Patek Philippe Nautilus: a força dos 40

EdT57 —Da lenda para a história: o ícone submersível Nautilus da Patek Philippe completou em 2016 o seu 40.º aniversário com o lançamento de dois inesperados modelos comemorativos que rebentaram a escala e deixaram os aficionados em polvorosa. O que diria o Capitão Nemo?

Texto originalmente publicado no número 57 da Espiral do Tempo (inverno 2016)

Imagem de abertura: Patek Philippe Nautilus Ref. 5711/1P-001, num estojo de cortiça evocativo dos que acompanhavam os Nautilus originais, há 40 anos. © Patek Philippe

Patek Philippe Nautilus
Patek Philippe Nautilus Ref. 5711/1P-001 e Ref. 5967/1G-001 © Patek Philippe

O romance Vinte Mil Léguas Submarinas surgiu numa era em que se começava a falar com grande insistência sobre a evolução das espécies e teve dois grandes protagonistas: um homem, o Capitão Nemo; e um submarino, o Nautilus. O Capitão Nemo é um dos anti-heróis da história de ficção e o seu nome significa «ninguém»; o Nautilus antecipou um tipo de embarcação que até então nunca havia sido construída, e o seu mote «mobilis in mobili», pode ser traduzido por «movimento na mobilidade», «movimento dentro do movimento» ou mesmo «mudança nas mudanças». A temática e a etimologia utilizadas por Júlio Verne estiveram diretamente associadas à génese de um dos maiores ícones da relojoaria de pulso, que também esteve ligado a uma mudança do paradigma relojoeiro numa época de mudança provocada pela revolução do quartzo dos anos 70 e por todos os movimentos sociais/políticos/culturais que caraterizaram a década. Os modelos celebratórios do 40.º aniversário do Nautilus chegaram na ponta final de 2016 e provocaram tanta celeuma como a versão original de 1976.

Patek Philippe Nautilus Ref. 5711/1P-001
O novo Patek Philippe Nautilus Ref. 5711/1P-001: um três ponteiros com 44 mm, limitado a 700 exemplares. © Patek Philippe

Nunca foi fácil para uma marca tradicional de alta-relojoaria apresentar um modelo revolucionário. A Patek Philippe fê-lo há 40 anos, abandonando a sua fidelidade aos metais preciosos e à elegância intemporal para arriscar um relógio em aço de design robusto e vincada geometria. Foi como passar dos píncaros para as profundezas — sem qualquer intenção pejorativa — numa era de grandes convulsões. Como dizia o Capitão Nemo, «À superfície, eles podem exercer as suas leis, lutar, devorarem-se mutuamente e incorrer em todos os seus erros terrestres. Mas trinta pés abaixo do nível do mar, o poder deles cessa, a sua influência dilui-se e o seu domínio desaparece. Ah, viver no fundo do mar! Lá não reconheço qualquer mandante; lá, eu sou livre!»

Patek Philippe Nautilus Ref. 5711/1P-001
Nautilus Ref. 5711/1P-001 © Patek Philippe
Patek Philippe Nautilus Ref. 5967/1G-001
Nautilus Ref. 5967/1G-001. Ao vivo, a polémica inscrição no mostrador, referente aos 40 anos do Nautilus, apresenta-se bem mais discreta. © Patek Philippe

A Patek Philippe sentiu-se livre para apresentar um corte epistemológico com o seu passado e lançar o Nautilus original, tal como se sentiu livre para rebentar com a sua própria escala ao apresentar recentemente dois modelos com dimensões nunca antes vistas no seu catálogo e uma inédita inscrição comemorativa no mostrador azul dégradé. A discreta manufatura genebrina não é adepta de edições limitadas nem se sente constrangida a corresponder aos apelos dos aficionados; por exemplo, não comemorou com grande pompa o 20.º aniversário do seu calendário anual que foi o primeiro na relojoaria, e o ano — que tinha tido atualizações de outros ícones relojoeiros dos anos 70, como o Laureato da Girard-Perregaux ou o 222/Overseas da Vacheron Constantin — já se encaminhava para o seu término com a perspetiva de que a principal celebração do Nautilus seria ‘apenas’ o leilão temático da Christie’s com 40 exemplares cuidadosamente selecionados… até que o Capitão Nemo disparou um torpedo. Porta-aviões dos conservadores ao fundo!

Patek Philippe Nautilus Ref. 5711/1P-001
O Nautilus Ref. 5711/1P-001 apresenta um pequeno diamante na luneta denotando que é uma versão em platina. © Patek Philippe

De repente, dois novos Nautilus bem acima dos 40 mm de diâmetro. Um três ponteiros (Ref. 5711/1P-001) mais-Jumbo-do-que-o-Jumbo com 44 mm e o habitual pequeno diamante na luneta às 6 horas para salientar que se trata de uma versão em platina, limitada a 700 peças com espiral Spiromax e balanço Gyromax, rotor de 21 kt em ouro. E um cronógrafo flyback (Ref. 5967/1G-001) com 49,25 mm, limitado a 1.300 exemplares e que passa a ser o maior Patek Philippe de série alguma vez construído, descendente do primeiro cronógrafo Nautilus, introduzido em 2006 para comemorar o 30.º aniversário da coleção. Ambos acompanhados de diamantes baguete nos marcadores das horas e apresentados em estojos de cortiça evocativos dos que acompanhavam os modelos originais de há 40 anos.

