro-Rotor Full Platinum | © Paulo Pires / Espiral do Tempo
- Parmigiani Fleurier Tonda PF Minute Rattrapante | © Paulo Pires / Espiral do Tempo
- Parmigiani Fleurier Tonda PF Skeleton Steel Platinum | © Paulo Pires / Espiral do Tempo
Um cronógrafo com rattrapante é o tipo de cronógrafo mecânico mais complicado existente, com um segundo ponteiro acoplado ao ponteiro do cronógrafo; esse segundo ponteiro da contagem dos segundos, após ser travado, recupera (rattrape) instantaneamente o atraso de modo a juntar-se ao outro. A adaptação no Tonda PF GMT Rattrapante e no Tonda PF Minute Rattrapante é diferente: no primeiro caso, basta premir um botão para que o fuso horário suplementar se junte ao outro aquando do regresso ‘a casa’ (ou seja, ao fuso horário de origem); no segundo, serve como uma espécie de contador (com incrementos de um ou cinco minutos) para cronometragens úteis no dia a dia.
Para além dos dois modelos com essa distinta função rattrapante, a linha Tonda PF inclui cronógrafos, turbilhões volantes, calendários anuais (e chineses!), mostradores esqueletizados e as versões de base automáticas com rotor ou microrrotor. A estética também é agradável e a arquitetura da caixa associada à integração da bracelete tornam não só os relógios especialmente confortáveis no pulso como também permitem a sua utilização com roupa mais formal. Entre os cada vez mais exemplares ditos ‘desportivos de luxo’ no mercado (com inspiração na tipologia que na década de 70 marcou o advento do relógio moderno), os Tonda PF da Parmigiani Fleurier são claramente uma forte opção entre a panóplia atual de modelos de design integrado. E ajudaram Guido Terreni, CEO da marca desde 2021 (oriundo da Bulgari), a triplicar o volume de negócio.
O catálogo da Parmigiani Fleurier completa-se atualmente com os Tonda GT, Tonda e Toric. Mas não se podem esquecer todas as excecionais criações das décadas transatas, incluindo especialidades inspiradas em valiosas peças históricas da coleção Sandoz: por exemplo, a Montre Anglaise Ovale à Aiguilles Télescopiques, do início do século XIX, originou o Ovale Pantograph de 2013; a Montre à Deux Fuseaux Horaires, de cerca de 1870, inspirou a linha Tonda Hemisphères. Para além dos exercícios de estilo técnicos e estéticos resultantes de prestigiadas parcerias anteriores com a Bugatti e a Pershing. Paulo Sousa, grande vedeta da seleção nacional na década de 1990 depois tornado treinador, chegou mesmo a ser embaixador da marca quando era o técnico da Fiorentina.
Modelos protagonistas
Mas os protagonistas da presente coleção são mesmo o Tonda PF GMT Rattrapante e o Tonda PF Minute Rattrapante. Guido Terreni explica como a ideia — numa espécie de momento Eureka — surgiu durante a pandemia: «Estávamos confinados, não podíamos viajar e tivemos de nos focar em nós próprios, nos nossos valores. O restauro está ligado à nossa história, mas não nos deve prender ao passado. Michel Parmigiani sempre disse que a restauração era a inspiração para ir a algum lado, não para ficar preso ao passado», começou por dizer. «Viajo muito, pelo que utilizo bastante a função GMT — mas não gosto de mostradores GMT muito complicados».
E acrescentou: «O sistema teria de ser simples e infalível. Prime-se o botão às 8 horas e temos um modelo Dual Time; quando se regressa a casa, acciona-se o mecanismo rattrapante e os dois ponteiros ficam sobrepostos. Pela primeira vez foi utilizada a função rattrapante fora do âmbito dos cronógrafos e aplicada ao GMT. É o relógio GMT mais puro, porque quando não viajamos não precisamos do GMT e não quero ser perturbado por uma indicação Dia/Noite».
Com indexes muito discretos e um mostrador com suave padrão guilloché personalizado Grain d’Orge, os Tonda PF são mesmo o paradigma da elegância minimalista. Com uma nuance no caso dos ponteiros: «Na versão em aço do Tonda PF GMT, tudo o que é em ouro está associado ao Home Time; no ouro, invertemos a disposição», sublinha Guido Terreni. Outro expediente muito interessante é o que foi utilizada para o rotor central dos modelos automáticos: «Aplicámos a solução dos ‘mostradores misteriosos’ à massa oscilante», refere. O resultado é particularmente interessante e transparente.
Mas não estará a evidente predominância da linha Tonda PF a dominar excessivamente o catálogo da Parmigiani Fleurier e presa ao atual apetite pelo design integrado? «Reformulamos completamente a marca, incluindo a distribuição. Começámos pelo Tonda PF porque precisávamos de um produto estrela; digo sempre que a indústria não precisa de mais relógios… a não ser que proporcione algo de distinto e nós temos algo de especial, que apela aos verdadeiros conhecedores. Não temos os mesmos clientes das outras marcas que querem aqueles modelos que estão na moda. E atualmente temos listas de espera de 12 meses». O primeiro preço da linha Tonda PF começa à volta dos 20 mil euros.
A Parmigiani Fleurier está umbilicalmente associada à vizinha manufatura de movimentos Vaucher Manufature — que não só concebe os calibres da marca como também fornece movimentos ou bases de movimentos para reputadas companhias de luxo como a Hermès (que até detém uma participação na companhia) ou a Richard Mille. Do ecossistema relojoeiro detido pela Fundação Sandoz fazem igualmente parte, após aquisições entre 2000 e 2005, a Atokalpa (fornecedores de rodagens para mecanismos, componentes sofisticados e órgãos reguladores já assemblados), a Les Artisans Boîtiers (fabrico de caixas de elevada qualidade), a Elwin (especialista no fabrico de utensílios de precisão, maquinaria relojoeira e software adaptado) e a Quadrance & Habillage (confeção de mostradores). Ou seja, autonomia industrial.
Mestre inspirado por mestres
A grande maioria dos mestres relojoeiros que fundaram a sua própria marca ainda no século XX (sobretudo na década de 90) ganharam credenciais a restaurar obras-primas do passado. Michel Parmigiani é um deles, tal como François-Paul Journe e depois Kari Voutilainen. Criou o seu próprio atelier de restauração em 1976, numa altura em que a indústria relojoeira suíça sofria o impacto da concorrência do quartzo, e foi enriquecendo o conhecimento enquanto desvelava os segredos dessas criações de exceção; na década de 80 passou a trabalhar com a fundação da família Sandoz para preservar as maravilhas mecânicas do acervo de Maurice-Yves Sandoz e a relação de confiança conduziu ao lançamento da sua própria marca de alta-relojoaria em 1996.
«Quando se tem um contacto direto com tantas maravilhas do passado como eu tive a fortuna de ter, é simplesmente impossível acreditar que a relojoaria do antigamente poderá morrer», confessou Michel Parmigiani aquando da exibição histórica que, em 2016, juntou alguns dos mais notáveis exemplares da coleção Sandoz (entre relógios e autómatos) a peças de exceção com o selo da Parmigiani Fleurier.
Guido Terreni diz que a Parmigiani Fleurier é atualmente «cinco vezes a marca que encontrei há três anos». Dentro de dois anos, a marca independente de alta-relojoaria fundada por Michel Parmigiani celebra o seu 30.º aniversário. Será interessante fazer então o ponto da situação — para já, está numa fase ascendente e a suscitar a cobiça de investidores…