Philippe Dufour: Mestre dos mestres

Philippe Dufour é, para muitos, o maior relojoeiro vivo — e é aquele a quem os mestres chamam mestre. Aos 75 anos, ainda concebe obras-primas de A a Z na pequena localidade de Le Solliat, na Vallée de Joux. Durante a Dubai Watch Week de 2017, confidenciou-nos alguns dos segredos da sua longeva e gloriosa carreira.


Artigo originalmente publicado no número 81 da Espiral do Tempo (inverno 2022) e atualizado para publicação online.


Quando se fala em relojoaria mecânica, continua a haver a ideia romântica de que os relógios deveriam ser inteiramente feitos à mão e ainda há quem pense que todos os componentes são manufaturados por relojoeiros. Mas há muito que a industrialização e a modernização tomaram conta da indústria, ajudando a eliminar o erro humano e aproveitando a tecnologia para atingir uma tolerância de fabrico na ordem dos mícrons impossível de atingir pela mão e pelo olho. A não ser que se trate do mestre que chegou a ser apresentado no Grand Prix d’Horlogerie de Genève como «sinónimo de orgasmo» para os seus fervorosos adeptos japoneses.

Documentário Making Time: Philippe e Daniela Dufour
Philippe Dufour e Daniela, sua filha, no documentário Making Time | © Making Time

Philippe Dufour é uma lenda viva e não apenas no Japão; é considerado o mestre dos mestres e foi fundamental para o renascimento ao mais alto nível da alta relojoaria no período que se sucedeu à crise do quartzo, recuperando antigas complicações e mesmo técnicas de acabamento decorativo, sendo mesmo o primeiro a aplicá-las em relógios de pulso. Atualmente com 74 anos, iniciou a sua atividade em 1978 — começando por restaurar relógios antigos; depois, idealizou um relógio de bolso com grande sonnerie e fez cinco para a Audemars Piguet, da vizinha localidade de Le Brassus.

Entre 1989 e 1992, concebeu o primeiro relógio de pulso com grande e pequena sonnerie e repetidor de minutos — algo que nunca tinha sido feito antes e que os colecionadores atuais valorizam em mais de 1,5 milhões de euros.

Os quatro magníficos de Philippe Dufour que perfizeram 11 milhões: Grande et Petite Sonnerie Nº 1 (vendido por 4,749 milhões de francos suíços), Grande et Petite Sonnerie de bolso, (2,3 milhões de francos suíços), Duality Nº 8 (3,660 milhões de francos suíços) e o Simplicity Nº 57 (756 mil francos suíços).
Os quatro magníficos de Philippe Dufour que perfizeram 11 milhões: Grande et Petite Sonnerie Nº 1 (vendido por 4,749 milhões de francos suíços), Grande et Petite Sonnerie de bolso, (2,3 milhões de francos suíços), Duality Nº 8 (3,660 milhões de francos suíços) e o Simplicity Nº 57 (756 mil francos suíços) | © Paulo Pires / Espiral do Tempo

Aprendeu a usar o computador para poder desenvolver o movimento. Com a fama que ganhou, começaram a surgir as encomendas dos clientes saudosistas de um glorioso passado mecânico que lhe solicitaram relógios menos complexos — e surgiu o Duality, em 1996, nascido da vontade de fazer uma peça de grande precisão cronométrica e da inspiração de um antigo relógio com dois balanços. O Simplicity nasceu precisamente do fascínio japonês por relógios puros e simples, sendo apresentado em 2000 e valendo, atualmente, cerca de meio milhão de euros em leilão! No cômputo da sua carreira, o mestre da Vallée de Joux fez menos de 250 peças; todas elas são incrivelmente cobiçadas e cada vez mais difíceis de obter, atingindo preços estratosféricos.

Philippe Dufour lançou o Simplicity em 2000, caracterizado por um mostrador com algarismos romanos inspirado no seu Grande Sonnerie | © Philippe Dufour

É justamente visto como um bastião da arte relojoeira e tem estado associado a vários projetos de transmissão do conhecimento, como o programa Naissance d’une Montre. Hoje em dia, tem o apoio de um grande colecionador tornado amigo, Claude Sfeir, na persecução de múltiplos projetos e solidificação do seu inestimável savoir-faire.

Inspiração inicial

Filho de uma humilde família de relojoeiros e nascido nesse reputado berço da alta-relojoaria que é a Vallée de Joux (mais precisamente em Le Sentier), Philippe Dufour completou a escola de relojoaria aos 19 anos e começou pela maior manufatura da região.