Patek Philippe Nautilus Ref. 5711/1P-001
Os dois novos modelos Nautilus exibem diamantes baguete nos marcadores das horas. © Patek Philippe

A reação negativa exponenciada pela Internet prendeu-se com a inflação do tamanho e a inscrição no mostrador. Mas esquecem-se de que o Nautilus original foi apelidado Jumbo porque tinha uns ‘enormes’ 42 mm para a altura, e o Boeing 747 Jumbo Jet era a referência de gigantismo da altura, daí o cognome. Além disso, todos aqueles que puderam experimentar os dois modelos comemorativos puderam constatar que, apesar do formato sobredimensionado, assentavam bem no pulso, confirmando que o Nautilus é mesmo o modelo de Gerald Genta baseado no mesmo conceito couraçado (os outros são o Royal Oak da Audemars Piguet e o Ingenieur da IWC) que mais confortável é. E que, ao vivo, a inscrição no mostrador se apresenta bem mais discreta. Os críticos não terão grandes oportunidades de ser pessoalmente convencidos, já que ambas as tiragens se escoaram rapidamente.

Referências e segredos

Patek Philippe Nautilus Ref. 5967/1G-001
O Patek Nautilus Ref. 5967/1G-001 tem 49,25 mm e é um cronógrafo flyback limitado a 1.300 exemplares. © Patek Philippe

Parte da enorme mística que rodeia o Nautilus está relacionada com o autor do seu design — Gérald Genta, transformado numa lenda da relojoaria a partir do momento em que se soube que o seu nome estava associado a vários modelos emblemáticos dos anos 70. O célebre designer esboçou as linhas originais quando almoçava durante a Feira de Basileia, em 1974, e tinha os responsáveis da Patek Philippe do outro lado do restaurante; pediu um papel ao empregado e traçou em cinco minutos os contornos de um relógio inspirado na escotilha dos transatlânticos com ‘orelhas’ dos dois lados reminiscentes dos fechos das janelas.

Patek Philippe Nautilus Ref. 5711/1P-001
Nautilus Ref. 5711/1P-001 © Patek Philippe
Patek Philippe Nautilus Ref. 5967/1G-001
Nautilus Ref. 5967/1G-001. Os característicos botões laterais do Nautilus  são reminiscentes dos fechos das janelas dos transatlânticos. © Patek Philippe

O primeiro preço a que o Nautilus foi vendido não andava muito longe do de modelos de pedigree teoricamente muito superior; idealizado num material democrático, o aço, valia 3.100 dólares — com modelos em ouro da marca supostamente mais sofisticados a serem comercializados à volta dos 4.000 dólares. Mas o aço era da melhor liga existente na altura — uma liga um pouco mais leve do que o aço dito normal e concebida para resistir às mais elevadas temperaturas e à corrosão, usada em tanques de guerra. A estrutura patenteada assentava num monobloco ao qual se prendia uma luneta octogonal (com as oito facetas subtilmente encurvadas para maior fluidez de linhas) através de quatro parafusos laterais para melhorar a estanqueidade e garantir resistência até aos 120 metros, um índice digno dos muitos relógios de mergulho da altura.

Patek Philippe Nautilus Ref. 5967/1G-001
© Patek Philippe

O primeiro modelo, dito Jumbo, partilhava com o Royal Oak o Calibre 920 ultraplano de corda automática da Jaeger-LeCoultre, ligeiramente modificado e muito decorado com acabamentos típicos da casa genebrina. Os mostradores tinham os marcadores em ouro e correspondente sinalização (dos dois lados da inscrição ‘Swiss’, às 6 horas), algo de irónico, tendo em conta que se tratava de um modelo em aço. A primeira geração assentava numa caixa feita pela firma Favre-Perret, e tinha a referência 3700-1A. Foi tornado ligeiramente mais pequeno a partir de 1981 e até 2006, já com caixas feitas ‘em casa’ pela própria Patek Philippe, com uma liga de aço mais apurada e pequena afinação da bracelete, passando a ostentar a referência 3700-11A. Nesse espaço de tempo, as versões bimetálicas aço/ouro e em ouro são raras — e raríssimas (apenas duas, que se saiba!) são as versões em platina com marcadores de diamantes, como os recentes modelos comemorativos.

Patek Philippe Nautilus Ref. 5967/1G-001
Nautilus Ref. 5967/1G-001 © Patek Philippe

Como se pode constatar, até os detalhes mais incompreensíveis (à primeira vista) da dupla dos 40 anos apresentam uma justificação histórica. E se o Nautilus nasceu iconoclasta, toda a polémica que rodeou os dois modelos só comprova que, quatro décadas depois, continua a agitar as águas — ou seja, é um quarentão muito cobiçado.

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