Ponteiros: apontar não é feio

EdT56 — Mais do que apenas um elemento estritamente funcional, os ponteiros de um relógio podem também ser um elemento de afirmação de uma marca. Entre função, estética e origem histórica, eles têm, afinal, muito mais para contar do que apenas as horas e os minutos de cada dia.

Originalmente publicado na edição impressa da Espiral do Tempo 56 (outono de 2016).

Nos relógios, os ponteiros são, frequentemente, os protagonistas. São eles que estabelecem a ligação entre o movimento mecânico e a escala inscrita sobre o mostrador, permitindo-nos associar a sua posição a um determinando valor que acabamos por identificar com uma hora do dia ou da noite, uma data, uma informação astronómica, um fuso horário, um tempo parcial, no caso dos cronógrafos, e até mesmo a autonomia que o mecanismo tem em determinado momento.

Ponteiros: Calibre 89
Ponteiros do anverso do Calibre 89, da Patek Philippe. © Patek Philippe

Mesmo com o advento das indicações digitais associadas aos relógios mecânicos, que começaram a surgir no final do século XIX, e cujo auge se deu na década de 20 do século XX, as indicações analógicas nunca deixaram de ter a preferência da esmagadora maioria das marcas de alta-relojoaria. Consequentemente, os ponteiros continuam a ser, até hoje e em quase todos os relógios, o elemento de destaque.

Quando o tempo era apenas um conceito relativo e os primeiros relógios se limitavam a indicar a passagem do tempo de forma sonora, a introdução, no início do século XVI, de uma escala circular onde apenas um único ponteiro solitário indicava a hora do dia fez com que se estabelecesse uma relação visual com a medição do tempo. Esta mudança veio romper com o monopólio detido até então pelos relógios de sol, também eles apenas com um ponteiro, o gnómon.

Ponteiros: Master Geographic
Ponteiros do Jaeger-LeCoultre Master Geographic.© Espiral do Tempo / Paulo Pires

Foi, aliás, também dos relógios de sol que a relojoaria mecânica herdou o sentido em que os ponteiros se movimentam sobre o mostrador (da direita para a esquerda). Foram os egípcios, e a sua reverência a Rá (o deus do Sol), quem primeiro utilizou o gnómon como ponteiro, cuja sombra no hemisfério norte se movimenta da direita para a esquerda. Este movimento foi assim replicado sobre os mostradores dos relógios naquilo que hoje se apelida o «sentido dos ponteiros de um relógio». A mesma razão levou à localização do meio-dia, precisamente, no topo de mostrador.

Só no final do século XVII, após a invenção do pêndulo e do escape de âncora, passou a ser possível uma leitura mais precisa do tempo, levando ao aparecimento dos primeiros relógios com ponteiros de minutos. Pouco depois, e há mesmo quem considere que foi em simultâneo, aparece o ponteiro dos segundos (assim chamado por medir a segunda divisão da hora após o minuto), também conhecido por «trotteuse», um termo francês que se refere ao passo contínuo de um equídeo.

Ponteiros: Montblanc 4810 TwinFly Chronograph 110 Years Edition
Ponteiros do 4810 TwinFly Chronograph 110 Years Edition © Montblanc

E como será certamente fácil de imaginar, neste período da história, os ponteiros eram produzidos exclusivamente à mão, num processo moroso que consumia até dois dias de trabalho apenas para um único exemplar. Executados inicialmente a partir de uma fina folha de metal, apenas com o advento do século XIX o processo passou a fazer uso de técnicas de produção em série, como a estampagem, surgindo, nessa altura, as primeiras empresas dedicadas exclusivamente à sua produção.

Hoje, a indústria suíça continua ainda a recorrer maioritariamente a fornecedores especializados na produção de ponteiros. A Universo, sediada em La Chaux-de-Fonds e pertencente ao grupo Swatch, é um dos fabricantes mais importantes, a par da Fiedler (Genebra), da Waeber (Fleurier), da Estima (Grenchen) ou da Anguilla (Bienne).

Ponteiros: David Guetta Special Edition
TAG Heuer Formula 1 David Guetta Special Edition © Espiral do Tempo / Paulo Pires

A maioria dos ponteiros utilizados pela relojoaria suíça são concebidos em alumínio (aplicados quase sempre em relógios de quartzo), latão, aço ou em cuproberílio (CuBe), uma liga bastante dura e de custo elevado, particularmente adequada às exigências dos ponteiros de cronógrafos.