Philippe Dufour
Philippe Dufour | © Philippe Dufour

«Em miúdo, estava claro para os meus pais que eu não tinha grande vocação para os estudos e acharam que eu devia escolher uma profissão. Certo dia estava a mexer numa velha motocicleta e decidi aprender mais sobre mecânica. Fui para a École d’Horlogerie, onde comecei por saber fazer os utensílios com as minhas próprias mãos e onde nos fizeram acreditar que é na Vallée de Joux que estão os melhores relojoeiros do mundo. Depois comecei a trabalhar na Jaeger-LeCoultre e restaurei muitos relógios antigos, sobretudo de bolso; a maior parte deles tinham movimentos feitos entre 1800 e 1920 na Vallée de Joux e pensei que também eu os poderia fazer. Achei que poderia prolongar a arte da bela relojoaria. E a partir do momento em que decidi fazer um relógio de pulso com grande sonnerie, não houve volta a dar. De certa maneira, foi uma loucura e demorou muito tempo, mas tive o apoio de colecionadores que me permitiram ter esse tempo para fazer o que gosto de fazer».

Estado da indústria

Philippe Dufour
Philippe Dufour no documentário Keeper of Time | © Keeper of Time

A relojoaria é uma profissão de futuro, com tantos relógios mecânicos a serem lançados para o mercado e que necessitarão obrigatoriamente de serviço pós-venda passados alguns anos. Mas Philippe Dufour considera que há demasiados relógios demasiadamente genéricos. «Há uma tão grande quantidade de relógios a entrar anualmente no mercado que talvez se perca um pouco a noção do real valor de um exemplar mecânico de alta-relojoaria; há também muitas tendências que são logo seguidas por quase todas as marcas.

O Philippe Dufour Grande Sonnerie é um marco na história da relojoaria e um dos oito exemplares, feito para o Sultão do Brunei, foi leiloado por 7,5 milhões de euros
O Grande Sonnerie é um marco na história da relojoaria e um dos oito exemplares, feito para o Sultão do Brunei, foi leiloado por 7,5 milhões de euros | © Philippe Dufour

Gostava que se desse maior importância ao fator humano, ao conceito de manufatura propriamente dito — o artesanato baseado no coração e na alma de relojoeiros que provoca as emoções que alimentam a paixão relojoeira. E a emoção é criada pela mão e pelo olho do relojoeiro, não por máquinas industriais. As pessoas querem conhecer os relojoeiros que dão uma dimensão humana aos relógios, não as máquinas». Para além dos seus relógios, o mestre tem uma especial preferência pelo A. Lange & Söhne Datograph que adquiriu e mostra sempre muito respeito pelo trajeto da Rolex.

Nascimento de um relógio

O percurso de Philippe Dufour foi natural para alguém nascido e criado na Vallée de Joux. «Na escola, o curso estendeu-se por três anos. No primeiro, fazemos as platinas e as pontes. No segundo, as rodagens. No terceiro, os componentes mais delicados — que exigem maior habilidade, como a espiral e o balanço. Depois de algum tempo em que passei pela Alemanha e até pelas Caraíbas, regressei à Vallée de Joux e tornei-me independente. Comecei por restaurar relógios para a casa leiloeira que hoje em dia é a Antiquorum.

Apresentado em 1996, o Duality surpreendeu com a solução técnica dos dois balanços e pequenos segundos descentrados no mostrador | © Philippe Dufour

Entretanto, durante as noites e os fins de semana, comecei a trabalhar na criação do meu primeiro movimento: uma grande sonnerie com repetidor de minutos para relógio de pulso, algo que nunca tinha sido feito antes. Levei dois anos e meio a desenhar e construir o movimento. Inspirei-me no passado para perpetuar uma bela maneira de fazer relógios, algo que continuo a fazer até aos dias de hoje. Costumo dizer que nunca inventei nada!»

Renascimento da arte

Paradoxalmente e em plena era digital, a cultura relojoeira tradicional parece mais forte do que nunca. «Há cada vez mais conhecedores através dos muitos canais de informação existentes e sobretudo da Internet. Os detalhes e pormenores associados à alta-relojoaria estão mais facilmente acessíveis; por isso, tornou-se natural que as pessoas apreciem melhor a arte da relojoaria.

O exemplar do 20.º aniversário do Simplicity foi leiloado por 11,5 milhões de euros | © Philippe Dufour

Não se pode enganar o consumidor, porque ele está muito bem informado. Através da relojoaria, conheci gente muito conhecedora e extraordinária no plano humano. Como um médico no Japão que se especializou no tratamento do cancro e emprestava o seu Simplicity aos seus pacientes, porque estavam em fase terminal e queria dar-lhes alguma felicidade. E o que me dá realmente prazer é conseguir fazer as pessoas felizes através do meu trabalho».

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