Davide Cerrato: toque transalpino

Diretor executivo da divisão relojoeira da Montblanc desde 2016, Davide Cerrato ajudou a moldar a face da relojoaria ao longo da última década. É também alguém com uma sensibilidade estética muito especial e uma utilização própria dos códigos estilísticos do passado. Aqui fica o seu perfil.

Davide Cerrato sobressai onde quer que esteja. Não porque seja especialmente extrovertido ou necessite de chamar as atenções, mas porque a sua proverbial boa disposição e pitoresca forma de vestir tornam natural essa distinção. É dotado de um apurado sentido de estilo e sobretudo de um profundo conhecimento da indústria relojoeira contemporânea. Foi também fundamental no moldar das tendências da última década, graças a uma alargada paleta cromática e especial sensibilidade retrospetiva; é um de vários italianos com cargos de destaque e intervenção estética em prestigiadas marcas, ajudando a estabelecer um grau de sofisticação nunca antes vista no setor. Isso ficou bem patente na sua participação numa das sessões ‘Alive & Kicking’ que a Espiral do Tempo promoveu no Instagram durante o confinamento.

ateliers Minerva
À moda antiga: vista sobre as montanhas a partir dos ateliers da Minerva em Villeret. Película a preto e branco, 35mm + Konica Hexar AF.

Oriundo de Turim, Davide Cerrato foi naturalmente influenciado pelo peso da indústria automobilística no imaginário transalpino. Abraçou o marketing e a publicidade até transitar para a relojoaria, passando inevitavelmente pela Panerai. Tornou-se depois diretor de marketing e desenvolvimento de produto na Tudor, revolucionando a sister company da Rolex de tal modo que a marca da rosa se tornou mesmo ponta-de-lança do revivalismo que tem marcado a última década – graças à coleção Heritage e sobretudo à linha Black Bay. O seu gosto pelo old school não é bafiento, mas sim uma lufada de ar fresco num negócio austero que durante muito tempo se tomou demasiado a sério. Contratado por Jérôme Lambert para diretor do polo relojoeiro da Montblanc, rapidamente estabeleceu o seu cunho. Define-se como um «alquimista criativo», «entusiasta da personalização» e «Jedi do design vintage». Aqui ficam algumas das suas convicções retiradas de conversas ao longo do tempo.

«Após a crise de 2008, os aficionados focaram-se na busca de valores que perduram e isso provocou o regresso em força do vintage. Duas tendências começaram então a surgir: a reedição pura e simples de relógios antigos, com uma inerente perda de valor e confusão; e uma abordagem reinterpretativa em que as marcas investem no seu património para criar uma linguagem acentuadamente contemporânea.»

Influências e referências de juventude

Sou dos anos 70, pelo que o meu primeiro relógio foi um Casio digital. Quando o meu pai me ensinou a ler o tempo ontológico, foi como uma epifania para mim – como que aprendi uma nova linguagem para poder aceder a um mundo novo. Fui recebendo relógios do meu pai e do meu avô, pelo que aderi aos relógios vintage muito jovem. E gostava muito de um cronógrafo Universal Genève que foi roubado; tenho andado à procura dele desde então e, de certo modo, ainda influencia os meus desenhos, como se eu tentasse reconstruí-lo a partir da memória.

Montblanc Star Legacy Chronograph Day Date
Montblanc Star Legacy Chronograph Day Date. © Montblanc

Integração da histórica manufatura Minerva

A Montblanc e a Minerva estão agora totalmente integradas, são a mesma coisa. Estamos a recorrer a referências do museu da Minerva para injetar conceitos relojoeiros fortemente vintage na Montblanc. A Montblanc está em posição de se afirmar como uma marca de complicações, com os cronógrafos a assumir destaque. Usamos calibres ETA e Sellita num escalão de preço mais baixo, mas a partir daí temos movimentos cronográficos de manufatura especialmente feitos para nós que beneficiam da estratégia de grupo e depois temos os produtos da nossa manufatura feitos completamente à mão e de maneira muito tradicional. Os nosso cronógrafos concebidos em Villeret são tão bons quanto os melhores do mundo, tal como os rally timers da Minerva cronometravam as mais importantes corridas do mundo nos anos 50.

Montblanc Heritage Manufacture Pulsograph Limited Edition
Montblanc Heritage Manufacture Pulsograph Limited Edition. © Montblanc

O caso do ‘Produto Herói’

Precisávamos daquilo que chamo de ‘Hero Product’, um relógio que toda a gente conheça independentemente do seu gosto específico e que seja instantaneamente associado à marca — especialmente tendo a Montblanc tantas categorias de produto. E já o temos: o 1858 Geosphere, um worldtimer vintage de fácil leitura capaz de revelar todos os fusos horários. Apresenta um visual muito especial com dois globos rotativos, as dimensões são robustas e intemporais. Nasceu da ideia de associar a marca ao montanhismo e às atividades ao ar livre; a marca é batizada segundo uma montanha, o logótipo da Montblanc representa os seis glaciares do Monte Branco. Fazia sentido que a coleção 1858 expressasse essa história, quando antes muitos achavam que os relógios Montblanc deviam ser dressy. Mas eu gosto, e os consumidores também, de relógios que representem uma faceta que seja mais aventureira do que ir para o trabalho de fato e gravata. O Chrono Monopusher na nova linha Heritage também tem tudo para se tornar num ‘Hero Product’.

« A Montblanc está em posição de se afirmar como uma marca de complicações, com os cronógrafos a assumir destaque. »

Montblanc 1858 Geosphere
Montblanc 1858 Geosphere. © Montblanc

O catálogo e as cores

Temos quatro linhas básicas: duas desportivas e duas clássicas ou duas contemporâneas e duas vintage — que representam o que eu acho que a Montblanc deve ser: relojoaria com caráter. As linhas de pendor mais desportivo são a TimeWalker e a 1858; completámos a linha Star Legacy, que é uma síntese aperfeiçoada de mais de 20 anos de diferentes referências Star. Entretanto, mergulhámos nos arquivos e encontrámos lindos cronógrafos dos anos 40 e 50 com detalhes que nos inspiraram a lançar uma linha clássica mas também muito vintage, a linha Heritage. Usamos cores pouco usuais que contribuem para a identidade e personalidade únicas da Montblanc. Por exemplo, decidimos recuperar o salmão com pormenores especiais no mostrador. Também estudámos os efeitos tropicais nos mostradores e criámos algo de especial, um mostrador ‘degradado’ com a orla mais escura do que no centro – chamamos-lhe ‘Creme Caramelo’.

Montblanc Heritage Monopusher Chronograph
Montblanc Heritage Monopusher Chronograph. © Montblanc

Cuidado com os adereços do relógio

Há marcas como a Rolex que fazem 90 por cento dos seus relógios com braceletes metálicas e nós também as temos, mas o nosso grupo vai noutra direção. A mudança de uma correia muda completamente o visual de um relógio e, para a sensibilidade europeia, uma correia faz parte do vestuário; na Montblanc damos muita importância ao prazer que uma boa correia pode proporcionar. Inspirámo-nos nas correias de relógios de piloto e no universo outdoor para fazermos correias de pele na área de Florença. Também recorremos a uma fiação ancestral, a Julien Faure em França, para conceber braceletes têxteis de grande qualidade especialmente para nós.

Davide Cerrato
Davide Cerrato © Montblanc

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