As técnicas empregadas na produção de ponteiros são hoje tão diversas como as formas que este componente assume. Com efeito, consoante a forma, os ponteiros podem ser denominados como Góticos, Dauphine, Alpha, Folha, Bâton, Javeline, Losango, Pera Americano, Pera Paris, Luís XV, Luís XVI, Espada e consoante as suas caraterísticas existem ponteiros esqueletizados, finos, gordos, azulados, luminescentes, com ou sem contrapeso… A variedade é demasiado extensa para ser aqui listada.

Ponteiros: L.U.C Perpetual Chrono
Ponteiros do L.U.C Perpetual Chrono © Chopard

Este componente, crucial para a correta leitura das indicações de um relógio, continuará certamente a ser usado pelas mais importantes manufaturas suíças como um elemento de distinção e reconhecimento, ao qual dedicam tempo e recursos não negligenciáveis. Da próxima vez que olhar para o mostrador do seu relógio, repare nos ponteiros. Dê-lhes alguma atenção, e, certamente, aperceber-se-á de que, afinal, ao contrário do que nos fizeram crer durante a nossa infância, apontar não é nada feio.

Alguns exemplos de ponteiros

A. Lange & Söhne
Ponteiros: Datograph

Na A. Lange & Söhne, a preferência vai para a forma afilada dos ponteiros em forma de espada, com o exemplo do recente Datograph Perpetual Tourbillon a ilustrar bem a perfeição com que a marca insere o material luminescente nos ponteiros das horas e dos minutos, ou a beleza do contrapeso em forma de diamante do ponteiro de segundos central do cronógrafo.

Ponteiros: Datograph Perpetual Tourbillon
Datograph Perpetual Tourbillon © A. Lange & Söhne
Audemars Piguet
Ponteiros: Royal Oak

Na Audemars Piguet, os tradicionais ponteiros do Royal Oak fazem já parte da imagem deste relógio, tal como o padrão Méga Tapisserie do mostrador, que é já uma caraterística indissociável da marca e do modelo em específico. A própria manufatura passou há algum tempo a designá-los «ponteiros Royal Oak». Arredondados nas extremidades e percorridos, ao centro, por uma fina linha de material luminescente, eles fazem hoje parte da imagem que carateriza este modelo desportivo da Audemars Piguet.

Ponteiros: Royal Oak © Audemars Piguet
Royal Oak © Audemars Piguet
Breguet
Ponteiros: Breguet

Os chamados ponteiros Breguet, criados em 1783, terão aquele que provavelmente será o estilo mais facilmente identificável como sendo da marca. O disco furado que têm no último terço, associado, por uns, à forma de uma maçã oca e, por outros, a um quarto crescente, é o elemento mais caraterístico destes ponteiros. Os registos históricos da Breguet identificam mesmo alguns artesãos envolvidos exclusivamente na fabricação destes ponteiros. São eles: Vaujour, entre 1787 e 1826, Thévenon, entre 1793 e 1822, Jaquet, a partir de 1826, e Lalieue, a partir de 1830. Entre estes, destaca-se, e de forma pouco habitual no meio, uma mulher: Charlotte Albertine Marat. A irmã do famoso revolucionário jacobino Jean-Paul Marat produziu e vendeu os famosos ponteiros à casa francesa entre 1818 e a morte de Abraham-Louis Breguet, em 1823.

Ponteiros: Tradition 7087 BR
Tradition Répétition Minutes Tourbillon 7087 © Breguet

Este estilo, adotado pelos mais variados fabricantes nesta época, acabou por cair em desuso no final do século XIX (até mesmo pela própria Breguet), apenas para regressar em força a partir de 1930.

Ponteiros: Voutilainen

Hoje, além da Breguet, também o relojoeiro Kari Voutilainen é conhecido por usar este estilo de ponteiros, apesar das pequenas diferenças estéticas que os distinguem.

Ponteiros: Voutilainen GMT-6
GMT-6 © Voutilainen
F.P. Journe Invenit et Fecit
Ponteiros: FPJ

O trabalho de François Paul-Journe é um exemplo de fidelidade a um único estilo de ponteiros, se não considerarmos os primeiríssimos modelos deste relojoeiro marselhês. A forma de gota alongada que dá a todos os ponteiros que aplica nas suas criações reveste os mesmos de uma excelente legibilidade, além de que se tornou, ao longo dos anos, numa verdadeira assinatura deste talentoso relojoeiro independente.

Ponteiros: Octa Divine
Octa Divine © F.P. Journe Invenit et Fecit
Jaeger-LeCoultre
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Nomeadamente nos modelos mais clássicos do belíssimo Reverso da Jaeger-LeCoultre, os ponteiros são um elemento caraterístico que faz com que sejam, relógios imediatamente identificáveis. Para sermos mais específicos, os ponteiros azulados em forma de ‘batom’ que podemos encontrar nos Reverso Classic parecem assumir uma forma que está claramente em sintonia com o design e a longa história do modelo. Estes ponteiros são produzidos pela própria manufatura no Vallée du Joux, tendo um estilo bastante similar ao dos utilizados pela Cartier em diversos modelos históricos e de produção corrente.

Ponteiros: Reverso Classic
Reverso Classic Medium © Jaeger-LeCoultre
Panerai
Ponteiros: Panerai

Na Panerai, ou não fosse a marca de origem italiana, os ponteiros que habitualmente se sobrepõem aos mostradores em ‘sanduíche’ dos Radiomir e dos Luminor assemelham-se à forma das históricas espadas utilizadas pelas legiões romanas. Mas há, no entanto, quem lhes chame «pencil hands», aludindo à sua silhueta, que é similar a um lápis. O ‘miolo’ luminescente, tão necessário a estes modelos destinados ao mergulho, deixa apenas uma fina moldura de metal disponível para a estrutura do ponteiro, dando-lhe a caraterística que o associa à marca.

Ponteiros: Luminor Daylight 8 Days
Luminor Daylight 8 Days Acciaio © Officine Panerai
Patek Philippe
Ponteiros: Patek

A Patek Philippe vê o ponteiro como «uma peça de metal que aponta para várias indicações no mostrador», parecendo querer dar menos importância do que realmente dá a este componente de um relógio. Basta recordar os diferentes estilos dos 24 ponteiros do Calibre 89 para percebermos que o elemento não é de todo desconsiderado pela manufatura genebrina. Um caso mais recente é o da Ref. 5230, lançada este ano, enquanto modelo Worldtimer. Os ponteiros no centro do mostrador apresentam uma forma inédita — com um ponteiro das horas aberto e mais curto, cuja forma é inspirada na constelação Cruzeiro do Sul. Já o ponteiro dos minutos assume uma forma de losango alongado que se destaca bastante bem sobre o mostrador guillochado.

Ponteiros: World Time Ref. 5230
World Time Ref. 5230R-001 © Patek Philippe
Rolex
Ponteiros: Rolex Explorer

Na Rolex, também a forma dos ponteiros contribui para a identificação da imagem da própria marca. É o caso dos ponteiro com a extremidade em forma de estrela ou ‘Y’ (sem qualquer relação com a estrela da Mercedes-Benz) que podemos encontrar em modelos com caraterísticas desportivas, como o Submariner, o Sea Dweller, o Explorer ou o GMT Master.

Oyster Perpetual Explorer
Oyster Perpetual Explorer ©Rolex/Alain Costa

A Rolex foi a primeira marca a usar este desenho, e a sua forma tem um triplo propósito. Não só permite uma maior superfície para a aplicação do material luminescente, como, ao dividir a área do ponteiro em três, evita quaisquer quebras ou fissuras deste mesmo material, garantindo a sua estabilidade. Por último, em ambiente de fraca luminosidade onde o material luminescente cumpre a sua função, demarca-se de maneira clara da forma do ponteiro dos minutos, o que faz com que haja uma clara distinção entre ambos.

Ponteiros: Milgauss

Mas, na Rolex, há ainda um outro ponteiro que leva imediatamente à identificação do respetivo modelo onde é aplicado. A forma em raio do ponteiro de segundos em cor de laranja do Rolex Milgauss é já uma imagem de marca deste modelo, caraterizado pela sua capacidade de resistir a campos magnéticos de até 1000 gauss. ET_simb

Rolex Milgauss
Milgauss ©Rolex/Alain Costa

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